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Livros Acadêmicos

3. Contratos de arrendamento: o impacto do adimplemento relacionado às intempéries

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Débora Teixeira da Cruz [1]

 Karlos Cesar Dias Mortari [2]

DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/1775

Introdução 

O arrendamento rural pode ser entendido de forma clara e objetiva como um empréstimo de uma propriedade rural ou apenas uma gleba desta, para que o arrendatário possa usar e gozar deste arrendamento, a fim de produzir renda por meio do agronegócio. Neste contrato, o arrendante não assume os riscos da produção, estes são em suas totalidades do arrendatário, cabendo resguardá-los, conforme destaca o Decreto o 59.566/66 art. 1º (BRASIL, 1966). O arrendamento e a parceria são contratos agrários que a lei reconhece, para o fim de posse ou uso temporário da terra. Observa-se que o reconhecimento previsto na lei é claro sobre a posse e uso, nesse contexto o contratante deve ter o esclarecimento das cláusulas que vinculam as suas responsabilidades.

O estudo está pautado na condição da quantidade de arrendatários no estado do Mato Grosso do Sul, o estado é um polo de agronegócio e propiciou questionamento sobre arrendamento rural. Qual a possibilidade do arrendatário não adimplir com o valor fixado no contrato?

O objetivo foi conhecer as regras do contrato para arrendamento rural, visibilizando as obrigações das partes, sem desconsiderar as nuances no período de uso e gozo.

Desenvolvimento

Construção de um contrato de arrendamento rural 

Com a evolução e práticas imobiliárias, houve uma expansão mercadológica de empreendimentos e negócios envolvendo propriedades urbanas e rurais. Neste contexto, para externar as formas do arrendamento rural se faz necessário conhecer as instâncias e lei que regulamenta o negócio, da qual está elencada a seguir o Art. 92 da Lei nº 4.504/64 (BRASIL, 1964).

A posse ou uso temporário da terra serão exercidos em virtude de contrato expresso ou tácito, estabelecido entre o proprietário e os que nela exercem atividade agrícola ou pecuária, sob forma de arrendamento rural, de parceria agrícola, pecuária, agroindustrial e extrativa (BRASIL, 1964).

Haja vista, que o artigo supracitado e Art. 11 do Decreto 59.566/66, é possível afirmar que os contratos de arrendamento rural podem ser celebrados, tanto na forma escrita, quanto na forma verbal, em conformidade com as necessidades contratuais (BRASIL, 1966).

Em se tratando da construção escrita do contrato de arrendamento rural é vislumbrado no artigo 12 do decreto 59.566/66, inúmeras indicações necessárias que devem constar no contrato de arrendamento rural para sua validação.

Todavia, a legislação permite que a construção do contrato de arrendamento rural seja realizada verbalmente, desburocratizando o processo do arrendamento rural, contudo este meio de construção pode gerar insegurança para as partes, outro elemento importante no contrato é a boa-fé que deve ser o eixo principal desta celebração. Com o objetivo de trazer maior segurança para ambos os polos do contrato, o legislador elencou no artigo 13 do Decreto 59.566/1966, cláusulas que assegurem a conservação dos recursos naturais e a proteção socioeconômica dos arrendatários (BRASIL, 1966). 

Prazos e preço 

Durante o estudo sobre a temática, ficou entendido que o Superior Tribunal de Justiça balizou normas cogentes estabelecendo os prazos mínimos dos contratos agrários, sendo assim, as normas devem ser cumpridas em caráter obrigatório. Neste sentido, referente ao pagamento e tempo foi escrito no Decreto 59.566/66, Art. 41, I – a pagar pontualmente o preço do arrendamento, pelo modo, nos prazos e locais ajustados (BRASIL, 1966). A importância de fixação de prazos mínimos é para proteger a conservação dos recursos naturais, da propriedade rural.

Os prazos mínimos do contrato de arrendamento rural terminarão após a colheita, parição dos rebanhos ou após a safra dos animais de corte. Quando o objeto do contrato é a exploração de lavoura temporária ou exploração da pecuária de médio e grande porte, a lei determina prazo mínimo de 3 anos.

Quando o objeto do contrato de arrendamento rural for exploração de lavoura permanente e também quando se tratar de cria, recria, engorda e extração de matérias primas de origem animal, quando a pecuária for de grande porte, o prazo é 5 anos.

E por fim, a lei determina que possua um prazo de 7 (sete) anos, os contratos que tem como objeto a exploração florestal. Vale salientar, que caso a colheita tenha um retardamento por motivo de força maior devidamente comprovado por meio de órgãos oficiais, esses prazos ficarão automaticamente prorrogados até o final da colheita, em consonância com o artigo 21, § 1º do Decreto 59.566/66 e Estatuto da Terra (BRASIL, 1966).

