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Afetos intergeracionais como ferramenta dos determinantes sociais de saúde: análise do filme “Um senhor estagiário”

RC: 150502
112
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/afetos-intergeracionais

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

DENDASCK, Carla Viana [1], COSTA, Rogério da [2]

DENDASCK, Carla Viana. COSTA, Rogério da. Afetos intergeracionais como ferramenta dos determinantes sociais de saúde: análise do filme “Um senhor estagiário”. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 08, Ed. 12, Vol. 01, pp. 77-91. Dezembro de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/afetos-intergeracionais, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/afetos-intergeracionais

RESUMO

Os Determinantes Sociais de Saúde (DSS) estabelecem um novo direcionamento para se compreender o processo de saúde-doença nas sociedades contemporâneas, considerando que os indivíduos afetam e são afetados por todos os contextos, situações, acontecimentos e na forma que processam e desenvolvem suas cognições. Fatores como ambiência, vida econômica, social e cultural passam a fazer parte direta dos reflexos sobre a saúde. Dentro dessa perspectiva, a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou em 2005 uma Comissão que tem como objetivo não apenas consolidar tais parâmetros, mas também, produzir evidências científicas, criar ferramentas e políticas para a efetivação dos DSS e, consequentemente, promover a equidade em saúde. Nesse contexto, este estudo tem como objetivo analisar os afetos intergeracionais presentes no filme “Um Senhor Estagiário” como ferramenta potencial dentro dos DSS. Por fim, sugere-se que esta reflexão possa fomentar a criação de ambientes intergeracionais por parte dos diferentes atores sociais, institucionais e governamentais que tenham como foco a atuação direta para equidade em saúde.

Palavras-chaves: Determinantes Sociais de Saúde, Geração, Intergeracional, Equidade em Saúde.

1. INTRODUÇÃO

Na sociedade ocidental, a forma de se compreender o processo saúde-doença passou por vários paradigmas que produziram teorias e modelos que foram sendo alterados de acordo com o contexto histórico e os avanços científicos. Eles derivaram do modelo mítico religioso na Grécia Antiga, perpassando pelo modelo miasmático, biomédico, até chegar aos Determinantes Sociais de Saúde (Backes et al., 2009).

Embora ainda se encontre na literatura diversas definições sobre os Determinantes Sociais de Saúde (DSS), todas elas concordam com sua essência, ou seja, de que todos os indivíduos afetam e são afetados[3] por tudo o que os cerca e, como consequência, o processo saúde-doença representa uma forma como compreendem tais afetos. De acordo com Buss e Pellegrini Filho (2007) todas as abordagens desembocam no fato de que os DSS provocam iniquidades de saúde.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define os DSS como sendo:

As circunstâncias nas quais as pessoas nascem, crescem, trabalham, vivem, e envelhecem, e o amplo conjunto de forças e sistemas que moldam as condições da vida cotidiana. Essas forças e sistemas incluem sistemas e políticas econômicas, agendas de desenvolvimento, normas sociais, políticas sociais e sistemas políticos (OMS [s.d.]).

Essa compreensão fez com que em 2005 fosse criada uma Comissão Mundial sobre DSS que tem como objetivo a criação de políticas, ferramentas e mecanismos amplos para a efetivação dos DSS na busca pela equidade em saúde. A Comissão ainda realiza conferências mundiais com participações de atores governamentais, sociais e institucionais para articulação de políticas de corresponsabilização e engajamento de todos os atores (Fiocruz, 2023).

Buss e Pellegrini Filho (2007) citam quatro níveis de intervenção nos DSS: O primeiro nível seriam nos fatores individuais, ligados à cultura, estilo de vida e fatores comportamentais. Já o segundo corresponde à sociedade e às redes de relações. No terceiro nível, encontram-se as políticas materiais e psicossociais e, por fim, o quarto nível é composto pelos fatores macro determinantes, como, por exemplo, a macroeconomia de mercado e trabalho, proteção ambiental, cultura de paz, sustentabilidade etc.

