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Os benefícios da palhaçoterapia na formação médica: Uma percepção de discentes de medicina da Universidade Federal do Amapá

RC: 46033
420
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/beneficios-da-palhacoterapia

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SANTOS, Braulio Erison França dos [1], BRAGA, Eder Glauber Soledade [2], NETO, Sileno Melo dos Santos [3], SANTOS, Victor Gonçalves dos [4]

SANTOS, Braulio Erison França dos. Et al. Os benefícios da palhaçoterapia na formação médica: Uma percepção de discentes de medicina da Universidade Federal do Amapá. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 02, Vol. 01, pp. 173-185. Fevereiro de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/beneficios-da-palhacoterapia, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/beneficios-da-palhacoterapia

RESUMO

Mudanças significativas vêm ocorrendo quanto aos valores que cada profissional deve possuir, de modo a criar um novo perfil médico. Por conta disso, a humanização nos serviços de saúde tende a suprir as reais necessidades populacionais, sobretudo ao ampliar a abrangente área da saúde. Por isso, a Palhaçoterapia é tida como uma oportunidade para desenvolver habilidades comunicativas e de reconhecimento do ser humano de modo integral. Dessa forma, o estudo em questão foi elaborado com o intuito de evidenciar as percepções de discentes membros da Palhaçoterapia da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) acerca dos possíveis ganhos que o projeto pôde acrescentar para sua formação médica. A metodologia utilizada foi a análise de um grupo focal que conta com discentes membros da Palhaçoterapia da UNIFAP. Após a transcrição da discussão, a análise dos resultados demonstrou 5 temáticas acerca das percepções dos alunos, obtidas por meio do grupo focal: Desenvolvimento em Humanização e Saúde, Dificuldades do Projeto, Contribuição Pessoal, Formação Profissional e Redefinição do Perfil Médico. Pelas informações coletadas no presente estudo, é possível confirmar a relevância de projetos que contam com a metodologia ativa de ensino para o desenvolvimento técnico e humano dos estudantes de Medicina. A Palhaçoterapia promove benefícios ao público atingido e, também, aos seus membros, favorecendo a troca de experiências por meio de fortes conexões interpessoais criadas durante cada ação social.

Palavras-chave: Palhaçoterapia, humanização, Terapia do Riso, Educação em Saúde, Profissional em Saúde.

1. INTRODUÇÃO

O modelo médico atual tem passado por mudanças significativas quanto aos valores que cada profissional deve possuir. Anteriormente, o conceito de saúde se restringia, apenas, à ausência de doença, o que significava a não percepção dos reais déficits na qualidade de vida do paciente. Além disso, o sistema de saúde era restrito às classes com maior poder monetário e atuava apenas após o paciente já possuir determinada enfermidade. Por conta disso, notou-se a necessidade de realizar mudanças em prol de um serviço de saúde mais humano e eficaz, ampliando, portanto, a área de abrangência à saúde (FERREIRA, 2018). Nesse contexto, movimentos como a Reforma Sanitária Brasileira e a Carta de Ottawa foram fundamentais para que houvesse a transição do modelo Biomédico para o Biopsicossocial.

Notou-se que a formação do profissional médico deve ir além do domínio teórico-prático das patologias, e, assim, o foco deve ser ampliado para visualizar o paciente em todos seus aspectos, de modo integral, como um ser que causa e sofre modificações no meio em que vive (ARAGÃO, 2019; BARCHIFONTAINE, 2019). Por isso, a Palhaçoterapia é uma oportunidade para desenvolver habilidades comunicativas e de reconhecimento do ser humano de modo integral. Nessa atividade, o diálogo e a empatia são peças fundamentais. O conhecimento é construído de modo horizontal com o paciente, sem hierarquias, o que além de fortalecer a confiança interpessoal, ensina as particularidades de cada paciente e os limites que devem ser respeitados na relação recém-construída (BRITO et al, 2016; CATAPAN; OLIVEIRA; ROTTA, 2019).