A respeito da precificação dos arrendamentos rurais, observa-se tanto no Estatuto da Terra quanto no Decreto 59.566/66, que a remuneração terá um teto máximo de 15% do valor de cadastro do imóvel, incluídas as benfeitorias que estiverem presentes na composição do contrato (BRASIL, 1966).  Observa-se que esta não é uma regra absoluta, e pode ser flexibilizada quando o arrendamento for parcial e recair apenas sobre glebas selecionadas para fins de exploração intensiva de alta rentabilidade, neste caso a remuneração poderá chegar em 30%. Quanto ao ajuste do preço ou flexibilização do pagamento, está prevista no artigo 18 do Decreto 59.566/66 (BRASIL, 1966).

O preço do arrendamento só pode ser ajustado em quantia fixa de dinheiro, mas o seu pagamento pode ser ajustado que se faça em dinheiro ou em quantidade de frutos cujo preço corrente no mercado local, nunca inferior ao preço mínimo oficial, equivalha ao do aluguel, à época da liquidação.

Compreende-se que ao mesmo tempo que a norma obriga que o preço do arrendamento rural seja fixado em quantia certa em espécie, tal norma traz a possibilidade de que o pagamento desta quantia seja realizado por meio de frutos do arrendamento rural, cujo valor equivalha ao do aluguel previamente estipulado. Sempre deve ser observado que a valoração dos frutos não seja abaixo do preço mínimo oficial.

Cabe ressaltar, que muitas vezes por força maior ou intempéries pode haver inadimplência do arrendatário, para isso é preciso conhecer as cláusulas contratuais sobre o arrendamento rural.

Inadimplemento 

O não cumprimento das cláusulas contratuais pré-estabelecidas, incorrerá na rescisão contratual na modalidade facultativa, em outros termos, tanto o contratante quanto o contratado não precisarão de forma obrigatória rescindir o contrato, haja vista, que na maioria dos contratos de arrendamento existe uma exacerbada quantidade de patrimônio investido, por este motivo observa-se que as rescisões de contratos de arrendamentos rurais, não são benéficas para nenhuma das partes. O Estatuto da Terra, em seu artigo 92 § 6º, destaca que: “O inadimplemento das obrigações assumidas por qualquer das partes dará lugar, facultativamente, à rescisão do contrato de arrendamento ou de parceria, observado o disposto em lei”.

Uma das principais causas do inadimplemento dos contratos rurais é a quebra de safra, que ocorre por consequência das intempéries (mau tempo ou quaisquer condições climáticas intensas). Em decorrência deste fenômeno o arrendatário pode vir a perder parcial ou totalmente a safra correspondente a aquele período. Diante desta situação será analisado a seguir se o arrendatário prejudicado poderá deixar de adimplir com o pagamento do valor fixado do arrendamento rural.

Para elucidação desta questão é importante destacar que em conformidade com o Estatuto da Terra é sabido que nos contratos de arrendamento rural, o arrendante não compartilha os riscos do negócio com o arrendatário. Pode-se observar então que a quebra de safra não exclui a obrigação do arrendatário em cumprir com o pagamento da quantia estipulada, haja vista, que este na celebração do contrato assumiu todos os eventuais riscos do negócio, em conformidade com a explanação de Opitz (2019).

O arrendatário que não adimplir com o pagamento do arrendamento rural dentro do prazo estabelecido, estará sujeito a rescisão contratual e o eventual despejo da propriedade rural anteriormente por ele ocupada.   Decreto 59.566/66, art. 32. “Só será concedido o despejo nos seguintes casos:  III – Se o arrendatário não pagar o aluguel ou renda no prazo convencionado” (BRASIL, 1966).

Visando evitar o inadimplemento contratual e suas consequências, o arrendatário após tomar conhecimento da quebra de safra pode entrar em um consenso com o arrendante, para que seja realizado o chamado aditamento contratual, a fim de prorrogar os prazos de pagamento até a colheita da próxima safra. Evitando assim uma ajuização da demanda em questão, desta forma diminuindo a perda de ambas as partes.

