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Representações do feminino no mito de Deméter: um estudo com mulheres do Sul de Santa Catarina

RC: 128630
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

ANA, Débora Darós [1], BROGNOLI, Maicol de Oliveira [2]

ANA, Débora Darós. BROGNOLI, Maicol de Oliveira. Representações do feminino no mito de Deméter: um estudo com mulheres do Sul de Santa Catarina. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 10, Vol. 01, pp. 05-49. Outubro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/mito-de-demeter

RESUMO

O mito, de acordo com diversos estudos, pode ser considerado como uma expressão da psique humana, principalmente no que tange o coletivo. Estudando-se o mito, há possibilidades de compreensão profunda de diversos povos e culturas, bem como de temáticas comuns aos seres humanos. O mito de Deméter, interpretado simbolicamente, pode revelar diferentes aspectos do princípio feminino, contidos no enredo e nos personagens da história, bem como a trajetória de integração e amadurecimento da mulher. Dentro desse contexto, a pesquisa teve como tema as representações do feminino no mito de Deméter. Configurou-se como problema a questão norteadora: de quais maneiras o feminino é representado no mito de Deméter, e como as mulheres se relacionam com estas representações? O objetivo geral foi: investigar as representações do feminino no mito de Deméter e como as mulheres se relacionam com estas. A metodologia consistiu em uma abordagem qualitativa, do tipo descritiva e exploratória. A coleta de dados ocorreu por meio de um questionário online, na plataforma Formulários do Google, com 17 mulheres residentes de municípios do Sul de Santa Catarina, com faixa etária entre 20 e 60 anos de idade. A análise de dados teve como base a análise de conteúdo em conjunto com a nuvem de palavras, fundamentadas na visão simbólica e arquetípica da Psicologia Analítica. Concluiu-se que o mito de Deméter pode ser ponte para a compreensão da psicologia feminina em suas diferentes representações, potencializando o emergir de conteúdos internos devido ao material arquetípico que contém.

Palavras-chave: Mulher, Feminino, Psicologia Analítica.

INTRODUÇÃO

Desde as sociedades primitivas, histórias vêm sendo contadas. Histórias que revelam a condição humana em sua natureza essencial e atemporal, que contém em si o cerne da experiência de homens e mulheres, abrangendo temáticas comuns a todos: fantasias, desejos, relacionamentos, vida, morte e renascimento. O mito, como sendo uma história, traz em seu enredo aspectos que facilitam o entendimento de determinado povo, cultura ou época. Em suas diversas possibilidades de interpretação, expressa a linguagem da alma (HALLWASS, 2003; HARDING, 1985).

Buscou-se, nesta pesquisa, compreender com mais profundidade o aspecto feminino da alma. Feminino este que não se restringe a gênero, mas sim, enquanto princípio, apesar de mais marcantemente presente na psique da mulher de forma consciente, e no corpo em sua forma física. Feminino este que vem sendo moldado desde os primórdios da sociedade, e é por vezes reprimido, deturpado e violado em inúmeras formas e graus, semelhante à natureza. Em estudos de ecologia profunda, inclusive, estudiosas estão investigando a semelhança entre as mulheres e a Terra, como sendo esta um planeta-mãe (MESQUITA, 2017).

Essa semelhança é arquetípica. A mitologia e os estudos dos povos primitivos já revelam que a mulher e o princípio feminino foram equiparadas de forma marcante à terra, às estações, aos ciclos de plantio e colheita, à fertilidade e nutrição, à lua e ao dom de gerar e tirar a vida (HARDING, 1985). O arquétipo feminino tem muitas representações, algumas interpretadas de forma positiva, e outras, negativa, englobando luz e sombra.

Em seus atributos positivos, como “o bondoso, o que cuida, o que sustenta, o que proporciona as condições de crescimento, fertilidade e alimento; o lugar da transformação mágica, do renascimento; o instinto e os impulsos favoráveis […]” é exaltado e valorizado. Em seus atributos negativos, como “[…] o secreto, o oculto, o obscuro, o abissal, o mundo dos mortos, o devorador, sedutor e venenoso, o apavorante e fatal” (JUNG, 2019, p. 159) é bastante reprimido.

Essa repressão custa um preço altíssimo ao feminino e às mulheres enquanto representantes deste princípio. Afinal, se para atingir a completude é necessária a integração de todos os aspectos que formam a totalidade, quão desafiador é confrontar-se com aqueles mais negados interna e externamente, sustentando-os apesar do incentivo gritante de silenciamento? Esse incentivo torna-se obstáculo ao processo de individuação da mulher, à sua jornada interior e comunicação com a alma. Como bem demonstra Perséfone no mito, descer às profundezas – ou ao inconsciente – é necessário para tornar-se rainha de seu próprio submundo.

Desta forma, surgiu a motivação para abordar a temática adotada nesta pesquisa, como um aprofundamento do estudo do feminino em suas diferentes faces e representações. O mito de Deméter foi um facilitador para o estudo, pois, sob o ponto de vista simbólico, revela a trajetória necessária de integração e amadurecimento da mulher, assim como diversas características e aspectos marcantes do feminino, encontradas no enredo e nos personagens da história (GOLEGÃ; HERNANDES, 2021; MARTINEZ, 2020).

A fundamentação teórica foi construída principalmente com base na teoria da Psicologia Analítica, fundada por C. G. Jung (1875-1961), como forma de compreensão simbólica e arquetípica do mito e da psique. Espera-se que haja uma contribuição para o tema abordado, uma vez que as produções acadêmicas e teóricas acerca do tema são ainda escassas.

A pesquisa teve como tema as representações do feminino no mito de Deméter. Configurou-se como problema a questão norteadora: de quais maneiras o feminino é representado no mito de Deméter, e como as mulheres se relacionam com estas representações? Dentre as hipóteses, partiu-se de que há estudos que demonstram que o mito é uma manifestação simbólica do inconsciente coletivo, como expressão da natureza humana no sentido primordial e atemporal; ademais, o enredo do mito de Deméter pode representar diferentes aspectos do feminino, relacionados, por exemplo, à maternidade, jovialidade, inocência, relacionamentos, transformações, dentre outros, assim, ao deparar-se com o mito, as mulheres poderiam se relacionar de forma subjetiva a estas diferentes representações que estão contidas nele.

O objetivo geral da pesquisa fora investigar as representações do feminino no mito de Deméter e como as mulheres se relacionam com estas. Já os objetivos específicos foram compreender a ligação entre o mito e a natureza da psique, reconhecer os diferentes aspectos do feminino contidos no mito e identificar como as mulheres se relacionam com as representações do feminino no mito de Deméter.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

UM BREVE OLHAR DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

A fim de edificar a construção teórica deste trabalho, percebeu-se a necessidade de utilizar principalmente o olhar que a Psicologia Analítica oferece enquanto abordagem e visão aprofundada do ser e do mundo. Dessa forma, seus principais conceitos serão brevemente abordados, de acordo com a sua relevância para o tema em pesquisa.

A Psicologia Analítica foi fundada por C.G. Jung (1875-1961), na Europa, em meados do século 20, com influências encontradas principalmente na psiquiatria dinâmica, na filosofia alemã e na psicologia experimental, e inspirações obtidas através de conhecimentos ancestrais, como a alquimia, religião e mitologia (PENNA, 2003).

O berço da abordagem se encontrava em um contexto de ciência positivista, materialista e experimental, o que se refletiu na postura científica e criteriosa de Jung, advinda especialmente de sua formação acadêmica. Em contraste a isso, houve uma relação intrínseca entre a criação da Psicologia Analítica e o material subjetivo do próprio fundador, obtido em suas experiências internas, visões, insights e sonhos.

A integração desses dois opostos incorporados na Psicologia Analítica possibilitou uma compreensão mais ampla e profunda do seu complexo objeto de estudo, a alma ou psique, em suas relações com a vida (PADUA; SERBENA, 2018; PENNA, 2003). Posto isso, pode-se vislumbrar a mencionada abordagem a partir de sua concepção ontológica, epistemológica e metodológica, colocadas desta forma por fins didáticos de sistematização, já que em essência estão unidas em integralidade teórica e prática.

Na base ontológica têm-se os conceitos de unidade e totalidade psíquica, referentes à união entre consciente/inconsciente, mundo externo/mundo interno, coletivo/individual. A epistemologia é baseada na noção de alma que se expressa simbolicamente, e na contínua evolução natural da psique na busca por elaborar e integrar seus símbolos. Por fim, a visão metodológica se forma a partir do olhar simbólico e arquetípico voltado à compreensão do fenômeno psíquico (PENNA, 2003).

OS COMPONENTES DA PSIQUE

Em sua profunda investigação do mundo interno, Jung buscou mapear os componentes deste vasto território, bem como entender seu funcionamento, e de que formas se relacionam entre si. Neste sentido, Stein (2000, p. 13) aponta que “a psique é o território, o domínio desconhecido que ele estava explorando; a sua teoria é o mapa por ele criado para comunicar o seu entendimento da psique”.

De acordo com Stein (2000), a psique é constituída por muitas partes: instintos, pulsões, imagens, complexos, memórias, dentre uma incalculável quantidade de material subjetivo. Além disso, estruturalmente é dividida entre consciente, inconsciente pessoal e inconsciente coletivo, abordados mais adiante. Ocupando seu centro, está o self, ou si-mesmo, unindo e integrando todas as partes do sistema psíquico, como o sol está para o sistema solar.

Na Psicologia Analítica, tem-se a concepção de ser humano enquanto potência de evolução, desenvolvimento e autorregulação, que tende a buscar constantemente o equilíbrio, através de diversos mecanismos psíquicos. Essa busca reflete um movimento impulsionado pelo self, e comumente é referida como processo de individuação, tido aqui como um processo gradual e constante de integração dos diferentes aspectos do ser, aproximando-o de quem realmente se é em totalidade (JUNG, 1987 apud PENNA, 2003).