Diante dessa realidade, a Palhaçoterapia pode interagir e modificar, de forma global, o ambiente hospitalar, pois a habilidade de comunicação é a base para qualquer profissional de saúde (TAKAHAGUI et al, 2014; COREOLANO-MARINUS et al, 2014). Por isso, notou-se a necessidade de mais estudos quanto aos efeitos causados em acadêmicos que atuam como “médicos-palhaços”. Devido a isso, o estudo tem como finalidade identificar as percepções de discentes membros da Palhaçoterapia da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) acerca dos possíveis ganhos que o projeto pôde acrescentar para sua formação médica. Desse modo, a pesquisa em questão pode ser utilizada, posteriormente, como fonte de informação para a construção e aplicação de novas metodologias ativas de ensino para a adequada formação médica.

2. METODOLOGIA

2.1 DELINEAMENTO DO ESTUDO

O presente estudo é caracterizado como uma pesquisa qualitativa realizada com estudantes do curso de Medicina da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) membros do projeto de extensão Palhaçoterapia. Um grupo focal foi desenvolvido no primeiro semestre de 2017 para a coleta de dados. A submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNIFAP foi realizada com sucesso, de acordo com as normas da Plataforma Brasil, CAAE: 57036316.0.0000.0003.

2.2 PARTICIPANTES

O grupo focal foi composto por 10 discentes da Palhaçoterapia da UNIFAP. Os critérios de inclusão foram: ser vinculado ao projeto há pelo menos 1 ano e concordar com o termo de consentimento livre e esclarecido.

2.3 PROCEDIMENTOS

Primeiramente, no auditório do Hospital das Clínicas Alberto Lima (HCAL), no primeiro semestre de 2017, reuniram-se os dez integrantes do projeto para a realização de um grupo focal. Esse método é caracterizado como um debate acerca de temas previamente estabelecidos, a fim de obter percepções e experiências individuais por meio do diálogo.

2.4 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

A sessão de grupo focal foi constituída por 7 perguntas elaboradas pelo moderador: “Qual a sua percepção sobre a Palhaçoterapia antes de entrar no projeto?”; “O que o projeto influenciou na vida de vocês, como estudantes e como pessoas?”; “O que vocês acreditam ser mais positivo nas ações, o que vocês gostam mais nas ações?”; “Se vocês fossem falar pra um estudante de Medicina que não tem interesse e não conhece o projeto para ele participar, que ganhos vocês poderiam citar quanto à formação medica e pessoal?” e “O que e como algo poderia ser melhor dentro do projeto?”.

2.5 INSTRUMENTO DE ANÁLISE DE DADOS

As informações coletadas na sessão de grupo focal foram transcritas literalmente e, em seguida, esse conteúdo foi interpretado em dois momentos. No primeiro momento, inseriu-se o texto transcrito na plataforma de nuvem de palavras Wordclouds para que fossem identificadas as palavras mais citadas durante o grupo focal. No segundo, utilizou-se a técnica de Badin para analisar e identificar os temas mais relevantes na discussão do grupo. Seguindo o delineamento metodológico escolhido para essa pesquisa, identificaram-se as palavras-chave obtidas a partir da discussão, as frases nas quais elas estavam inseridas e, por fim, realizou-se a seleção daquelas que mais estavam relacionadas ao tema proposto.

Com o intuito de interpretá-las de forma mais eficaz e fidedigna, as frases foram divididas em domínios metodológicos. Além disso, foram utilizados como base ética os princípios da Declaração de Helsinque, preservando-se, dessa forma, a confidencialidade dos informantes da pesquisa. Por fim, respeitaram-se as orientações referentes à Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos, conforme o que está presente na Resolução nº 466 de 12 de dezembro de 2012/Ministério da Saúde.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados obtidos no grupo focal evidenciaram a necessidade de abordar 5 temas a partir das percepções dos alunos: Humanização e Saúde, Dificuldades do Projeto, Contribuição Pessoal, Formação Profissional e Redefinição do Perfil Médico (Quadro 1). Além disso, desenvolveu-se uma nuvem de palavras para ilustrar as principais ideias debatidas no grupo focal (Quadro 2).