Assim, a proposta deste estudo, que tem como questão investigar como os afetos intergeracionais podem atuar como ferramenta dentro dos Determinantes Sociais da Saúde, está alicerçado no segundo e terceiro nível de intervenção, já que tanto envolve as redes de relações (segundo nível), como também, a criação de ambientes de trabalho saudável (terceiro nível). A análise foi realizada por meio do filme “Um Senhor Estagiário”, uma comédia dramática produzida por Nancy Meyers e Suzanne Farwell, lançado em 2015, que traz diversos aspectos de DSS que impactam a saúde como a aposentadoria, pertencimento, relações sociais, depressão, dentre outros fatores que atingem diretamente a personagem principal.

Ben Whittaker, representado pelo ator Robert De Niro, ao se aposentar e ficar viúvo, aos 70 anos, decide voltar à atuação profissional buscando relações que possam lhe manter na ativa. Ele é contratado por uma empresa de moda que atua diretamente no ambiente online, dirigido por uma jovem chamada Jules Ostin, representada por Anne Hathaway. O ambiente tecnológico e intergeracional promove diversos desafios de convivência para todos os envolvidos, que ao serem superados vão criando uma rica experiência tanto para Ben Whittaker, quanto para Jules Ostin, servindo, por fim, como melhoria de qualidade de vida e, consequentemente, saúde para ambos os lados.

A comédia irá ser desencadeada principalmente pela diferença comportamental das gerações no ambiente organizacional. De acordo com Santos et al., (2014) às organizações nunca tiveram que enfrentar tantas gerações, com características tão distintas vivendo concomitantemente. As gerações que mais atuam no ambiente corporativo contemporâneo são: Os Baby boomers, geração X e geração Y. No entanto, estima-se que atualmente sete gerações estejam convivendo concomitantemente (Novaes, 2018). Embora a literatura seja controversa em relação ao recorte exato do intervalo entre os anos de nascimento que classificariam uma geração, as características gerais e ambiente são os mesmos, e vão direcionar comportamentos, condutas e valores que são compartilhados coletivamente, assim como será observado na sequência deste estudo.

2. O AFETO INTERGERACIONAL COMO FERRAMENTA DENTRO DOS DSS

Na primeira cena do filme, enquanto um grupo de pessoas praticam aulas de Yoga, aparece ao fundo a voz de Ben, que antes de se apresentar inicia com a frase: “Freud dizia: Ame e trabalhe. Trabalhe e ame. Isso é o que importa”. Esse início denota não apenas o valor que o trabalho possui para o personagem, que atualmente está com 70 anos e pertence, portanto, à geração Baby boomers. Segundo Santos et al., (2014) trata-se de uma geração pós-guerra, que ao mesmo tempo que atuou em um ambiente de recuperação econômica, conheceu os primeiros impactos da globalização e do capitalismo, tendo como uma de suas características principais o empenho e o amor ao trabalho.

Mesmo sendo uma geração pós-guerra, Max Weber (2004) já tinha se adiantado que este seria um desdobramento natural para o impulso capitalista e de alta produção que os Estados Unidos estavam implementando. Como resultado, o que se evidenciou foi uma geração inteiramente inclinada aos resultados e ao trabalho. De acordo com Santos et al., (2014, p.31) “os membros desse grupo são conhecidos por “vestirem a camisa da empresa””.

Para a Organização Mundial da Saúde, embora o aumento da expectativa de vida esteja sendo um fato, especialmente para os nascidos após 1940, os desafios para se ter um envelhecimento saudável e com qualidade de vida ainda são grandes para a maioria dos países. De acordo com a OMS (2005), a maioria das patologias que atingem os idosos estão associadas aos fatores biopsicossociais enunciados também nos DSS.

No Brasil, em 2005, foi lançado o projeto “Brasil Saudável” com objetivo de promover modos de viver mais saudáveis de acordo com as etapas da vida, com foco especial no envelhecimento (Brasil, 2005). Dentre as ações já realizadas, estão as políticas de incentivos de retorno ao trabalho. Pois, assim como evidenciado pelo personagem Ben, o “sentir-se útil” é fundamental para essa geração. Nesse sentido, é importante salientar que quando se fala de políticas, não se faz aqui referência apenas às políticas governamentais, mas também às políticas sociais. Essas acabam por emergir muitas vezes de forma subjetiva na adoção de condutas sustentáveis para o bem-estar social que, nesse caso, seria a comoção da sociedade para que o processo de inclusão de pessoas de diferentes categorias seja efetivado. Um exemplo é a inclusão de pessoas de terceira idade no mercado de trabalho.