CONSCIÊNCIA

A consciência, em suma, é o estado de conhecimento e entendimento da realidade, e engloba tudo aquilo que é de fácil acesso ao sujeito, como os processos de atenção, raciocínio, memória e percepção de si e do mundo. A consciência é apenas uma pequena parte da psique, comparada ao imenso território do inconsciente, cujos limites são ainda desconhecidos (NALIA, 2020; STEIN, 2000).

Para um conteúdo tornar-se consciente, é necessário que ele antes seja reconhecido pelo ego, sendo este, o núcleo central da consciência. O ego é responsável por formar a identidade do sujeito, pela noção de separação entre o “eu” e o “não-eu”. Essa identidade é constituída por meio das experiências vivenciadas desde o nascimento, e a partir de uma percepção autorreflexiva da existência. Deparando-se com o meio, o ser há de adaptar-se, e segue um movimento natural de fortalecimento do ego e do eu, que o separa de seu lado puramente instintivo (JUNG, 1985; NALIA, 2020).

Dessa forma, o ego em si é necessário para a formação de individualidade e adaptação na sociedade, e sua fragmentação pode levar a processos esquizofrênicos ou de ordem patológica, resultando na perda de valores pessoais e voluntários, como a tomada de decisões resultantes do senso crítico (JUNG, 1985).

A identidade consciente também passa pela formação da persona, que é referente à atitude adotada pelo ego no encontro com o mundo, a partir dos papéis sociais exercidos pelo sujeito, como se fosse uma máscara que utiliza ao longo da vida para adaptar-se ao coletivo e encontrar possibilidades de ação no mesmo (STEIN, 2000).

INCONSCIENTE PESSOAL

Se a estrutura psíquica fosse pensada de forma vertical e em termos de profundidade, abaixo da consciência estaria o inconsciente pessoal, e ainda abaixo dele, o inconsciente coletivo. O acesso ao inconsciente ocorre indiretamente por via simbólica, através de sonhos, imaginação ativa, fantasias, atos falhos, afetos, sentimentos, projeções, sintomas, dentre outros (NALIA, 2020; PENNA, 2003).

Há na via simbólica, um canal de passagem entre o mundo subjacente e a realidade manifesta, que oferece a possibilidade de exploração da alma, quanto mais há uma compreensão e elaboração do símbolo emergente. Nesse sentido, o símbolo é tomado por sua função de síntese, união e conexão entre conteúdos conscientes e inconscientes.

O inconsciente pessoal engloba conteúdos de ordem singular, adquiridos durante a vida do sujeito. Esses conteúdos se referem a materiais reprimidos, memórias de difícil acesso, sementes de futuros conteúdos conscientes e aqueles que não possuem energia psíquica o suficiente para permanecerem na consciência (NALIA, 2020). Dentre os principais componentes do inconsciente coletivo, podem-se citar os complexos, a sombra, e a anima/animus.

Um complexo se caracteriza como uma imagem de uma situação psíquica com forte carga emocional. A partir disso, acumulam-se conteúdos semelhantes ao tema em questão, aglomerados em volta de seu núcleo arquetípico (JUNG, 2002 apud SANTOS; PEREIRA; MARTINS, 2017; PENNA, 2003).

A sombra é referente a todos os aspectos que foram rejeitados e/ou reprimidos, dos quais o ego não se identifica, e que normalmente são desprezados socialmente. Define-se como “uma parte inconsciente da personalidade caracterizada por traços e atitudes, negativos ou positivos, que o ego consciente tende a ignorar ou a rejeitar” (HALL, 2003 apud SANTANA, 2005, p. 23).

Na explicação clássica, a Anima e o Animus são elementos constrassexuais inconscientes referentes aos princípios feminino e masculino, respectivamente, e possuem como função compensar a unilateralidade da identidade psíquica. Na visão aqui adotada, todos os sujeitos (independente de gênero ou sexo) possuem a Anima e o Animus em proporções que dependem inversamente da identidade com mais predominância consciente; ou seja, a atitude interior revela as qualidades complementares às da persona (STEIN, 2000).

Os próprios termos “feminino” e “masculino” podem ser substituídos por Eros/Yin e Logos/Yang, que não limitam a associação de um conjunto de atributos com o sexo biológico. Tal explicação torna a abordagem desses conceitos mais inclusiva, abrangendo o público LGBTQIA+ e as noções de gênero contemporâneas (NALIA, 2020). As questões associadas ao princípio feminino têm grande relevância para a presente pesquisa, e serão, portanto, aprofundadas em um momento seguinte.

INCONSCIENTE COLETIVO

O inconsciente coletivo se define como uma estrutura comum e pertencente a toda a humanidade, e configura-se como a camada mais profunda da psique, nas quais estão contidas suas estruturas gerais, traduzidas pelos arquétipos (PENNA, 2003). Comparado à consciência, que é como a ponta do iceberg, o inconsciente coletivo é o oceano no qual tudo repousa. Assim como a sociedade, o inconsciente coletivo está em constante transformação, possuindo um caráter dinâmico e mutável (NALIA, 2020). Nas palavras de Jung (2000, p. 53),

O inconsciente coletivo é uma parte da psique que pode distinguir-se de um inconsciente pessoal pelo fato de que não deve sua existência à experiência pessoal, não sendo portanto uma aquisição pessoal. Enquanto o inconsciente pessoal é constituído essencialmente de conteúdos que já foram conscientes e no entanto desapareceram da consciência por terem sido esquecidos ou reprimidos, os conteúdos do inconsciente coletivo nunca estiveram na consciência e portanto não foram adquiridos individualmente, mas devem sua existência apenas à hereditariedade. Enquanto o inconsciente pessoal consiste em sua maior parte de complexos, o conteúdo do inconsciente coletivo é constituído essencialmente de arquétipos.

O conceito de arquétipo “indica a existência de determinadas formas na psique, que estão presentes em todo tempo e em todo lugar” (JUNG, 2000, p. 53), constituindo-se como “sistemas organizados e que estão prontos a funcionar numa forma especificamente humana” (JUNG, 1990 apud PENNA, 2003, p. 127). A partir disso, entende-se por arquétipo uma potencialidade inata, inerente ao ser humano, como uma forma universal, primordial e instintiva, preenchida por conteúdos subjetivos do sujeito em que se manifesta.

O arquétipo em si é uma força desconhecida e inacessível à humanidade, se tornando consciente somente através de suas representações e imagens simbólicas. Pode-se dizer ainda que os arquétipos são psicoides, ou seja, estão na intersecção entre os âmbitos físico e psíquico, sem limites bem definidos em ambos (NALIA, 2020).

Como exemplo, pode-se citar o arquétipo da Grande Mãe, um dos principais arquétipos do feminino, que deriva de todas as experiências significativas que a humanidade teve relacionadas ao aspecto materno, acumuladas no inconsciente coletivo (NALIA, 2020). O arquétipo da Grande Mãe possui diversas faces, algumas que refletem seus aspectos luminosos, e outras que refletem seus aspectos obscuros. Dentre os atributos positivos, característicos da “mãe amorosa” Jung (2019, p. 159) cita:

[…] a mágica autoridade do feminino; a sabedoria e a elevação espiritual além da razão; o bondoso, o que cuida, o que sustenta, o que proporciona as condições de crescimento, fertilidade e alimento; o lugar da transformação mágica, do renascimento; o instinto e os impulsos favoráveis […].

Ainda, em relação aos atributos negativos, como parte da “mãe terrível” encontra-se, por exemplo, “[…] o secreto, o oculto, o obscuro, o abissal, o mundo dos mortos, o devorador, sedutor e venenoso, o apavorante e fatal” (JUNG, 2019, p. 159). Assim, pode-se perceber uma natureza dual no que tange a manifestação desse arquétipo, marcado por aspectos tanto de vida quanto de morte, o que é comum ao deparar-se com o feminino enquanto energia em potencial.

A FUNÇÃO PSÍQUICA DO MITO

A partir da compreensão de que o inconsciente se manifesta por via simbólica, o mito pode ser entendido como uma de suas possibilidades de expressão, contendo em seu cerne a semente de conteúdos que são significativos para todo o coletivo. O mito em si carrega traços históricos e culturais, que revelam, por meio de temáticas pertencentes à condição humana, a natureza da psique (HALLWASS, 2003).

O mito torna-se assim possibilidade para uma compreensão aprofundada das fantasias de um grupo, equiparando-se à função onírica ao nível individual. Em sua estrutura, estão projetadas verdades atemporais e expressões arquetípicas que provém do inconsciente, normalmente apresentadas como um tipo de caminho ou jornada existencial que é espelhada no domínio interior. Para Harding (1985, p. 37):

Os mitos e rituais das religiões antigas representam a projeção ingênua de realidades psicológicas. Não são deturpadas pela racionalização, porque em assuntos ligados ao reino do espírito, isto é, ao domínio psicológico, os povos primitivos e da antiguidade não pensavam; eles percebiam através de um sentido interno ou intuitivo […] Consequentemente, estes produtos do inconsciente contêm um material psicológico que não foi censurado, e que pode ser reunido como formas de conhecimento acerca da realidade interior subjacente à vida do grupo […].

A função simbólico-expressiva do mito atribui a este a qualidade de elo entre consciente e inconsciente, como uma personificação arquetípica da psique coletiva. Quando há uma identificação do sujeito com o mito, este pode experimentar um tipo de impregnação, como se fosse porta-voz de um material de nível grupal. Ressalta-se, porém, que os conteúdos subjetivos de cada ser é que irão colorir e preencher as formas que lhe são apresentadas, demonstrando a ligação entre individual e coletivo (HALLWASS, 2003).

O MITO DE DEMÉTER

O mito de Deméter (Anexo A) originou-se a partir da mitologia grega, e pode ser encontrado num dos hinos do poeta grego Homero, o Hino a Deméter (ANTUNES, 2015). Há diversas versões contadas deste mesmo mito, e, para este trabalho, adotou-se a que foi considerada mais adequada à pesquisa, mantendo como é possível a fidelidade à sua origem, escrita a seguir.