Quadro 1: Domínios temáticos abordados no grupo focal pelos membros da Palhaçoterapia

Domínios Exemplos de Frases
 

Humanização e Saúde

“O curso nos orienta a sermos médicos humanizados. A palhaçoterapia é a oportunidade de aplicar na prática.” “A gente não precisa ser médico ou enfermeiro para ajudar alguém, ou seja, sendo um bom ser humano, a gente já consegue fazer muita coisa.”
 

Dificuldades do Projeto

“Quando uma criança se nega a brincar, você aprende os limites. Nem sempre o paciente aceita tudo que você propõe.” “Acho importante a questão de estratégias de como chegar no paciente da melhor forma de acordo com cada paciente.”
 

Contribuição Pessoal

“Estou me relacionando melhor com as pessoas, principalmente com as crianças que são seres muito complexos.” “É crucial quebrar os preconceitos. Na ação do autismo fui pra casa diferente, com uma ideia diferente desse público, foi uma experiência positiva.”
 

Formação Profissional

“Um dos benefícios é se comunicar melhor, inclusive de modo não verbal. Isso facilita entender o paciente na prática.” “Percebo que a palhaçoterapia é importante, tu aprendes a lidar com os diversos públicos, tem que falar de diferentes formas com cada um.”
 

Redefinição do Perfil Médico

“É fundamental conhecer as angústias e as dores do paciente. A palhaçoterapia é importante por isso.” “Não esperavam isso de alunos de medicina. Os melhores momentos é quando dizem: vocês são alunos de medicina? Quebram-se estereótipos.”

Fonte: Elaborado pelos autores (2017)

Quadro 2: Nuvem das palavras mais mencionadas durante a aplicação do grupo focal

Fonte: Elaborado pelos autores (2017)

3.1 DESENVOLVIMENTO EM HUMANIZAÇÃO E SAÚDE

Uma temática bastante abordada foi a percepção por muitos dos membros em relação à quanto a Palhaçoterapia atua como um elemento capaz de difundir a humanização por partes dos acadêmicos. Notou-se que o incômodo do paciente, às vezes, vai além de uma patologia, e, dessa forma, pode envolver meios socioeconômicos, culturais, religiosos etc., basta parar para escutar e, assim, saber como agir da melhor forma para determinado paciente. Demonstrou-se isso pelas frases abaixo:

 “Deparamo-nos com diferentes realidades e isso serve para a gente, como profissionais, entendermos como aquela pessoa vive, como ela está se mantendo e o que posso fazer para qualificar a vida daquelas pessoas” (E1)

“Durante as ações, percebemos que uma conversa ou um conforto que a gente dê pode ser tão bom quanto o medicamento que o paciente esteja fazendo” (E2)

“Durante o projeto, notei que tem pacientes que saem da consulta e ficam felizes só de terem exposto o problema e ficam tranquilos com a decisão do médico, pois é feita em conjunto com o paciente” (E4)

Em 2003, o Ministério da Saúde criou a Política Nacional de Humanização (PNH), a qual é pautada em 3 princípios: Transversalidade, Indissociabilidade e Protagonismo. Esse tripé ressalta a importância de converter o foco da saúde coletiva para a pessoa. Assim, ao conversar abertamente com o paciente, deve-se explicar todas as possíveis decisões a serem tomadas e é preciso deixar de lado qualquer possível hierarquia, a fim de que haja uma troca de experiências e para que a intercomunicação com pessoas de qualquer realidade seja ampliada (BRASIL, 2013). A partir da análise dessas frases, torna-se evidente a relevância da Palhaçoterapia como um veículo facilitador para alcançar os objetivos do PNH, visto que os palhaços terapeutas objetivam um contato pautado no indivíduo como um todo, a fim de enxergar a pessoa em detrimento da doença. Desse modo, fortalece-se o conceito ampliado de saúde, o qual abrange a universalidade e integralidade (CATAPAN; OLIVEIRA; ROTTA, 2019; RAMOS et al, 2018).