Foi justamente por uma política de inclusão que o personagem Ben, assim como outros idosos, foram contratados pela empresa startup, que tinha como fundadora a personagem Jules Ostin, pertencente à geração Y. Segundo Rudge et al. (2017), nesta geração estão os nascidos entre os anos de 1978 e 1990, sendo muitos deles inclinados a grandes lideranças e inovações, sempre parecem transparecer um caráter de urgência, e são pouco inclinados a compreender rotinas e processos, buscando a todo instante quebrar paradigmas e alcançar resultados imediatos.

De acordo com Tapscott (2009), tais características influenciam a vida laboral como um todo, como por exemplo a forma de se desejar remunerações, que estariam ligadas aos seus respectivos desempenhos. Além disso, as características de consumo estariam ligadas ao imediatismo e ao modismo, trocando a necessidade de se construir grandes patrimônios, como imóveis ou casas, por consumo de sensações e experiências, como viagens ou jantares.

Não se deve deixar de mencionar ainda que a geração Y experienciou a transição de um mundo analógico para um mundo extremamente digital e globalizado, onde os padrões, inclusive culturais, deixaram de pertencer a um determinado grupo ou espaço geolocalizado, mas passaram a ser compartilhados e, muitas vezes, hibridizados (Cordeiro, 2012).

Essa transição de uma geração para a outra, trazendo o espectador para o contexto atual, é introduzida pelo corte de cena que separa a apresentação do personagem de Ben da passagem da narrativa para o contexto contemporâneo. Os efeitos desta transição podem ser esclarecidos por Deleuze (2018, p.13):

[…] O movimento não se confunde com o espaço percorrido. O espaço percorrido é passado, o movimento é presente, é o ato de percorrer. O espaço percorrido é divisível, e até infinitamente divisível, enquanto o movimento é indivisível […]

O bater dos teclados, a música escolhida no fundo, as cenas que demonstram a quebra de paradigmas sociais e a atuação no mundo digital compõem as características apresentadas pela personagem Jules, apresentadas logo no primeiro corte de cena, antes mesmo de sua aparição. Tal contexto tecnológico não deixa de afetar o processo de saúde e doença desta geração, muito pelo contrário, traduz um conjunto de experiências sociais e interações que tendem a desembocar em características patológicas ligeiramente compartilhadas, em maior ou menor grau (Costa Junior e Couto, 2015).

De acordo com Rudge et al. (2017), a geração Y foi a primeira a ser considerada totalmente disruptiva em relação às anteriores, que vinham seguindo padrões com menores quebras de paradigmas, ao buscar sempre romper com quaisquer outros conceitos ou padrões historicamente alicerçados ou estabelecidos. No entanto, se por um lado a sociedade foi capaz de transportar muitas fronteiras tradicionalistas, por outro lado, a falta de base de uma sociedade líquida trouxe alguns desafios no âmbito da saúde, especialmente da saúde mental.

O Ministério da Saúde emitiu em 2021, um relatório técnico que propõe um plano de enfrentamento de diversas Doenças Crônicas e Agravos não Transmissíveis (DCNT) no Brasil, que tem como objetivo compor uma série de ações entre os anos de 2021 e 2030.  Segundo o Ministério da saúde, em 2019, 54,7% dos óbitos no Brasil foram causados por DCNT, configurando um quadro reverso da atenção epidemiológica como era anteriormente. A maioria destas doenças estão ligadas ao consumo de álcool, falta de exercícios físicos, obesidade, fatores nutricionais e doenças mentais, como ansiedade e depressão (Brasil, 2021).

Alves (2011) aponta que a confluência de contextos intergeracionais e a rápida mudança no status quo das crenças e atitudes, se tornou um campo promissor para o desenvolvimento de doenças psicológicas como, por exemplo, a ansiedade e depressão.