Deméter, filha de Réia e Cronos, possuía uma filha concebida em uma relação com Zeus, seu próprio irmão. Esta filha chamava-se, em um primeiro momento, Core, e dentre todos os filhos de Deméter, era a que mais lhe encantava. Core era inocente, doce, amável e virginal. Deméter, como deusa da agricultura, da colheita, da fartura, dos frutos e cereais, fazia os campos florescerem e da terra fértil brotar alimento, de acordo com os ciclos naturais do tempo.

Core certo dia estava andando pelos campos, até que avistou uma flor de Narciso, tão bela que lhe chamou a atenção imediatamente. Quando se aproximou da flor e foi apanhá-la, o chão rompeu-se numa abertura que levava até as profundezas do subterrâneo, e desta abertura, surgiu Hades, em sua carruagem negra. Hades, o deus do submundo, encantado por Core, a raptou, levando-a para sua morada abaixo da Terra, no reino dos mortos.

No submundo, Core deparou-se com o que havia de mais obscuro, oculto e sombrio. Enquanto isso, no Olimpo, Deméter estava inconsolável, com a ausência de sua filha perdida. Procurou por Core durante longos 9 dias e 9 noites, e somente no 10º dia soube da verdade, trazida à tona por Hélio, o deus do sol. Em seu estado melancólico e sob a aparência de uma velha, vagou até Elêusis, terra de humanos, e lá habitou o próprio templo que fora construído para ela, negando-se a voltar ao Olimpo e cumprir com suas funções até que sua filha fosse resgatada.

A terra, neste momento, encontrava-se escassa e fria, assim como Deméter. Nada mais florescia ou brotava do solo infértil e sem vida. Preocupado com a situação, Zeus convenceu Hades a realizar um acordo com Deméter, e a trazer Core novamente à superfície. Porém, antes de selar este acordo, Hades ofereceu a Core algumas bagas de romã, que foram então saboreadas pela jovem.

Por provar deste fruto, Core não poderia mais sair em definitivo do submundo, e então, o acordo realizado entre Hades e Deméter foi de que Core passasse um terço do ano com Hades, no reino oculto, e o restante com Deméter. Core agora era chamada de Perséfone, a rainha do submundo, e enquanto estava com Hades, a terra ficava como no inverno, preparando as sementes para um momento posterior. Quando emergia para ficar ao lado de Deméter, novamente era tempo propício de as sementes desabrocharem, a primavera.

INTERPRETAÇÃO SIMBÓLICA DO MITO

O mito de Deméter, assim como qualquer outro mito, permite a existência de diversas interpretações e possibilidades de análise, o que dependerá, também, da visão que se adota sobre ele e de quais aspectos emergem ao seu encontro. A história do mito, quando contada, pode gerar um impacto naquele que a presencia, à medida que reflete seu próprio mundo interno, por conter em si um núcleo coletivo que traduz a condição da psique humana (JUNG, 2014).

Inicialmente, considerando o enfoque deste trabalho, irá buscar-se extrair do mito significados que contribuam na construção das reflexões acerca do feminino, apresentado no enredo por meio de diferentes facetas. O aprofundamento dessas interpretações se dará após a exploração do tema com as mulheres entrevistadas, sob categorias de análise que serão discutidas adiante.

Primeiramente, se torna necessário entender as principais características do feminino contidas nos personagens do mito, ressaltando-se que feminino, aqui, é utilizado enquanto termo referente ao princípio psíquico de mesmo nome, não havendo necessariamente uma relação direta com o gênero e opção sexual (GONÇALVES; LOPES, 2018). Nesse momento, os aspectos a serem delineados encontram-se primordialmente em Deméter e Core/Perséfone.

Arquetípicamente, Deméter representa a natureza materna em sua condição benevolente, a fertilidade da mulher sob a face mãe, capaz de gerar e nutrir a vida. O aspecto materno da deusa é evidenciado pela sua relação com a filha, Core/Perséfone, e representa a vida na ligação com os ciclos da terra e das estações do ano. Os grãos realçam a característica de nutrição, que advém do solo fertilizado por Deméter (HALLWASS, 2003).

Deméter pode ser tida aqui como a mãe boa, aquela que cuida, protege, acalenta e resguarda a cria. Apesar disso, quando sua filha é tirada, pode-se perceber que, possivelmente, a relação entre Deméter e Core/Perséfone era quase como que simbiótica, com a posterior separação marcada por tristeza excessiva, estados depressivos e de decaimento, simbolicamente representados no solo que se torna seco e infértil devido ao estado emocional da deusa mãe (HALLWASS, 2003; MESQUITA, 2017).

Aparentemente, Deméter buscou manter a filha próxima de si, privando-a do contato com outros homens para que sua inocência virginal não fosse tirada, blindando-a numa eterna primavera. Porém, a própria trajetória do mito demonstra a necessidade de que haja um amadurecimento justamente a partir da perda da inocência, vista também como um contato mais profundo com o lado sombrio e consigo mesma, alcançado quando Core/Perséfone está no submundo (MARTINEZ, 2020).

Em relação a Core/Perséfone, percebe-se que primeiramente ela representa os aspectos da donzela virginal enquanto Core, como inocência, imaturidade, jovialidade, e possivelmente ignorância, no sentido de ainda não ter adquirido naturalmente um conhecimento aprofundado de si e do mundo. A virgindade, sem estar restrita ao sentido literal, pode ser simbolicamente representante de um caráter pueril, e por outro lado, da independência relacional, a exemplo de outras deusas virgens que não se relacionam amorosamente com homens, ou não dependem emocionalmente destes, como Ártemis e Atena (HALLWASS, 2003; WOOLGER e WOOLGER, 1993).

Já num segundo momento, uma vez que se torna Perséfone, a rainha do submundo, possivelmente representa aspectos relacionados à morte e à face sombria, porém integrada, do feminino. Num sentido simbólico, a descida de Core/Perséfone pode demonstrar a descida ao inconsciente e o confronto com a sombra, gerando maturidade e conhecimento adquiridos a partir desse contato transformador, retratado pelas romãs que ela come (HALLWASS, 2003).

Há um processo de morte e renascimento que ocorre no mito, tanto em Deméter quanto em Core/Perséfone. Deméter passa pelo enlutamento quando perde temporariamente a filha, e a filha vivencia o luto pela perda de suas características anteriores, rompendo com a fantasia infantil. Ambas têm de se adaptar às novas formas de funcionamento, tanto a nível individual quanto relacional, estabelecendo acordos entre si. Percebe-se, assim, que as estações do ano retratadas no mito revelam também a essência cíclica do feminino, num movimento constante de vida-morte-vida (GOLEGÃ; HERNANDES, 2021).

METODOLOGIA

TIPO DE PESQUISA

A pesquisa que compõe o presente trabalho é de abordagem qualitativa, do tipo exploratória e descritiva, embasada na visão simbólica e arquetípica advinda da Psicologia Analítica.

A abordagem qualitativa é fundamental para pesquisas que têm um objeto de estudo de natureza complexa, possível de diversas interpretações, que não pode ser quantificado ou reduzido a variáveis (MINAYO, 2001). Em concordância a isso, Minayo (2001, p. 22) aponta que esta abordagem “aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações médias e estatísticas”.

Além disso, optou-se pelo tipo de pesquisa exploratória, pois esta permite o aprimoramento de ideias e proporciona maior familiaridade com o tema de estudo, combinada com o tipo de pesquisa descritiva, que possibilita a descrição de determinadas características da amostra populacional ou fenômeno a ser estudado, bem como relacionar ou associar as variáveis em questão (GIL, 2008). Sobre a combinação descrita, Gil (2008, p. 47) afirma:

As pesquisas descritivas são, juntamente com as exploratórias, as que habitualmente realizam os pesquisadores sociais preocupados com a atuação prática. São também as mais solicitadas por organizações como instituições educacionais, empresas comerciais, partidos políticos etc.

Dessa forma, adotou-se o enfoque qualitativo, buscando observar e compreender o fenômeno a ser pesquisado em função do seu contexto, significado e valor, tanto individual quanto social, a fim de englobar como for possível a totalidade (PENNA, 2009); teceu-se também a exploração e descrição do objeto de estudo num sentido amplo, para viabilizar um aprofundamento em torno do tema de pesquisa (GIL, 2008).

POPULAÇÃO/AMOSTRA

A pesquisa ocorreu de forma online com mulheres do sul de Santa Catarina, expandindo-se para outros municípios próximos de Criciúma (local inicial da pesquisa) devido ao método de amostragem adotado, o snowball ou bola de neve. O método citado não garante a precisão do local de pesquisa, pois consiste “em uma forma de amostra não probabilística, que utiliza cadeias de referência” (VINUTO, 2014, p. 203).

Ou seja, não é possível determinar qual a probabilidade da seleção dos participantes da pesquisa, visto que a amostragem é composta por contatos potenciais do primeiro entrevistado. Ainda para a autora (VINUTO, 2014, p. 205),

A amostragem de bola de neve é utilizada principalmente para fins exploratórios, usualmente com três objetivos: desejo de melhor compreensão sobre um tema, testar a viabilidade de realização de um estudo mais amplo, e desenvolver os métodos a serem empregados em todos os estudos ou fases subsequentes.

PARTICIPANTES

A amostra desta pesquisa foi composta por 17 mulheres do sul de Santa Catarina, com faixa etária entre 20 e 60 anos.

CRITÉRIOS DE INCLUSÃO

As participantes foram incluídas de acordo com os seguintes critérios:

  • Mulheres com faixa etária entre 20 e 60 anos;
  • Mulheres residentes ou que já residiram em municípios do sul de Santa Catarina.

CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO

Excluem-se desta pesquisa:

  • Mulheres que não se enquadrem em ambos os critérios de inclusão.