3.2 DIFICULDADES DO PROJETO

Quando questionados, os alunos abordaram algumas das dificuldades em comum durante as ações. Foi relatado que não há um modelo padrão de como abordar uma criança, por conta das diferenças naturais existentes, evidenciado no seguinte trecho:

 “Não é qualquer coisa que você fizer que vai trazer o sorriso dela. A alegria é um trabalho muito mais delicado e específico com cada criança” (E1)

“Acredito que aprendi a valorizar os aspectos éticos do paciente. Ele tem o poder de decidir se deseja ou não o contato com os profissionais de saúde” (E4)

Além disso, aprendeu-se que assim como as crianças nem sempre aceitam as brincadeiras impostas, os pacientes também podem vir a recusar um tratamento específico, por exemplo. Desse modo, se tal postura vir a ocorrer, diferentes abordagens para tentar alcançar o objetivo desejado são exigidas. Portanto, é necessário sempre entender que devem existir limites para que seja respeitado o princípio da autonomia do paciente. Como pode ser visto nas frases abaixo:

 “Nem sempre a criança vai estar disposta a brincar com você, a rir com você” (E2)

“Quando uma criança se nega a brincar, você aprende inclusive os seus limites, saber que nem sempre seu paciente vai aceitar tudo que você propõe” (E3)

“Acho importante a questão de estratégias de como abordar o paciente de acordo com suas individualidades” (E4)

As frases refletem um aspecto bastante trabalhado durante o projeto Palhaçoterapia: a necessidade de reinventar novas abordagens para cada paciente. A heterogeneidade populacional exige que diferentes abordagens sejam desenvolvidas com cada paciente, devendo, o profissional médico, estar apto para se comunicar de forma clara e objetiva, principalmente quando a notícia não for agradável (BARRETO, 2016).

3.3 CONTRIBUIÇÃO PESSOAL

Os discentes ressaltaram os benefícios adquiridos após a participação no projeto. Quanto ao crescimento pessoal, muito foi discutido quanto à perda da timidez prévia, o que representa, na vida médica, uma melhor desenvoltura frente ao paciente, fato que pode ser demonstrado nas seguintes frases:

“Sou extremamente tímida, então acho que a palhaçoterapia me ajudou muito com isso, porque nas atividades práticas precisamos conversar com o paciente, inclusive crianças e me sinto muito melhor” (E4)

“Se a gente foi uma pessoa mais tímida no passado, a palhaçoterapia nos ajuda a se virar mais sozinhos” (E6)

“Aos poucos to conseguindo me relacionar melhor com as pessoas, principalmente com as crianças que, a meu ver, são seres muito complexos” (E7)

O curso de medicina da UNIFAP funciona a partir do Problem Based Learning (PBL), que é considerado como uma metodologia ativa de ensino-aprendizagem, e, dessa forma, o aluno precisa buscar o conhecimento a partir diversas fontes e, nessa abordagem, já possui contato com a prática médica desde o primeiro semestre. As principais vantagens desse sistema quando comparado aos métodos tradicionais de ensino estão relacionadas a maior capacidade de comunicação e trabalho em equipe (CAVALCANTE et al, 2018; TOLEDO JÚNIOR et al, 2008). Tais virtudes são aprimoradas no projeto Palhaçoterapia e seus reflexos são vistos durante a prática médica. Além disso, foi também discutido que esse contato mais próximo com o paciente, seja nos hospitais, nas periferias ou em instituições sociais, gera uma sensação de bem-estar não só no público ajudado com o projeto, mas também nos próprios discentes enquanto “palhaços-terapeutas”, como é mostrado nos seguintes relatos:

“Antes eu achava que o bem seria só ao paciente, mas com o decorrer, vi que o bem é feito para a gente também, no final de todas as ações a gente sai com um sentimento de dever cumprido” (E2)

“Um ponto crucial é quebrar os preconceitos. A ação do autismo foi a que a gente mais se envolveu e foi um dia que eu fui pra casa diferente, com uma ideia totalmente nova desse público” (E6)

“O nosso curso exige muito da gente, é um curso que tem que estudar muito, que temos pouco tempo para descansar e a Palhaçoterapia é uma válvula de escape” (E9)

A sensação de bem-estar após uma atividade prazerosa toma forma a partir de uma série de estruturas encefálicas que são ativadas quando são detectados estímulos gratificantes. Esse é o chamado Sistema de Recompensa Cerebral, o qual, ao liberar Dopamina, age como mediador do prazer e tem por finalidade manter o indivíduo motivado em suas atividades. Dessa forma, as frases ditas pelos discentes podem elencar a Palhaçoterapia como uma ferramenta capaz de ativar tal fisiologia, em virtude da quebra total na rotina do estudante a partir de experiências enriquecedoras ao ser humano (ESPIRIDIÃO-ANTONIO et al, 2008; HALL, 2017).