Contudo, não havendo a possibilidade de estabelecer um acordo com o arrendante, deverá o arrendatário produzir provas como, notícias em jornais que evidenciam a intempérie vivida na região, para demonstrar que a perda da safra se deu em virtude de caso fortuito ou força maior. Entretanto, vale ressaltar que atuais decisões dos tribunais estaduais não têm dado provimento para teses cujo, o embasamento tem como fonte principal a chamada Teoria da Imprevisão que objetiva eximir o arrendatário da obrigação de pagar pela terra arrendada, de acordo com atuais jurisprudências às intempéries são vistas como fato inerente à atividade agrícola, pode-se observar este entendimento na decisão a seguir:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EMBARGOS À EXECUÇÃO – CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO – REQUISITOS CUMULATIVOS – AUSÊNCIA DE PROBABILIDADE DO DIREITO – ADITIVO CONTRATUAL – OBRIGAÇÃO DE ENTREGA DE QUANTIA DETERMINADA DE SOJA POR ALQUEIRE – ESTIAGEM – TEORIA DA IMPREVISÃO – IMPOSSIBILIDADE – INTEMPÉRIES CLIMÁTICAS QUE NÃO SE APLICAM À ATIVIDADE AGRÍCOLA – DECISÃO MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO[3]. Para recebimento dos embargos à execução, com efeito suspensivo, é necessário que estejam presentes os requisitos para a concessão da tutela pretendida, bem como que a execução esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes, nos termos do art. 919, §1º do Código de Processo Civil. O aditivo contratual previu a entrega dos grãos em montante certo por alqueire, tendo, portanto, suprimido a cláusula firmada no contrato originário, que previa a entrega de 20% (vinte por cento) da produção, devendo ser considerado, portanto, o que foi pactuado pelas partes posteriormente, inexistindo qualquer alegação quanto à vício de consentimento das partes na formalização do negócio jurídico discutido. Não há falar, na espécie, em considerar a força maior, consistente na estiagem ocorrida no período, como justificativa para a ausência de entrega da quantia de soja efetivamente pactuada entre as partes, posto que este e. Tribunal de Justiça, bem como o c. Superior Tribunal de Justiça, têm entendido que intempéries climáticas não podem ser consideradas como fato imprevisível ou extraordinário, aptos à aplicação da teoria da imprevisão, por se tratar de fato inerente à atividade agrícola. Ausente a probabilidade do direito, desnecessária a análise dos demais requisitos para a concessão do efeito suspensivo pleiteado, posto que se tratam de requisitos cumulativos.

Ante o exposto fica evidenciado que para o atual ordenamento jurídico, que as intempéries, não dão causa para o inadimplemento por força maior, haja vista que esta não se enquadra como uma situação imprevisível quando se fala em atividades agrícolas. 

Considerações finais 

Tendo por base o crescimento do agronegócio, e por consequência direta o aumento dos contratos agrários, o estudo elucidou questões pertinentes ao arrendamento rural, ressaltando o questionamento e a inquietação que provocou a pergunta norteadora, do inadimplemento do valor fixado no contrato.

Demonstrando que mesmo com os impactos devastadores das intempéries, como por exemplo, a perda total da safra, o ordenamento jurídico não exime o arrendatário de adimplir com o pagamento, ficou entendido que as intempéries é um fato inerente à atividade agrícola.

Contudo, compreende-se que para diminuir os danos, é possível que se faça um aditamento contratual para prorrogação dos prazos de pagamento, bem como o seguro agrário. Solucionando de forma pacífica para ambas as partes adaptar aos percalços que assolam esta atividade.

Referência

BRASIL, Legislação Informatizada – lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 – Publicação Original.1964.

BRASIL, Decreto n. 59566, de 14 de novembro de 1966. Regulamenta as Seções I II E III do Capítulo IV do Título 3 da Lei 4.504, de 30 de novembro de 1964, Estatuto da Terra, o Capítulo 3 da Lei 4.947, de 6 de Abril de 1966, e da Outras Providências. 1966.

OPITZ, Silvia Carlinda B. Curso completo de direito agrário, 11ª edição. Disponível em: Minha Biblioteca, (11th edição). Editora Saraiva, 2019.

[1] Radiologista, Pedagoga, Psicóloga, Graduanda em Direito, Mestre em Bioética e Doutora em Saúde e Desenvolvimento na Região Centro Oeste. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3791-7157. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3412249433900705.

[2] Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário Unigran Capital. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0113-5738. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0376572713951516.

[3] (TJMS. Agravo de Instrumento n. 1414726-18.2022.8.12.0000, Naviraí, 5ª Câmara Cível, Relator (a):  Des. Geraldo de Almeida Santiago, j: 27/09/2022, p:  29/09/2022).

Débora Teixeira da Cruz

Débora Teixeira da Cruz

Radiologista, Pedagoga, Psicóloga, Graduanda em Direito, Mestre em Bioética e Doutora em Saúde e Desenvolvimento na Região Centro Oeste. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3791-7157. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3412249433900705.

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Ciências Sociais Aplicadas Atualização de Área janeiro e fevereiro de 2023

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