AMOSTRAGEM EM REDE

O processo de amostragem em rede aconteceu da seguinte maneira:

I. Recrutamento do informante-chave ou primeira mulher participante, por meio da divulgação de anúncio (Apêndice B) em redes sociais e/ou contatos de e-mail da pesquisadora, verificando a possibilidade de mulheres que atendam os critérios de seleção para constituírem a amostra da pesquisa.

II. Após a seleção da primeira mulher participante, foi requisitado que esta indique outra mulher de sua própria rede de contatos, devendo esta preencher os critérios de inclusão.

III. Em seguida, foi realizado o contato com a mulher indicada pela primeira participante, averiguando se preenche os critérios de inclusão. Posteriormente, enviou-se o material de coleta de dados para a participante, garantindo-se o sigilo das informações coletadas.

IV. Esse procedimento se deu durante todo processo da etapa de coleta de dados e com todas as participantes, até que o número de amostragem fora atingido. As 17 participantes foram selecionadas seguindo o cronograma que fora organizado, de acordo com o tempo disponível para a pesquisa, o que justifica o número da amostra.

PROCESSOS E INSTRUMENTOS PARA COLETA DE DADOS

De acordo com Gil (2008) o questionário pode ser definido como um método investigativo composto por um conjunto de questões que, aplicadas aos sujeitos de pesquisa, tragam informações sobre o tema estudado. As questões podem ser abertas, fechadas ou dependentes.

Na maior parte das vezes, o questionário é auto aplicado, por ser enviado por escrito ao destinatário. Na construção de um questionário deve-se buscar formular perguntas que agreguem respostas relevantes aos objetivos específicos e hipóteses levantadas na pesquisa, o que exige, dessa forma, uma série de cuidados na sua elaboração (GIL, 2008).

As principais vantagens da utilização do questionário são: possibilidade de atingir um grande número de sujeitos independente da sua área geográfica; gastos com a equipe reduzidos já que não necessita treinamento; garantia de anonimato dos sujeitos; possibilidade de resposta no momento em que for mais conveniente; como não há contato direto, o pesquisador fica isento de influências e opiniões pessoais do participante no momento da coleta.

As principais limitações da utilização do questionário são: exclusão de sujeitos que não sabem ler e escrever; não há como auxiliar o participante caso haja desentendimento de alguma questão no momento da coleta; não há como saber as circunstâncias nas quais o questionário foi respondido; não há garantia de que o questionário será devidamente preenchido; envolve normalmente um número menor de perguntas; os itens podem ter diferentes significados para cada participante, o que pode comprometer a objetividade.

O questionário elaborado para a presente pesquisa (apêndice A) se compôs por 4 seções. Na primeira seção, consta o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (apêndice C), com as opções de participar (li e concordo em participar da pesquisa) e não participar (não concordo). Na segunda seção, requisita-se os dados de identificação do participante (sexo, idade e cidade em que reside).

Na terceira seção, o Mito de Deméter (Anexo A) é descrito, em conjunto com as pergunta 1 do questionário. Na última sessão, há o restante do questionário para ser respondido. O questionário contém, além dos dados de identificação, 12 perguntas ao total. Destas, 7 são abertas, 2 são fechadas e 3 são dependentes, sendo 1 delas aberta e 2 fechadas.

PROCEDIMENTOS PARA COLETA DE DADOS

Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), foi realizado um anúncio nas redes sociais da pesquisadora, com o intuito de explicar brevemente o projeto realizado, e convidar os sujeitos em potencial que atendam aos critérios necessários, para participarem da pesquisa.

Assim que o primeiro participante foi definido, enviou-se a este o questionário por e-mail, que se encontrava na plataforma Formulários do Google. Todos os esclarecimentos sobre a pesquisa, incluindo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), estavam presentes no questionário. Estimou-se que o tempo necessário para preencher o questionário seria de 30 minutos.

Após o questionário ser preenchido, houve continuidade por meio do método bola de neve, descrito no tópico anterior, onde a primeira participante indicou novos potenciais participantes, e assim por diante, até atingir o número de amostragem proposto.

ANÁLISE DE DADOS

Os dados foram analisados de forma qualitativa, visando aprofundar a compreensão do fenômeno estudado. A análise de dados teve respaldo na teoria da análise de conteúdo, que é referente a um conjunto de instrumentos aplicáveis a discursos diversos, com o objetivo de descobrir as relações existentes entre o conteúdo do discurso e os aspectos externos (BARDIN, 2011 apud SANTOS, 2012).

A Análise de Conteúdo é constituída pelos seguintes critérios de organização: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. Na pré-análise, organiza-se o material que irá compor a pesquisa, por meio da escolha de documentos, formulação de hipóteses e elaboração dos indicadores que irão nortear a interpretação (BARDIN, 2011 apud SANTOS, 2012).

A exploração do material é caracterizada por classificar, decompor e enumerar o conteúdo agregado até então, seguindo algumas regras específicas, elaboradas previamente. Por fim, os dados são ajustados para traduzir os resultados do estudo. Em concordância, Santos (2012, p. 386) afirma:

Na fase de interpretação dos dados, o pesquisador precisa retornar ao referencial teórico, procurando embasar as análises dando sentido à interpretação. Uma vez que, as interpretações pautadas em inferências buscam o que se esconde por trás dos significados das palavras para apresentarem, em profundidade, o discurso dos enunciados.

Ademais, foi formada uma nuvem de palavras a partir de duas perguntas do questionário, buscando entender as significações que as mulheres atribuíram ao mito de Deméter por meio dos termos que utilizaram, e como se sentiram ao ler o mesmo.

A nuvem de palavras é uma representação gráfica e visual que revela a frequência dos termos utilizados, portanto quanto maior essa frequência, maior o tamanho da palavra na nuvem, indicando sua relevância (VILELA; RIBEIRO; BATISTA, 2000). Essa ferramenta pode agregar valor à análise de conteúdo, enriquecendo a interpretação dos dados, sendo utilizada e indicada na análise de dados qualitativos na área da saúde (KAMI et al, 2016; SOUZA et al, 2018 apud VILELA; RIBEIRO; BATISTA, 2000).

ASPECTOS ÉTICOS

Para a realização desta pesquisa foram respeitadas todas as diretrizes legislativas vigentes relacionadas aos aspectos éticos em pesquisas que envolvam seres humanos, conforme o Conselho Nacional de Saúde (CNS) Nº 466 de 2012 e 510 de 2016 (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE (BRASIL), 2012).

Após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), as mulheres que aceitaram participar consentiram com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que consta no próprio questionário, marcando a opção “li e concordo em participar da pesquisa”. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) poderia ser enviado à participante por e-mail, caso houvesse interesse da mesma.

O questionário fora preenchido conforme a disponibilidade da participante, preservando e garantindo o sigilo de todas as informações. Garantiu-se o anonimato das participantes por meio de nomes fictícios (de deusas antigas) dado a cada uma delas. Seguem exemplos: Brígida, Fréia, Hator, etc.

A pesquisadora colocou-se à disposição para realizar uma devolutiva dos dados às participantes do estudo. O número do CAAE (Certificado de Apresentação de Apreciação Ética) é 53139121800000119.

BENEFÍCIOS E RISCOS

Esta pesquisa não possuiu riscos físicos, todavia, mediante ao preenchimento do questionário, poderia haver riscos mínimos relacionados ao surgimento de emotividade. Frente a tal situação, se a participante se sentisse desconfortável, seria prestado acolhimento, e a mesma poderia optar a qualquer momento pela desistência do questionário.

Os benefícios desta pesquisa destinaram-se a compreender de forma mais ampla o princípio feminino no mito de Deméter, e as possíveis relações entre as mulheres e o mito, por meio de identificações e significados atribuídos a este. Ademais, buscou-se compreender o mito como possibilidade de expressão psíquica.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

PERFIL DAS MULHERES ENTREVISTADAS

As participantes da pesquisa somaram no total de 17 mulheres, com idades entre 20 e 42 anos (sendo a média de idade 31 anos), residentes nos municípios de Criciúma (n=11), Araranguá (n=1), Turvo (n=2), Urussanga (n=1), Torres (n=1) e Pramaggiore/Itália (n=1).

As mulheres que residem em Torres e Pramaggiore/Itália fizeram parte da pesquisa, pois, além de enquadrar-se nos requisitos necessários para participar (descritos no tópico critérios de inclusão), já residiram e/ou residem parcialmente no sul de Santa Catarina, fazendo jus ao título da presente pesquisa e ao que se propõe. Abaixo, segue a tabela de participantes.

Tabela 1 – Perfil das participantes

Pseudônimo Sexo Idade Cidade
Brígida Feminino 24 Urussanga
Fréia Feminino 27 Criciúma
Hator Feminino 44 Turvo
Hécate Feminino 20 Turvo
Maya Feminino 24 Araranguá
Nut Feminino 20 Criciúma
Sofia Feminino 39 Criciúma
Amaterasu Feminino 34 Pramaggiore
Bast Feminino 33 Criciúma
Kali Feminino 42 Criciúma
Héstia Feminino 39 Criciúma
Inanna Feminino 24 Criciúma
Ísis Feminino 22 Criciúma
Ishtar Feminino 26 Torres
Minerva Feminino 23 Criciúma
Oya Feminino 39 Criciúma
Diana Feminino 24 Criciúma

Fonte: Elaborado pela Autora, 2022.

O ENCONTRO COM O MITO

De acordo com as respostas obtidas, 58,8% das participantes não haviam tido nenhum contato com o Mito de Deméter anteriormente, enquanto 41,2% já; desta minoria, 51,7% encontrou o mito por meio da Internet, 28,6% por meio de livros e 14,3% por outros meios não informados. Nenhuma das mulheres recebeu o Mito por transmissão oral, o que era mais comum em tempos passados, onde as histórias eram contadas verbalmente, transmitidas através de gerações. Esse fato demonstra uma mudança cultural em relação ao meio de acesso às informações, mais do que visível na sociedade atual, com a Internet sendo via de acesso predominante.