3.4 FORMAÇÃO PROFISSIONAL

No âmbito profissional, inúmeros benefícios foram relatados pelos membros do projeto. O principal ganho relatado foi quanto a maior facilidade encontrada em se comunicar e, consequentemente, entender os reais problemas do paciente. Como é citado a seguir:

“Eu diria que um dos benefícios é saber se comunicar de maneira melhor, inclusive de modo não só verbal. Isso facilita muito entender teu paciente na prática” (E3)

“A Palhaçoterapia é essencial pro médico, tu aprendes a lidar com os diversos públicos numa mesma ação, tem que falar de diferentes formas com cada um” (E5)

“Nós temos que aprender várias áreas e a Palhaçoterapia é uma que todo médico deveria ter no mínimo uma experiência para melhor comunicação e tato com as pessoas” (E10)

Dessa forma, tais frases seguem a mesma linha de pensamento de autores como Lavor et al (2018), que definem a comunicação como um ato caracterizado como um ato de empatia e de extrema importância na relação-médica. Os autores afirmam que o processo comunicativo é heterogêneo, com diversas possíveis formas de fazê-lo, inclusive de modo não verbal. Nesse contexto, é essencial o interesse pelo outro, saber ouvir o paciente e transmitir a mensagem de modo acessível para cada público-alvo. A Palhaçoterapia age desse modo ao pôr os discentes de frente para públicos distintos entre si, estimulando, a todo custo, a conexão interpessoal (CORIOLANO-MARINUS, 2014). Outro aspecto profissional foi a lembrança de que a Palhaçoterapia atua como uma oportunidade de pesquisa na área de Educação Médica, o que é de grande valia no ambiente acadêmico. Cita-se:

“Além do aspecto humano, a Palhaçoterapia é um projeto de extensão, o que é importante para o currículo” (E10)

“Eu sempre quis participar de um projeto de extensão, sempre gostei do lado científico da universidade. A Palhaçoterapia é um meio que me permite explorar esse lado” (E8)

Além do aspecto humano, a Palhaçoterapia é, em sua base, um projeto de extensão. Metodologias com esse perfil possuem a finalidade de conectar o meio acadêmico com as comunidades, desenvolvendo, para isso, projetos com impactos positivos na população em que estão inseridos (SOUZA et al, 2013).

3.5 REDEFINIÇÃO DO PERFIL MÉDICO

A contribuição da Palhaçoterapia para a modificação do modelo biomédico para o biopsicossocial ficou bem evidente durante a discussão, prova disso é vista nas seguintes frases:

“Como estudante de medicina é você perceber que não adianta só estudar as matérias para você ser um profissional, é preciso conhecer outros domínios para ser o mais completo possível” (E5)

“Para um médico é fundamental conhecer o contexto, as angustias e as dores que o paciente está sentindo. A Palhaçoterapia é importante por isso” (E7)

“Nós precisamos de médicos que se mostrem interessados pelo problema do outro e queira resolver e ouvir” (E9)