É justamente nesse contexto de vida que se apresenta a personagem Jules. Apesar de ser uma empresária de sucesso, não consegue lidar de forma efetiva com seu casamento ou com as críticas dos acionistas com relação a sua forma de agir com os negócios. Ela se vê em meio a uma crise existencial para tentar salvar seu casamento e, ao mesmo tempo, precisa compartilhar a gestão da empresa que fundou. A chegada de Ben na empresa se mostra inteiramente constrangedora no tratamento e incompreensão dispensados aos estagiários de terceira idade, a começar pelas perguntas padrões que os entrevistadores proferem sem o cuidado com o contexto, como por exemplo: “como você se vê daqui há dez anos?” – “porque as pessoas usavam listas telefônicas e não o google?”.

Apesar do ambiente profissional distinto de suas raízes, Ben toma uma atitude descompromissada para aceitar o novo ambiente e tenta agir com sutileza e compreensão, apreciando muitas vezes esse movimento laboral, já que, ao final, o que lhe importava era sentir-se produtivo e ativo, características natas de sua geração.

Bem é indicado para trabalhar com Jules, que aparece sempre exercendo múltiplas tarefas, andando de bicicleta dentro da empresa para dar contas de dezenas de micro reuniões por dia, está sempre ultra conectada e sobrecarregada. Lipovetsky (2007) aponta que essa sobrecarga está associada aos valores hedonistas, de indivíduos com tanta autoestima que tendem a se achar insubstituíveis. Contudo, revelam-se de fato os mais vulneráveis no enfrentamento de decepções, tendendo a não ter inteligência emocional e a desenvolver conflitos profundos em situações do cotidiano, já que seu ambiente é na maioria das vezes formado por relações sociais virtuais.

De acordo com Azevedo (2016) os reflexos dessa exposição na saúde ocorrem principalmente pelo estresse mental, incluindo questões como: a) Cefaleia  Dores musculares; b)   Dificuldades de relaxar e de dormir à noite  c) Ansiedade; d)   Depressão; e)  transtorno obsessivo compulsivo (TOC); f)  Angústia; g)  Dificuldade de concentração; h) Cansaço crônico; i) Aumento de consumo de álcool e drogas; j) Disforia e alterações do humor e agressividade  l) Alterações cardiovasculares; m) Alterações do ritmo respiratório; n) Reações de medo; o) confusão mental e sintomas dissociativos; p) Risco aumentado de transtornos da alimentação, q) Distúrbios do sono/sono agitado.

No decorrer da trama, a maioria desses sintomas são pertencentes ao universo da protagonista Jules, na medida em que ela enfrenta toda a situação do cotidiano e demonstra incapacidade de lidar de forma saudável com as interações. No entanto, a aproximação do estagiário Ben, através da convivência intergeracional, especialmente na atenção e zelo nas relações, surge como uma quebra de paradigmas e alicerce para ambos os lados. Ben, que após visualizar o motorista de Jules bebendo no trabalho, intervém e acaba por virar o motorista de Jules, aproximando-se assim de sua família. Em princípio, há um estranhamento por parte de Ben, ao compreender que o marido de Jules exerce o papel de “pai de casa” e é responsável por funções que em sua época eram as das mulheres. Por outro lado, ele começa a admirar o esforço da Jules para dar conta desse papel de liderança, que antes eram destinados exclusivamente aos homens, surgindo assim uma admiração pela atuação de Jules.

As situações de convivência entre os personagens, especialmente pela forma de enxergar o mundo e conceber suas respectivas visões, fazem com que um sentimento mútuo de estima e carinho comece a surgir. Os laços de experiências compartilhadas começam a quebrar muitas preconcepções de ambos os personagens, permitindo que ambos aceitem “novas possibilidades”. Jules está passando por uma crise tanto no trabalho quanto na sua família, enquanto Ben está reaprendendo a viver e a quebrar padrões de hábitos. Por exemplo, recebendo um colega de trabalho para passar um período em sua residência ou, ainda, iniciando um relacionamento com a massagista da empresa Fina (personagem representada por Rene Russo).

No trabalho, a inabilidade de Jules de se relacionar com as pessoas e a agenda sempre extremamente lotada buscando o rápido crescimento da empresa, faz com que os acionistas enxerguem uma certa ameaça em sua gestão, solicitando que ela encontre um CEO mais experiente para atuar em seu lugar. O modus operandi de Jules se encaixa com a percepção de Comazzetto et al.; (2016, p.47) ao comentarem sobre as características da geração Y no mercado de trabalho: “são trabalhadores relacionais, imersos em fluxos de todas as ordens, com uma inteligência associada ao coletivo, produzindo constantemente novas figuras de subjetividade”.