Ao deparar-se com o Mito (anexo A), num primeiro momento as mulheres puderam relatar os termos (nomes e adjetivos) que lhe vieram à mente, além de como se sentiram durante a leitura. Identificar tais associações, tanto de palavras quanto de sentimentos, é fundamental para aprofundar a compreensão de como as participantes reagiram ao Mito, entendendo esta reação como o emergir de materiais internos perante o encontro com o potencial arquetípico abordado no Mito, mesmo que de forma inconsciente.

A fim de amplificar a análise, utilizou-se a nuvem de palavras aplicada a essas questões, onde é possível visualizar as respostas dadas pelas participantes de forma dinâmica e de acordo com a sua frequência (quanto maior a palavra, mais vezes ela foi mencionada). Foram elaboradas duas nuvens, sendo a primeira com os termos (figura 1), e a segunda com os sentimentos (figura 2) citados pelas mulheres ao se encontrarem com o Mito.

Relativo à primeira nuvem de palavras (figura 1) pode-se observar uma grande diversidade de termos atribuídos, alguns de conotação positiva e outros de conotação negativa. Os principais termos que as mulheres descreveram foram “fertilidade”, “vida”, “estações” e “força”, seguidos por “maternidade”, “pureza”, “ciclos” e “fases”. Estes, assim como todos os outros termos contidos na nuvem revelam uma riqueza de material simbólico das participantes, e é diverso na mesma medida em que cada psique é única.

Figura 1 – Termos associados ao Mito

Termos associados ao Mito
Fonte: Elaborado pela Autora, 2022.

Das palavras mais destacadas pelas participantes, mencionadas anteriormente, percebe-se que a maior parte tem ligação com os ciclos da vida, tanto exteriores (estações do ano, nascimento e morte) quanto interiores (jovialidade, maternidade, amadurecimento). Sabe-se que Deméter é, de fato, personificação dos ciclos de plantio e colheita, muito ligada ao aspecto fértil da vida. E Core/Perséfone, por sua vez, vive o ano dividido entre primavera e inverno, ou entre consciente/inconsciente, luz/sombra, representando também fases da psique humana (HALLWASS, 2003; WOOLGER e WOOLGER, 1993).

Pode-se afirmar assim que os termos citados fazem total conexão com o significado simbólico do Mito, considerando que este revela os ciclos da jornada de desenvolvimento do feminino, projetadas no mundo concreto. Houve também um número significativo de palavras associadas ao momento “sombrio” do Mito, onde Core/Perséfone desceu ao submundo e Deméter permaneceu em luto, indicando que esse trecho pode conter uma forte carga emocional e energética para as mulheres que o leram, havendo maior possibilidade de ativar, por exemplo, os complexos e sombras associados ao conteúdo (PENNA, 2003; SANTANA, 2005).

Sobre os sentimentos que as mulheres associaram ao Mito (figura 2), observa-se que também há uma divisão entre sentimentos “negativos” como a tristeza, angústia, incômodo e injustiça, e sentimentos “positivos” como acolhimento, curiosidade, satisfação e nostalgia. Ressalta-se que os sentimentos mais mencionados pelas participantes foram tristeza, angústia e curiosidade, revelando tonalidades emocionais que trazem vida ao contexto do Mito.

Da mesma forma que os termos, os sentimentos emergem de acordo com a subjetividade de cada leitora, indicando que são como reflexos do seu espelho interno, e do quanto se permitiram entrar em contato com o Mito, abrindo-se para experimentar as diferentes reações que poderiam surgir. Por mais que normalmente isso se dê em nível inconsciente, o ego também opera por meio dos mecanismos de defesa, podendo gerar resistências que impedem que haja esse contato com locais psíquicos mais profundos, principalmente quando algum conteúdo particularmente difícil de lidar é ativado (JUNG, 2014).

Figura 2 – Sentimentos associados ao Mito

Sentimentos associados ao Mito
Fonte: Elaborado pela Autora, 2022.

Entende-se que os potenciais arquetípicos já existentes são expressos de acordo com os conteúdos psíquicos do indivíduo, como um contorno que está prestes a receber diferentes colorações de preenchimento interno (JUNG, 2000; HALLWASS, 2003; PENNA, 2003). Assim, o material simbólico que está contido no Mito pode trazer à tona inúmeros tipos de reações, que têm uma ligação direta com o mundo interno de cada um; em outras palavras, há uma infinidade de tonalidades que podem vir a colorir a imagem arquetípica, porém, essa imagem permanecerá sempre como um molde atemporal para a humanidade. Aqui, torna-se clara a ligação entre a psique individual e coletiva, e como o Mito é uma ponte para que haja essa conexão (HALLWASS, 2003).

O princípio feminino, que é o enfoque desta pesquisa, se manifesta por meio de diferentes arquétipos, e estes por sua vez são traduzidos para o mundo através de representações simbólicas por aqueles que as experimentam. Este princípio pode se desdobrar em muitas facetas, mas todas são apenas diferentes ângulos do mesmo objeto. Desde as primeiras civilizações, o feminino é representado principalmente por figuras de Deusas: na antiguidade, por exemplo, por Deusas da lua, perpassando pelo Egito com Ísis, ou pelo Panteão Grego com todas as Deusas do Olimpo (HARDING, 1985; JUNG, 2019).

De acordo com Bolen (1990) e Woolger e Woolger, (1993), nos tempos pré-patriarcais, havia apenas a Grande Deusa, ou Grande Mãe, que representava o humano feminino em sua totalidade. Com a ascensão do patriarcado, a Deusa se fragmentou em diversas outras deidades, representando as principais qualidades humanas. Trazendo isto para o Mito abordado, Deméter, Coré e Perséfone podem ser vistas como facetas do feminino, ou ainda expressões arquetípicas de transformação que compreendem os ciclos de vida-morte-vida.

IDENTIFICAÇÕES COM OS PERSONAGENS DO MITO

Entendendo assim o mito de Deméter como uma personificação do arquétipo feminino de acordo com o imaginário coletivo, é plausível observar as identificações das participantes com as personagens como manifestações daquilo que já está contido no inconsciente, sendo o Mito um facilitador para que esses conteúdos venham à tona (HARDING, 1985). Das mulheres que responderam a pesquisa, 76% se identificaram com pelo menos um dos personagens da história, o que compreende mais de ¾ da amostra (gráfico 1). Destas, 1 se identificou com Deméter e Core, 4 com Core e Perséfone, 4 somente com Deméter, 3 somente com Core, 1 somente com Perséfone e nenhuma com os personagens masculinos (gráfico 2).

Gráfico 1 – Porcentagem de identificação com os personagens

Porcentagem de identificação com os personagens
Fonte: Formulários do Google, 2022.

Gráfico 2 – Personagens com os quais as participantes se identificaram

Personagens com os quais as participantes se identificaram
Fonte: Formulários do Google, 2022.

A própria identificação gerada a partir da leitura indica que há uma projeção de conteúdos internos sob o Mito, facilitada pelo seu caráter arquetípico. Ou seja, há algo consideravelmente semelhante em histórias de deusas antigas e na vida de mulheres contemporâneas do século XXI, justamente porque os fios invisíveis que as conectam tratam de temáticas atemporais, que permanecem sempre como uma potencialidade inata do inconsciente coletivo. Isso abrange uma camada muito mais profunda da psique, pois trata de assuntos da alma, que vão além da superficialidade consciente (JUNG, 2000). Sobre isso, Jung (2000, p. 17 e 18) afirma que “os mitos são antes de mais nada manifestações da essência da alma”, e ainda: “[…] que a alma contém todas as imagens das quais surgiram os mitos, e que nosso inconsciente é um sujeito atuante e padecente, cujo drama o homem primitivo encontra analogicamente em todos os fenômenos […] da natureza”.

A partir das respostas das participantes, foram elencadas as principais razões que elas mesmas atribuíram à sua identificação com as deusas. As mulheres que se identificaram com Core, pontuaram que percebem em si mesmas características de doçura, amabilidade e dependência materna – “ser extensão da mãe” (Inanna), e a partir disso o desejo de romper com esse estado de simbiose, demonstrado por Sofia como o “desejo de experimentar o mundo, ter as próprias experiências, ter mais consciência sem precisar seguir padrões ou ficar preso a condições de gerações passadas”.

Relacionado à Deméter, as mulheres descreveram que sentiram empatia pela deusa, identificando-se com o seu aspecto maternal, que engloba cuidado, preocupação, força e também superproteção, descrita por Oya como a “dificuldade em deixar a filha crescer”. Já em Perséfone, percebe-se que a identificação se deu principalmente por suas características de mudança, versatilidade e poder, uma vez que “(…) passou pela escuridão e se tornou uma deusa” (Diana).

As mulheres que se identificaram tanto com Core quanto com Perséfone, ressaltam essa dualidade intrínseca e a sua jornada de transformação descritas a partir de falas como: “A ambivalência das polaridades da minha personalidade e o quanto elas transitam entre si em busca de aceitação e autorregulação pra buscar um equilíbrio entre as mesmas” (Maya), ou “a vontade de Core em viver e transforma-se em Perséfone” (Brígida).

Ao tratar de características marcantes das deusas/personagens do Mito, não há a intenção de transformá-las em estereótipos comercializáveis ou disponíveis ao uso por um desejo egóico, mas sim, de buscar compreender alguns dos desdobramentos do arquétipo maior do feminino, e como as mulheres são tocadas por essas diferentes representações a partir do seu próprio contexto de vida. Dito isso, teceu-se abaixo um padrão por meio das características que as participantes descreveram de cada deusa, baseado também em estudos anteriores acerca do tema.

Figura 3 – Padrões das deusas

Padrões das deusas
Fonte: Formulários do Google, 2022.