A fala dos discentes está em conformidade com o que o modelo Biopsicossocial como apresentação do ser humano é considerado de modo contextualizado, e, para tanto, considera-se os aspectos inerentes ao seu espaço vital, ou seja, o modelo é capaz de visualizar a pessoa de modo integral, ou seja, todos os aspectos que cercam a vida diária do paciente são analisados (ARAGÃO, 2019). É essencial, portanto, a mudança e afirmação diária do modelo biopsicossocial, por conta dos benefícios quanto ao trabalho em equipe multiprofissional, ao foco na prevenção e promoção da saúde e ao contato direto com a comunidade e, assim, há o respeito dos princípios do SUS previstos na Constituição Federal (FERREIRA, 2018; BACHIFONTAINE, 2019). Além disso, notou-se, também, que o projeto exerceu um papel fundamental na quebra da antiga visão de médico “dono do conhecimento”, em que o conhecimento era passado de modo vertical, com hierarquias impostas, o que causava distanciamento e déficit na relação médico-paciente. Exemplo disso é evidenciado abaixo:

“Os pacientes têm uma do médico muito autoritário que só chega, prescreve e vai embora. A palhaçoterapia seria uma quebra nesse estereótipo ao tentar modificar esse nosso comportamento” (E2)

“Eles não esperavam que alunos de medicina fizessem aquilo, entendeu? Então, para mim, um dos melhores momentos é quando eles dizem “vocês são alunos de medicina?” Isso quebra o estereótipo” (E9)

Essa quebra de conceitos predefinidos quanto ao perfil médico é reflexo de um diálogo amplo e sem hierarquias implementados junto à Palhaçoterapia. Esse panorama aproxima o profissional de saúde ao paciente, o que pode causar influências positivas no prognóstico. Existem algumas alternativas que podem fortalecer a relação médico-paciente, são elas: visão focada na pessoa; manter uma comunicação clara e efetiva com o paciente; ampliar sentimentos e atitudes de empatia e avaliar se o paciente compreendeu ou se possui alguma dúvida acerca do que foi exposto. Muitas dessas são desenvolvidas durante o projeto Palhaçoterapia, o que corrobora para uma maior adesão às propostas terapêuticas e para o sucesso das intervenções (SUCUPIRA, 2007; BARRETO, 2016).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise do diálogo estabelecido durante o grupo focal, foram obtidas as percepções dos discentes membros do projeto de extensão Palhaçoterapia da UNIFAP sobre temas relacionados à humanização em saúde, contribuições para a formação acadêmica e redefinição do perfil médico. Constatou-se que os temas debatidos evidenciaram pensamentos com aspectos semelhantes entre os participantes, e, assim, todos notaram a contribuição do projeto para a sua formação, seja pessoal ou profissional. O uso do grupo focal como metodologia em questão foi fundamental para alcançar os objetivos propostos no artigo, visto que foi possível um debate aberto e fluido entre os participantes. A interação alcançada entre os alunos permitiu a análise de déficits e virtudes pessoais e do projeto, o que foi essencial para reafirmar e fortalecer iniciativas com metodologias semelhantes a Palhaçoterapia.

Nesse sentido, colabora-se com os novos parâmetros de ensino médico, visto que é desejado ampliar conceitos de humanização e transmitir conhecimentos de modo ativo entre profissionais e estudantes no meio acadêmico e hospitalar. Dessa forma, as reflexões dos discentes foram voltadas aos valores que todo médico deve seguir, com destaque quanto a necessidade de fortalecer a relação médico-paciente a partir da difusão de empatia ao ouvir e manter linguagem acessível para cada paciente atendido. Ademais, ressaltaram benefícios pessoais quem refletiam na prática profissional, a exemplo da perda da timidez e melhora da comunicação interpessoal com diferentes públicos, o que afirmaram ser fundamental para estabelecer uma conduta e para que o paciente realmente siga o tratamento proposto.

Portanto, é possível confirmar a relevância de projetos que adotam a metodologia ativa de ensino para o desenvolvimento técnico e humano dos estudantes de Medicina. Além disso, conclui-se que a Palhaçoterapia consegue despertar ou fortalecer virtudes no público atingido e, também, em seus membros, favorecendo com que seja possível troca de experiências por meio de fortes conexões interpessoais criadas durante cada ação social. Desse modo, estudos qualitativos como este são importantes, porém pesquisas complementares com outras metodologias podem ser realizadas para fortalecer ainda mais a Palhaçoterapia no cenário acadêmico da Medicina. Estudos quantitativos, por exemplo, ajudariam a observar o real impacto da terapia do riso nos pacientes.