Apesar de resistente, inicialmente, ao saber que seu marido estava lhe traindo, Jules começa a pensar em admitir um CEO para que ela possa se dedicar a sua família e tentar recuperar seu casamento. O medo de ficar sozinha e a percepção de que para mulher ainda é muito mais difícil encontrar um companheiro, fez Jules recuperar sentimentos e comportamentos que antes pertenciam às gerações passadas, atingindo diretamente seu estado mental e a confiança em si (Perrone et al., 2012). A resistência na forma com que lida e aceita as críticas, bem como a busca pela razão da natureza humana no modo de agir é percebida na forma com que Jules tenta lidar com as circunstâncias, ficando presa no sentido que o trabalho tem na sua vida, quanto aos caminhos que seu casamento está seguindo. Como nos diz Comazzetto:

A resistência e a criação caminham juntas, e este é paradoxo que demanda uma nova ação das empresas. A recusa de uma relação de trabalho e que pode ser melhor definida como a recusa da alienação da vida é parte fundamental para o investimento pessoal na inovação e desenvolvimento para a nova geração (Comazzetto et al., 2016, 148)

Apesar de não compartilhar com ninguém seu sofrimento, a aproximação de Ben faz com que, em um determinado momento, ele presencie a traição do marido, se compadecendo grandemente do momento vivido por Jules. Ela, ao confidenciar que sabe da traição do marido e, por isso, está considerando deixar a presidência da empresa, busca na experiência de Ben palavras sábias para lhe direcionar.  No término do filme, a personagem encontra nas únicas palavras diretas de seu amigo um reforço para lhe trazer subsídios para a tomada de decisão com relação à empresa e ao marido que, por fim, confessa sua traição e se arrepende de suas atitudes. Tais desculpas são aceitas por Jules, que visa um novo recomeço em sua família e empresa.

De acordo com Leite e França (2016) a convivência entre diferentes gerações é benéfica, especialmente, por servir como um rico fio condutor para a solidariedade afetiva e o encontro das habilidades emocionais. Pois se os mais velhos são capazes de fornecer experiências e visões mais sábias de determinados assuntos, os mais jovens são capazes de conseguir, através do afeto, a promoção de quebra de preconceitos que antes eram decorrentes das gerações anteriores, lhes fornecendo uma nova forma de conceber o mundo. Assim, a convivência intergeracional é uma vida de mão dupla, no processo de ensino e aprendizagem dos modelos e possibilidades de viver de uma geração para a outra. O estudo de Leite e França (2016) realizado no ambiente universitário intergeracional, demonstrou que a troca intergeracional é benéfica para ambos os lados, favorecendo o caráter, a saúde e a cidadania dos atores envolvidos.

Embora a maioria dos estudos inclinem-se a investigar os benefícios da convivência intergeracional focado na pessoa idosa, como aponta Santos et al., (2023), o que podemos constatar na história retratada é que os benefícios dessa convivência serão sentidos por todos os atores envolvidos. Em cada uma das gerações, bem como na experiência de vida individual, haverá aspectos positivos e negativos, podendo a convivência humana intergeracional promover subsídios para melhor atuação no modo de viver e encarar as situações, garantindo assim uma melhor qualidade de vida.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar da compreensão dos processos de saúde-doença ter passado por muitos momentos na história ocidental, influenciando diretamente a forma mecanicista com que os médicos e pesquisadores encaravam os níveis de atenção e cuidado, a compreensão de que os Determinantes Sociais de Saúde (DSS) influenciam diretamente no processo de saúde-doença trazem novas perspectivas para a forma de cuidar do humano e de promover saúde.

Muito mais do que ações de tratamento ou, ainda, de medicamentalização, os DSSs visam estabelecer mecanismos preventivos para que a saúde se estabeleça na sociedade de forma integral. Agindo nos disparadores que antecedem a doença, perfazendo então o caminho contrário do modelo biomédico, vendo o indivíduo como resultante dos fatores que o cercam.

A convivência intergeracional pode promover qualidade de vida para todos os envolvidos nas relações. No entanto, para que essa convivência seja benéfica e atinja seus objetivos, é necessário que as partes envolvidas estejam dispostas a compartilhar suas experiências, sem a resistência cultural que as gerações ocidentais foram estabelecendo.