Esses padrões estão relacionados ao funcionamento inconsciente da mulher, e são expressos por meio de seu comportamento interno, bem como projetados em suas relações. Identificá-los favorece a compreensão da psique individual como uma “sinergia” única, constituída a partir de diferentes traços arquetípicos, e facilita a tomada de consciência sobre as maneiras simbólicas pelas quais a alma se expressa (WOOLGER e WOOLGER, 1993). Introduzindo o tema, Maas (1990 apud BOLEN, 1990, p. 7) pontua:

A grandeza das deusas mitológicas, assim como das imagens arquetípicas descritas por C.G. Jung, está na eternidade de sua essência e em sua permanência na mente humana. As imagens simbólicas dos arquétipos enriquecem e ampliam nossa consciência; elas têm diferentes aspectos do si-mesmo, e o seu conhecimento permite à mulher compreender e desvendar seus próprios sentimentos e recuperar seu Eu.

O si-mesmo ou self é para a psicologia analítica o arquétipo integrador de todas as partes do sistema psíquico, representando a Imago Dei (imagem de Deus) no homem (STEIN, 2000). O self normalmente se apresenta por símbolos de união, como a mandala, mas também se divide em diversos outros aspectos, como mencionado por Maas (1990), e reconhecê-los é reconhecer a totalidade para qual todo ser se inclina. Essa inclinação natural em busca da integração é chamada de individuação, que será abordada de forma mais abrangente no tópico seguinte.

A JORNADA DA ALMA FEMININA

Em sua jornada existencial, o ser se depara o tempo todo com situações que o impulsionam a se tornar quem realmente é apresentada no encontro com a realidade. Na superfície, o ego se molda para atender às expectativas do mundo concreto, adaptando-se socialmente. Porém, num sentido mais profundo, a psique tende a se desenvolver e autorregular, integrando cada vez mais aspectos à consciência num processo de expansão, estimulado pelo self. A essa manifestação do self na consciência dá-se o nome de processo de individuação (STEIN, 2000).

Para Stein (2000), o processo de individuação ocorre concomitantemente ao desenvolvimento psíquico, e passa pela estruturação do ego e da persona, integração da sombra, integração da anima ou animus e pelo encontro com o self. Essas etapas levam à experimentação íntegra da própria essência, e à aproximação daquilo que já se é em potencial (JUNG, 1987 apud PENNA, 2003). A individuação é representada muito comumente em mitos de heróis, que normalmente têm de enfrentar diversos tipos de desafios para cumprir com o objetivo de sua jornada. Essa representação, inclusive, foi bastante estudada por escritores e mitologistas reconhecidos, como Campbell e Neumann, cunhando o termo “jornada do herói”.

Para que se possa falar da psique feminina, optou-se por chamar este mesmo processo de “jornada da alma feminina”, julgando-se mais adequado à proposta da pesquisa. Harding (1985), bem como outros estudiosos que beberam da fonte em psicologia analítica, menciona que há diferenças significativas entre a psique feminina e a psique masculina. A primeira é governada por Eros, e a segunda, por Logos. Eros representa a potencialidade do vazio, a ciclicidade anímica, o instinto, ligado ao âmbito emocional. Logos é a expressão material, a linearidade objetiva, ligado ao âmbito racional. Portanto, para estudar os domínios do feminino, é necessário adentrar ao mundo de Eros.

O mito de Deméter, assim como muitos outros mitos de deusas, contém a essência e a representação da jornada da alma feminina. Jung (2019) afirma que o mito em questão é demasiadamente feminino para ser considerado uma projeção de anima. A cada etapa apresentada no enredo, revelam-se camadas da trajetória da mulher, num movimento que é cíclico e transformador. Têm-se com Deméter, Core e Perséfone, três faces do feminino: mãe, donzela e bruxa. A própria trajetória de Core até tornar-se Perséfone pode ser vista como um exemplo do processo de individuação, com a integração de aspectos inconscientes, e o renascimento a partir disso.

Ao serem questionadas sobre quais significados atribuíam ao mito de Deméter, e o que mais lhes chamou a atenção, as participantes mencionaram principalmente a relação que ele faz com as estações do ano, como na seguinte fala de Hator: “O desfecho no qual as estações foram relacionadas a um mito de forma dinâmica”. Mencionaram também sobre a relação de Deméter com Core, e o processo que ela passa até transformar-se em Perséfone: “o rompimento com a figura materna e o aprendizado tanto da mãe quanto da filha com esse rompimento” (Ishtar), “a necessidade de equilíbrio na relação mãe/filha e o amadurecimento da menina jovem que precisa se tornar mulher” (Oya).

Visto isso, buscou-se aprofundar essas significações a partir dos tópicos abaixo, que representam as estações internas da jornada da alma feminina. Essa divisão é inspirada nos rastros deixados pelo próprio Mito, que indicam um caminho já trilhado em potencial.

A PRIMAVERA JUVENIL

No cenário inicial do Mito, tem-se Deméter e Core como as duas personagens principais, e a relação entre elas constitui o ponto de partida para o restante da história. Core, como já discutido em tópicos anteriores, representa o aspecto virginal e jovem do feminino; é também a inocência, a fragilidade e o estado simbiótico encontrado no início da vida, onde a criança e a mãe são como um só ser. Esse estado também é chamado na psicologia analítica de uroboros, e marca uma indiferenciação entre o eu e o outro (NEUMANN, 2000).

Ainda para Neumann (2000), nesta fase de fusão observada na relação primária com a mãe, a criança projeta inteiramente seu eu no outro, neste caso, relacionando-se com a representação do arquétipo da Grande Mãe, principalmente em sua face bondosa e nutridora. Ao longo do desenvolvimento psíquico, a tendência é que haja aos poucos uma diferenciação e se dê a saída desse estado simbiótico, quando a criança passa a se tornar consciente do princípio de oposição feminino-masculino.

Diferentemente do homem que vê a mãe como um dessemelhante e tem a necessidade de se desidentificar a partir daí, a mulher tende a se identificar com a figura materna por semelhança, e pode acabar levando isso adiante, impedindo um desenvolvimento completo da psique, já que está “presa” no uróboro materno (NEUMANN, 2000). Nesse sentido, a mulher pode ter “curiosidade sobre o mundo e as possibilidades da vida, ao mesmo tempo não abandona completamente a mãe” (descrição de Minerva sobre as características de Core). Sob a perspectiva do desenvolvimento da consciência a mulher normalmente se torna infantil e imatura, o que gera por consequência uma insegurança em si mesma.

A relação simbólica de Deméter-Core no Mito representa muito bem a situação mencionada, uma vez que “caracteriza a fase de conservação do Self na qual o ego feminino permanece preso ao inconsciente materno” (NEUMANN, 2000, p. 14). Nesse sentido, para a participante Minerva, Deméter é vista como “uma mãe que não permite o amadurecimento da filha”, e, portanto, desvincular-se do materno seria fundamental no processo de amadurecer. Para Ishtar “o fato da dor da mãe extravasar para o mundo externo […], assim como a individualização de Perséfone e o corte com a figura materna, mostrando sua maturidade” é o que mais lhe chamou a atenção no Mito, reforçando que a saída dessa eterna primavera juvenil faz parte da jornada feminina.

A CHEGADA DO INVERNO: DESCENDO AO MUNDO SUBTERRÂNEO

Na próxima etapa do Mito, Core é atraída pela flor de Narciso, acaba sendo raptada por Hades e levada até o mundo dos mortos. O masculino é revelado sob seu aspecto violento e não confiável, o que poderia indicar, em algumas interpretações, o contato com o animus em seu lado negativo, ou com o uróboro patriarcal. A partir desse contato dá-se continuidade à jornada da alma feminina, ao passo em que:

O desenvolvimento feminino, ao se afastar do relacionamento primal, rumo à consciência, ocorre inicialmente por meio do “Tu” do sexo masculino, que desempenha o papel de consciência redentora para a mulher, quer seja experienciada de maneira impessoal ou transpessoal, interna ou externamente. (NEUMANN, 2000, p. 27)

Core desce então ao submundo, enquanto Deméter permanece em luto procurando por sua filha. Esse é, aparentemente, o momento de maior tensão emocional, fato que é reforçado pelas respostas obtidas em relação a como as mulheres reagiram ao Mito (ver tópico 4.2). Assim como no antigo mito sumério de Inanna, a descida de Core ao submundo também pode ser vista sob a perspectiva do encontro com o inconsciente, com a própria sombra e os aspectos renegados ou desconhecidos pelo ego (PERERA, 1985).

Esse encontro interior é sinônimo de uma morte simbólica, que está projetada no Mito como a decaída da fertilidade terrena, precedida pelo luto e por estados depressivos das personagens femininas (GOLEGÃ; HERNANDES, 2021). Há aqui a saída do uróboro materno, e o corte da identificação inconsciente com a boa mãe. Isso se realiza de maneira orquestrada pela psique, que se apresenta sob novas perspectivas (NEUMANN, 2000); O luto de Deméter chama a atenção de alguns participantes, e é descrito por Hécate como “quando perdemos alguém que amamos ficamos fragilizados […] A saudade dói, mas precisamos ser fortes e saber que um dia veremos a pessoa querida novamente”.

De forma simbólica, o luto também é vivenciado pela mulher quando se depara com a necessidade de amadurecer e sair do estado fusional anterior, como se estivesse em um casulo preparando-se para posteriormente voar por si só. Nesse sentido, Brígida aponta que “quando estamos tristes e perdidos não conseguimos florescer”, apesar de que a descida ao submundo interno pode ser vista como uma fase de plantar as sementes na terra fértil, sabendo que futuramente irão germinar na consciência. Sobre isso, Hallwass (2003, p. 37) embasado nos estudos de Estés (1994), descreve:

[…] No tempo dos grandes matriarcados compreendia-se que a mulher ao ser levada naturalmente para o mundo subterrâneo era conduzida por poderes do feminino oculto. Era parte de sua formação e uma realização de alto valor para adquirir conhecimento por experiência própria. A natureza dessa descida é o cerne arquetípico do mito de Deméter e Perséfone.

Assim, percebe-se que esse movimento de descida ao inconsciente já está presente de forma arquetípica desde tempos muito antigos, e se configura como uma passagem iniciática do feminino, que se faz necessária para o desenvolvimento contínuo do si-mesmo.