REFERÊNCIAS

ARAGÃO, S. o modelo bioético x modelo biopsicossoal na explicação da depressão. Revista cientifica cognitionis, v. 1, n. 1, p. 2-10, 2019.

BARCHIFONTAINE, C.; TRINDADE, M. Bioética, saúde e realidade brasileira. Revista Bioética, v. 27, n. 3, p. 439-445, 2019.

BARRETO, C. 7 recomendações para melhorar a relação médico-paciente. 2016. Disponível em: https://pebmed.com.br/7-recomendacoes-para-melhorar-a-relacao-medico-paciente/. Acesso em: 18 fev. 2020.

BRASIL, Ministério da Saúde. Humaniza SUS: política nacional de humanização, Documento base para gestores e trabalhadores do SUS / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. 4ª. ed. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2013.

BRITO, C. M. D. de. et al . O humor e o riso na promoção de saúde: uma experiência de inserção do palhaço na estratégia de saúde da família. Ciênc. saúde coletiva, v. 21, n. 2, p. 553-562, 2016.

CARTA DE OTTAWA. In: 1ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde. Ottawa, Canadá, 1986.

CATAPAN, S.; OLIVEIRA, W.; ROTTA, T. Palhaçoterapia em ambiente hospitalar: uma revisão de literatura. Ciência & Saúde Coletiva, v. 24, n. 9, p. 3417-3429, 2019.

CAVALCANTE, A, N. et al. Análise da produção bibliográfica sobre o Problem Based Learning em quatro periódicos selecionados. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 42, n. 1, p. 10-24, 2018.

COREOLANO-MARINUS, M. V. de. L. et al. Comunicação nas práticas em saúde: revisão integrativa da literatura. Saúde Soc., v. 23, n. 4, p. 1356-1369, 2014.

ESPIRIDIÃO-ANTONIO, V. et al. Neurobiologia das emoções. Rev. Psiq. Clín., v. 35, n. 2, p. 55-65, 2008.

FERREIRA, L.; ARTMANN, E. Discursos sobre humanização: profissionais e usuários em uma instituição complexa de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, n. 5, p. 1437-1450, 2018.

HALL, J.; GUYTON, C. Guyton e Hall tratado de fisiologia médica. 13ª. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017.

MASOCATTO, N, O. et al. Percepção de alunos de curso de graduação em medicina sobre o team based learning (TBL). Revista brasileira de educação médica, v. 43, n. 3, p. 110-114, 2019.

RAMOS, E. A. et al. Humanização na atenção primária a saúde. Rev Med Minas Gerais, v. 28, n. 5, p. 176-180, 2018.

SUCUPIRA, A. C. A importância do ensino da relação médico-paciente e das habilidades de comunicação na formação profissional de saúde. Interface (Botucatu), v. 11, n. 23, p. 619-635, 2007.

SOUZA, A. L. de. et al. A utilização da terapia do humor no ambiente hospitalar: revisão integrativa. Revista Saúde, v. 39, n. 2, p. 49-56, 2013.

TAKAHAGUI, F. M. et al . MadAlegria – Estudantes de medicina atuando como doutores-palhaços: estratégia útil para humanização do ensino médico. Rev. bras. educ. med.,  v. 38, n. 1, p. 120-126, 2014.

TOLEDO JÚNIOR, A. C. de. et al. Aprendizagem baseada em problemas: uma nova referência para a construção do currículo médico. Revista médica de Minas Gerais, v. 18, n. 2, p. 123-131, 2008.

[1] Docente do curso de Medicina da Universidade Federal do Amapá. ORCID: 0000-0001-5238-7233.

[2] Discente do Curso de Medicina da Universidade Federal do Amapá. ORCID: 0009-0008-7277-7720.

[3] Discente do Curso de Medicina da Universidade Federal do Amapá. ORCID: 0009-0006-8878-0081.

[4] Discente do Curso de Medicina da Universidade Federal do Amapá. ORCID: 0009-0006-7972-9612.

Enviado: Janeiro, 2020.

Aprovado: Fevereiro, 2020.

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Victor Gonçalves dos Santos

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