No filme, foi possível observar alguns aspectos interessantes nesse sentido. A resistência da personagem Jules, por exemplo, que inicialmente considerava que o personagem de Ben nada tinha a agregar e que, por fim, acabou por se tornar seu melhor amigo e grande alicerce. Para que as barreiras fossem transpassadas na união desses dois personagens, foram necessárias algumas ações concomitantes. A primeira delas foi a implementação de uma política inclusiva, que fez com que a empresa admitisse pessoas aposentadas, podendo retornar assim às atividades laborais e sentindo-se úteis. Ficou claro que essas políticas específicas devem ser direcionadas, para que essa convivência possa ser fomentada. Inicialmente, a política deveria beneficiar a qualidade de vida dos aposentados que, pelo sentimento de inutilidade, bem como diversas situações decorrentes da idade, tendem a desenvolver várias patologias, dentre elas as de ordem mental. No entanto, foi possível observar que a experiência de vida e comprometimento tendem a promover nas organizações aspectos intergeracionais que se mostraram necessários para ambos os lados.

A segunda situação foi a disponibilidade de um dos lados em “quebrar as barreiras do preconceito” e retirar da convivência o melhor. No caso do filme, esse papel foi desempenhado pelo personagem mais velho, mas entende-se que poderia ter sido desenvolvido por quaisquer um dos dois lados, estabelecendo assim o início de uma convivência capaz de promover qualidade de vida e saúde para todos os envolvidos.

As reflexões trazidas neste material ajudam a fomentar novas compreensões e políticas na importância de se olhar a convivência intergeracional para geração de uma sociedade mais saudável, justa e equitativa.

REFERÊNCIAS

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BACKES, M.T.S. et al. Conceitos de saúde e doença ao longo da história sob o olhar epidemiológico e antropológico. Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 jan/mar; 17(1):111-7.

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BUSS, P. M.; PELLEGRINI FILHO, A. A saúde e seus determinantes sociais. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 17, n. 1, p. 77–93, jan. 2007.

COMAZZETTO, S. L. et al. A Geração Y no Mercado de Trabalho: um Estudo Comparativo entre Gerações. Psicologia: Ciência e Profissão, jan/mar. 2016, Vol.36 Nº 1, 145-157. DOI: 10.1590/1982-3703001352014.

CORDEIRO, H. T. D. Perfis de carreira da geração Y. 2012. 188 f. Dissertação (Mestrado em Administração). Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

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DELEUZE, G. Cinema I – Imagem e Movimento. Ed. 34, São Paulo, 2018.

FIOCRUZ. Os DSS na OMS. Fiocruz, [s.d.]. Disponível em: <https://dssbr.ensp.fiocruz.br/dss-o-que-e/os-dss-na-oms/>. Acesso em: 23 nov. 2023.

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WEBER, M. A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo. São Paulo, Companhia das Letras, 2004.

APÊNDICE – NOTA DE RODAPÉ

3. Cabe esclarecer neste momento que a apropriação da terminologia afeto (s), afetados está sendo adotada dentro da compreensão do filósofo Baruch Spinoza sobre a teoria dos afetos. Ou seja, de que as afecções são o corpo sendo afetado pelo mundo. Somos corpos que se relacionam com outros corpos, quando sofremos suas afecções. Quando somos afetados pelos outros corpos, nossa potência aumenta ou diminui.

[1] Doutorado em Psicologia e Psicanálise Clínica. Doutorado em andamento em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Mestrado em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestrado em Psicanálise Clínica. Graduação em Ciências Biológicas. Graduação em Teologia. Atua há mais de 15 anos com Metodologia Científica (Método de Pesquisa) na Orientação de Produção Científica de Mestrandos e Doutorandos. Especialista em Pesquisas de Mercado e Pesquisas voltadas a área da Saúde. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2952-4337. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2008995647080248.

[2] Doutor em História da Filosofia (Université Paris IV – Sorbonne); Mestre em Filosofia (USP); Engenharia de Sistemas (UERJ). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6807-4263. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4983570722211746.

Enviado: 13 de novembro de 2023.

Aprovado: 22 de novembro, 2023.

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Carla Dendasck

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