O ACORDO: EQUILIBRANDO AS ESTAÇÕES

Dando seguimento, o Mito traz a transformação de Core em Perséfone, que acontece devido a ela ter provado as romãs oferecidas por Hades. Por consequência, Perséfone não poderia mais sair definitivamente do submundo, então propõe-se um acordo em que ela fique um período do ano com Hades, e o restante com Deméter, vivendo ciclicamente nos dois mundos. Simbolicamente, ao provar as romãs Core finaliza seu processo de iniciação, alimentando-se do fruto dado pelo seu próprio inconsciente (PERERA, 1985).

No protótipo mitológico dos processos psíquicos, o feminino é libertado do uróboro patriarcal pela ação do herói, que resgata a princesa das garras do dragão, por exemplo. O herói normalmente é projetado numa figura masculina externa, mas também pode ser ativado no próprio interior da personagem feminina, que na verdade é a origem da projeção exterior (NEUMANN, 2000). No Mito de Deméter, supõe-se que Hades pode representar tanto o uróboro paterno quanto o próprio herói, já que é também um local psíquico multifacetado que oferece libertação em algum nível.

Do início ao fim, o Mito de Deméter é uma designação anímica do processo de desenvolvimento da psique feminina, projetado nos acontecimentos do enredo, e nos personagens que o integram. Separá-lo em etapas pode favorecer a visualização das imagens do inconsciente projetadas no Mito, e abrir passagem para possíveis caminhos na imensidão da alma. Assim como na jornada do herói, Perséfone se defrontou com obstáculos e dificuldades ao longo de sua trajetória, obrigando-se a transpassá-los para enfim atingir a completude; isso indica que descer ao submundo interno e enfrentar as próprias obscuridades é parte do processo de individuação (HALLWASS, 2003).

A partir do acordo realizado, Perséfone pôde unir harmonicamente os dois opostos: Deméter e Hades, feminino e masculino, consciente e inconsciente, luz e sombra, ou “sagrado e profano do sagrado feminino”, como dito por Maya, ao responder sobre o significado atribuído ao Mito. Integrar os opostos é justamente o propósito do processo de individuação, que se centra na busca do ser pela vivência da totalidade. Inverno e primavera, por fim, coexistem em equilíbrio, e assim continuamente de forma cíclica, da mesma forma que a psique feminina em essência. A nova consciência sobre o feminino que está emergindo na atualidade também traz à superfície diferentes possibilidades de trabalhar os problemas comuns aos seres humanos, cuja busca pela resolução é também a busca pela individuação. Enxergar o feminino de maneira cada vez mais integrada facilita essa jornada, despertando valores que habitam no inconsciente coletivo. Dessa forma,

Abordar o feminino a partir de uma representação mitológica implica em reconhecer nos elementos do mito fenômenos psíquicos capazes de nos conectar com a totalidade da psique humana; implica em reconhecer seus elementos como imagens simbólicas multifacetadas capazes de conduzir a transformações. (KONICHI, 2011, p. 142)

As transformações fazem parte da característica cíclica do feminino, o que é evidenciado no Mito estudado pela transformação de Core em Perséfone. Reconhecer os diferentes aspectos desse princípio e integrá-los é o ápice da jornada da alma feminina, e resgatar os preceitos já projetados há muito tempo em histórias antigas é ter possibilidades de direcionamento para seguir esta jornada que leva à totalidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa possibilitou um aprofundamento acerca do feminino, e de como este é representado nos protótipos mitológicos, neste caso, sob a perspectiva do mito de Deméter. A compreensão do feminino enquanto princípio multifacetado foi facilitada por meio da visão arquetípica e simbólica da psicologia analítica, que entende o mito como uma projeção do inconsciente coletivo, englobando conteúdos essenciais da vida humana. Buscando entender as representações do feminino no mito de Deméter e como as mulheres se relacionam com estas, chegou-se às conclusões mencionadas nos parágrafos seguintes.

A partir da aplicação da pesquisa, constatou-se que o feminino é representado no mito de Deméter através das personagens Deméter, Core e Perséfone, que expressam três de suas faces, denominadas aqui como mãe, donzela e bruxa. 76% das mulheres que responderam ao questionário identificaram-se com as personagens mencionadas, demonstrando que há uma relação direta entre o conteúdo psíquico e o enredo do Mito. A partir de suas descrições, foi possível estabelecer características que favorecem o entendimento das deusas como padrões de funcionamento da psique.

Após ler o Mito, as participantes deram pistas de como reagiram a esse encontro, apontando suas primeiras associações, tanto de palavras quanto de sentimentos. Ao final do questionário, descreveram de forma mais elaborada sobre as significações atribuídas ao Mito, bem como aquilo que lhes chamou mais atenção. As respostas para essas questões forneceram um material rico em conteúdo, que ilustraram as diferentes relações estabelecidas entre as mulheres e o Mito, enquanto expressões da jornada da alma feminina.

Considerando o que foi exposto, as hipóteses formuladas anteriormente corresponderam às respostas das participantes, revelando que o mito de Deméter, quando visto de maneira simbólica, é ponte para a compreensão da psicologia feminina, potencializando o emergir de diferentes conteúdos internos devido ao material arquetípico ali contido. Por conseguinte, os objetivos desta pesquisa podem ser tidos como cumpridos, já que foram norteados pelas hipóteses.

Por fim, não poderia deixar de relatar que esta pesquisa se fez parte da minha jornada pessoal, e que ter tido a oportunidade de trabalhar com este tema me levou a um profundo entendimento sobre a minha própria alma, que me guiou desde o momento inicial, até esta finalização. Enxergo hoje o potencial de transformação que habita no feminino, e a motivação pela totalidade que pulsa em cada ser de maneira até poética. Espero que haja muitas outras contribuições para o tema, visando levar esta discussão além.

REFERÊNCIAS

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WOOLGER, Roger J; WOOLGER, Jennifer Barker. A deusa interior: um guia sobre os eternos mitos femininos que moldam nossas vidas. São Paulo: Cultrix, 1993.

APÊNDICES

APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO

Apendice

UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC

CURSO DE PSICOLOGIA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO 

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO 

Sexo:

Idade:

Cidade em que reside:

QUESTIONÁRIO

  1. Descreva os principais termos (nomes e adjetivos) que lhe vêm à mente ao ler o Mito de Deméter (Anexo A). 
  1. Você já leu/ouviu o Mito de Deméter em um momento anterior a esta pesquisa?

(  ) Sim

(  ) Não

a) Caso a resposta anterior seja sim, por qual via você conheceu o Mito de Deméter?

(  ) Internet

(  ) Livros

(  ) Transmissão oral

(  ) Outros

  1. Como você se sentiu ao ler o Mito de Deméter descrito na seção anterior?
  1. Você se identificou com algum (s) dos personagens do Mito de Deméter?

(  ) Sim

(  ) Não

a) Caso a resposta anterior seja sim, especifique com qual (is) personagem (s) você se identificou (você pode assinalar mais de uma opção).

(  ) Deméter

(  ) Core

(  ) Perséfone

(  ) Hades

(  ) Zeus

(  ) Hélio

b) Caso a resposta anterior seja sim, especifique qual (is) característica (s) geraram essa identificação.

  1. Quais características principais você percebe em Deméter?
  1. Quais características principais você percebe em Coré?
  1. Quais características principais você percebe em Perséfone?
  1. De modo geral, o que mais lhe chamou a atenção no Mito de Deméter?
  1. Quais significados você atribui ao Mito de Deméter?

Caso seja do seu interesse, deixe aqui seu e-mail para receber a pesquisa concluída.

APÊNDICE B – CONVITE PARA PARTICIPAÇÃO DA PESQUISA

Apendice

UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC

CURSO DE PSICOLOGIA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO 

Convite para participação da pesquisa “Reflexões acerca do feminino no mito de Deméter: um estudo com mulheres do Sul de SC”

 A acadêmica do curso de Psicologia da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, Débora Darós Ana, lhe convida para participar da pesquisa “Reflexões acerca do feminino no mito de Deméter: um estudo com mulheres do Sul de SC” desenvolvida sob a orientação da professora Mestra Fernanda de Souza Fernandes.

O objetivo da pesquisa é investigar as representações do feminino no mito de Deméter e como as mulheres se relacionam com estas. Deste modo, estamos recrutando participantes que se adequem aos seguintes critérios de seleção: mulheres com a faixa etária entre 20 e 60 anos, residentes de municípios do Sul de Santa Catarina.

Caso você atenda aos critérios acima e queira participar do estudo, pedimos que retorne o e-mail ou post com a resposta SIM, para que possamos entrar em contato com você e orientarmos sobre os próximos passos para realização da pesquisa.

Atenciosamente,

Débora Darós Ana.

E-mail:[email protected]

APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

Título da Pesquisa: Reflexões acerca do feminino no mito de Deméter: um estudo com mulheres do Sul de SC;

Objetivo: Investigar as representações do feminino no mito de Deméter e como as mulheres se relacionam com estas;

Período da coleta de dados: 20/11/2021 a 10/12/2021;

Tempo estimado para cada coleta: 30 minutos;

Local da coleta: online por meio da plataforma Formulários do Google;

Pesquisadora/Orientadora: Prof. Esp. Maicol de Oliveira Brognoli (48) 991559815

Pesquisadora/Acadêmica: Débora Darós Ana (48) 998319798
10ª fase do Curso de Psicologia da UNESC

Como convidado(a) para participar voluntariamente da pesquisa acima intitulada e aceitando participar do estudo, declaro que:

Poderei desistir a qualquer momento, bastando informar minha decisão diretamente ao pesquisador responsável ou à pessoa que está efetuando a pesquisa.

Por ser uma participação voluntária e sem interesse financeiro, não haverá nenhuma remuneração, bem como não terei despesas para com a mesma. No entanto, fui orientado(a) da garantia de ressarcimento de gastos relacionados ao estudo. Como prevê o item IV.3.g da Resolução CNS 466/2012, foi garantido a mim (participante de pesquisa) e ao meu acompanhante (quando necessário) o ressarcimento de despesas decorrentes da participação no estudo, tais como transporte, alimentação e hospedagem (quando necessário) nos dias em que for necessária minha presença para consultas ou exames.

Foi expresso de modo claro e afirmativo o direito de assistência integral gratuita devido a danos diretos/ indiretos e imediatos/ tardios pelo tempo que for necessário a mim (participante da pesquisa), garantido pelo(a) pesquisador(a) responsável (Itens II.3.1 e II.3.2, da Resolução CNS nº 466 de 2012).

Estou ciente da garantia ao direito à indenização diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa (Item IV.3.h, da Resolução CNS nº 466 de 2012).

Os dados referentes a mim serão sigilosos e privados, preceitos estes assegurados pela Resolução nº 466/2012 do CNS – Conselho Nacional de Saúde – podendo eu solicitar informações durante todas as fases da pesquisa, inclusive após a publicação dos dados obtidos a partir desta.

Para tanto, fui esclarecido(a) também sobre os procedimentos, riscos e benefícios, a saber:

DETALHES DOS PROCEDIMENTOS QUE SERÃO UTILIZADOS NA PESQUISA
O questionário elaborado é composto por 4 seções. Na primeira seção, consta o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, com as opções de participar (li e concordo em participar da pesquisa) e não participar (não concordo). Na segunda seção, os dados de identificação da participante serão requisitados. Na terceira seção, o Mito de Deméter é descrito, em conjunto com a primeira pergunta do questionário. Na última sessão, há o restante do questionário para ser respondido. O questionário contém, além dos dados de identificação, 12 perguntas ao total. Destas, 7 são abertas, 2 são fechadas e 3 são dependentes, sendo 1 delas aberta e 2 fechadas. Estima-se que o tempo necessário para preencher o questionário seja de 30 minutos.

 

RISCOS
Esta pesquisa não possui riscos físicos, todavia, mediante ao preenchimento do questionário, há riscos mínimos relacionados ao surgimento de emotividade. Frente a tal situação, se a participante se sentir desconfortável, será prestado acolhimento, e a mesma poderá optar a qualquer momento pela desistência do questionário.

 

BENEFÍCIOS
Os benefícios desta pesquisa destinam-se a compreender de forma mais ampla o princípio feminino no Mito de Deméter, e as possíveis relações entre as mulheres e o mito, por meio de identificações e significados atribuídos a este. Ademais, destinam-se a compreender o mito como possibilidade de expressão psíquica.

Declaro ainda, que tive tempo adequado para poder refletir sobre minha participação na pesquisa, consultando, se necessário, meus familiares ou outras pessoas que possam me ajudar na tomada de decisão livre e esclarecida, conforme a resolução CNS 466/2012 item IV.1.C.

Diante de tudo o que até agora fora demonstrado, declaro que todos os procedimentos metodológicos e os possíveis riscos, detalhados acima, bem como as minhas dúvidas, foram devidamente esclarecidos, sendo que, para tanto, firmo ao final a presente declaração, em duas vias de igual teor e forma, ficando na posse de uma e outra sido entregue ao(à) pesquisador(a) responsável (o presente documento será obrigatoriamente assinado na última página e rubricado em todas as páginas pelo(a) pesquisador(a) responsável/pessoa por ele(a) delegada e pelo(a) participante/responsável legal).

Em caso de dúvidas, sugestões e/ou emergências relacionadas à pesquisa, favor entrar em contato com apesquisadoraDéboraDarós Ana pelo telefone (48) 9 9831-9798 e/ou pelo e-mail [email protected].

Em caso de denúncias, favor entrar em contato com o Comitê de Ética – CEP/UNESCpelo telefone (48) 3431-2723 ou pelo e-mail [email protected].

O Comitê de Ética em Pesquisa em Humanos (CEP) da Unesc pronuncia-se, no aspecto ético, sobre todos os trabalhos de pesquisa realizados, envolvendo seres humanos. Para que a ética se faça presente, o CEP/UNESC revisa todos os protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos. Cabe ao CEP/UNESC a responsabilidade primária pelas decisões sobre a ética da pesquisa a ser desenvolvida na Instituição, de modo a garantir e resguardar a integridade e os direitos dos voluntários participantes nas referidas pesquisas. Tem também papel consultivo e educativo, de forma a fomentar a reflexão em torno da ética na ciência, bem como a atribuição de receber denúncias e requerer a sua apuração.

Apendice 2

Criciúma (SC), __ de ________ de 2021.

APÊNDICE D – DECLARAÇÃO DA AUSÊNCIA DE ANUÊNCIA

Apendice

UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC

CURSO DE PSICOLOGIA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO 

Ilmo(a) parecerista do CEP/UNESC

Com nossos cordiais cumprimentos, viemos sustentar que a referida pesquisa não possui carta de anuência da instituição como documento anexo a esta plataforma, pelos seguintes motivos:

a) Não será realizada em uma instituição específica;

b) O fenômeno a ser investigado não está associado a determinada instituição de saúde;

c) A precisão do local não será possível detalhar, pois esta pesquisa possui como técnica de coleta de dados a amostragem em rede ou o snowball (bola de neve);

d) Será realizada de forma online, através da plataforma Formulários do Google.

A técnica snowball, conforme Baldin e Munhoz (2011, p. 332) “é uma forma de amostra não probabilística utilizada em pesquisas sociais onde os participantes iniciais de um estudo indicam novos participantes que, por sua vez, indicam novos participantes e assim sucessivamente, até que seja alcançado o objetivo proposto”.

A execução do processo de amostragem em rede ocorrerá da seguinte forma:

I. Recrutamento do informante-chave ou primeira mulher participante, por meio da divulgação de anúncio (Apêndice C) em redes sociais e/ou contatos de e-mail da pesquisadora, verificando a possibilidade de mulheres que atendam os critérios de seleção para constituírem a amostra da pesquisa.

II. Após a seleção da primeira mulher participante, será requisitado que esta indique outra mulher de sua própria rede de contatos, devendo esta preencher os critérios de inclusão.

III. Em seguida, será realizado o contato com a mulher indicada pela primeira participante, averiguando se preenche os critérios de inclusão. Posteriormente será enviado o material de coleta de dados para a participante, de forma que seja garantido o sigilo das informações coletadas.

IV. Esse procedimento se dará durante todo processo da etapa de coleta de dados e com todas as participantes, até que o número de amostragem seja atingido.

Certa da compreensão deste egrégio CEP, antecipamos nossos mais sinceros votos de estima e apreço.

Atenciosamente,

Débora Darós Ana.

ANEXOS

ANEXO A – MITO DE DEMÉTER 

Fonte: adaptado de Hino a Deméter (ANTUNES, 2015). 

Deméter, filha de Réia e Cronos, possuía uma filha concebida em uma relação com Zeus, seu próprio irmão. Esta filha chamava-se, em um primeiro momento, Core, e dentre todos os filhos de Deméter, era a que mais lhe encantava. Core era inocente, doce, amável e virginal. Deméter, como deusa da agricultura, da colheita, da fartura, dos frutos e cereais, fazia os campos florescerem e da terra fértil brotar alimento, de acordo com os ciclos naturais do tempo.

Core certo dia estava andando pelos campos, até que avistou uma flor de Narciso, tão bela que chamou-lhe a atenção imediatamente. Quando se aproximou da flor e foi apanhá-la, o chão rompeu-se numa abertura que levava até as profundezas do subterrâneo, e desta abertura, surgiu Hades, em sua carruagem negra. Hades, o deus do submundo, encantado por Core, a raptou, levando-a para sua morada abaixo da Terra, no reino dos mortos.

No submundo, Core deparou-se com o que havia de mais obscuro, oculto e sombrio. Enquanto isso, no Olimpo, Deméter estava inconsolável, com a ausência de sua filha perdida. Procurou por Core durante longos 9 dias e 9 noites, e somente no 10º dia soube da verdade, trazida à tona por Hélio, o deus do sol. Em seu estado melancólico e sob a aparência de uma velha, vagou até Elêusis, terra de humanos, e lá habitou o próprio templo que fora construído para ela, negando-se a voltar ao Olimpo e cumprir com suas funções até que sua filha fosse resgatada.

A terra, neste momento, encontrava-se escassa e fria, assim como Deméter. Nada mais florescia ou brotava do solo infértil e sem vida. Preocupado com a situação, Zeus convenceu Hades a realizar um acordo com Deméter, e a trazer Core novamente à superfície. Porém, antes de selar este acordo, Hades ofereceu a Core algumas bagas de romã, que foram então saboreadas pela jovem.

Por provar deste fruto, Core não poderia mais sair em definitivo do submundo, e então, o acordo realizado entre Hades e Deméter foi de que Core passasse um terço do ano com Hades, no reino oculto, e o restante com Deméter. Core agora era chamada de Perséfone, a rainha do submundo, e enquanto estava com Hades, a terra ficava como no inverno, preparando as sementes para um momento posterior. Quando emergia para ficar ao lado de Deméter, novamente era tempo propício de as sementes desabrocharem, a primavera.

[1] Graduação em Psicologia pela Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC (2022).

[2] Graduação em Psicologia pela Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, Especialização em Docência do Ensino Superior e EJA, Especialização em Iridologia, Especialização em Psicologia Clínica, Especialização em AEE e Educação Inclusiva, Especialização em Psicologia Comportamental e Cognitiva, Especialização em Psicologia Social, Especialização em Psicologia Jurídica e Avaliação Psicológica, Especialização em Avaliação Psicológica e Psicodiagnóstico, Especialização em Psicologia Hospitalar, Especialização em Saúde Mental, Especialização em Neuropsicologia Clínica, Especialização em Psicologia Analítica e Mestrado em Ciências Ambientais pela Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC.

Enviado: Agosto, 2022.

Aprovado: Setembro, 2022.

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Maicol de Oliveira Brognoli

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