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Livros Acadêmicos

5. Controle estatístico de qualidade em sistemas agrícolas

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Bruno Marcos Nunes Cosmo [1]

Maurício Guy de Andrade [2]

DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/1820

INTRODUÇÃO

O setor agropecuário representa uma parcela significativa da economia nacional e global. No Brasil, o agronegócio corresponde a mais de 20% do produto interno bruto (PIB), estando relacionado a geração de empregos e movimentando a economia de muitas localidades (VIEIRA FILHO; FISHLOW, 2017; CEPEA, 2023).

A produção agropecuária engloba diversos setores de produção, que incluem todas as atividades anteriores a propriedade (por exemplo, produção de fertilizantes), atividades realizadas em nível de propriedade (condução de lavouras e criações) e atividades posteriores (industrialização, armazenamento, comercialização e afins) (PORTO; GONÇALVES, 2011; ARIEIRA, 2017).

Para garantir o contínuo crescimento das atividades agrícolas, diversos segmentos têm evoluído ao longo do tempo, podendo-se destacar o melhoramento genético, o manejo fitossanitário, o manejo da fertilidade do solo, mecanização agrícolas e afins (INCAPER, 2018).

Uma das áreas basais que influenciam os avanços nestes setores, pauta-se na análise estatística e experimentação agrícola. Diversos dos segmentos citados anteriormente utilizam-se da condução de experimentos e da análise de dados para selecionar materiais e gerar recomendações técnicas (PERECIN, 2013).

Muitos procedimentos estatísticos podem ser empregados na agricultura, levantamento de informações presentes no ambiente, coleta de dados em séries climáticas, correlação de fatores e a condução de experimentos propriamente dita (FELIX, 2018).

Os dados obtidos, independentemente da fonte, podem ser analisados de diversas maneiras, conforme o problema que se deseja solucionar. Contudo, a adoção de experimentos que são comparados utilizando os conhecidos testes de médias, testes de agrupamento de médias e regressões são os mais difundidos (NOGUEIRA, 2017).

No entanto, outros procedimentos podem ser utilizados de forma alternativa ou complementar em função do alvo de análise. O controle estatístico de qualidade, representa uma alternativa de análise menos usual no meio agrícola, mas que pode gerar resultados promissores no segmento (VILAS BOAS et al., 2020).

Assim, o objetivo deste trabalho foi caracterizar e apresentar aplicações do controle estatístico de qualidade na agropecuária.

Para alcançar tal objetivo foi realizado um levantamento bibliográfico com abordagem qualitativa e objetivos descritivos (FONTELLES et al., 2009). A pesquisa foi realizada em ambiente eletrônico, empregando livros, artigos, dissertações e teses como fonte basal de informação. Buscou-se empregar materiais publicados nos últimos 10 anos, porém, sem abrir mão de trabalhos mais antigos, quando relevantes para a pesquisa.

CONTROLE ESTATÍSTICO DE QUALIDADE

A qualidade pode ser analisada como um conceito subjetivo, mas que sempre esteve implícito no desenvolvimento do ser humano. Nos primórdios da civilização, se as ferramentas primitivas desenvolvidas pelos homens das cavernas não fossem resistentes, afiadas e bem fixadas o suficiente, elas não teriam utilidade nas caçadas ou proteção (ROCHA, 2019). Contudo, ao comparar tais ferramentas com suas correspondentes atuais, a concepção de qualidade entre estas e aquelas é distinta (daí o ponto de subjetividade).

Historicamente o controle de qualidade existe desde que a humanidade existe, porém, em níveis e configurações distintas ao longo do tempo. Os agricultores primitivos escolhiam as plantas que iriam cultivar e as ferramentas que utilizariam. Posteriormente os ferreiros e artesãos da idade média realizavam seus trabalhos até atingir o grau desejado de suas peças (resistência, espessura e etc.). Com a revolução industrial houve uma massificação dos processos produtivos, mas mesmo sem a atenção isolada antes destinada a cada peça, a produção industrial também carecia de qualidade (ROCHA, 2019).

A revolução industrial gerou a aplicação de controle de qualidade de forma mais similar ao existente hoje. Contudo, a metodologia inicial consistia apenas em inspecionar, categorizar e reparar defeitos, sem foco na identificação das causas. Esse cenário estendeu-se até o século XX. Em 1924, marca-se os primeiros trabalhos direcionados a identificação e prevenção de problemas, destacando-se os gráficos de análise propostos por Shewhart, marcando as bases do O controle estatístico de qualidade (CEQ) (ROCHA, 2019).

O CEQ foi impulsionado na Inglaterra em 1935 e posteriormente em 1942 em função da Segunda Guerra Mundial, devido à necessidade de gerar produtos militares de qualidade e em prazos curtos (ROCHA, 2019). A proposta do CEQ ou CEP (Controle Estatístico de Processos) como também é denominado foi de monitorar um processo e analisar se ele encontra-se ou não sob controle. O controle refere-se ao atendimento de limites (inferiores e/ ou superiores) (MIURA, 2019).

Para verificar o controle são empregadas sete ferramentas da qualidade: i) Gráfico de histograma; ii) Folha de controle; iii) Gráfico de pareto; iv) Diagrama de causa e efeito; v) Diagrama de concentração de defeitos; vi) Diagrama de dispersão; e vii) Gráficos de controle (SOUSA; MOTA, 2022). Estas ferramentas podem ser aplicadas em diferentes contextos. Na indústria, por exemplo, os gráficos de controle podem ser empregados para monitorar a resistência e/ ou peso de comprimidos, alimentos e afins (ALVES, 2019; BUTURE et al., 2022; SOUZA; DAMY-BENEDETTI, 2022).

No meio agropecuário, as aplicações do CEQ podem ocorrer em nível de campo, ou ainda em nível industrial. Pois diversos produtos e equipamentos utilizados nas propriedades rurais são advindos da indústria. Em um estudo conduzido por Silva et al. (2015), ressalta-se que o CEQ ou CEP foi desenvolvido e é amplamente utilizado nos processos industriais. Porém, apresenta grande potencial para utilização no setor agropecuário.

Em Martins (2022), por exemplo, os gráficos de controle são empregados como complementos na definição de zonas de salubridade em função da distribuição do nível de ruídos de máquinas agrícolas isoladas e com implementos.

No trabalho de Custódio et al. (2012) verifica-se a utilização do CEQ no monitoramento de perdas e da eficiência da colheita mecanizada do cafeeiro irrigado. Neste caso compreende-se que existe um nível de perda tolerado, mas que acima deste nível, novas medidas devem ser consideradas, como manutenção de implementos, verificação do ponto de maturação da cultura, condições ambientais e afins.

De forma similar, Silva et al. (2008), aplicam o CEQ no monitoramento da colheita mecanizada de cana-de-açúcar. Neste caso existem observações fora de controle para o parâmetro perdas, ou seja, por algum fator as perdas estão fora dos valores aceitáveis. Além da cana-de-açúcar e do cafeeiro, as perdas durante a colheita de qualquer cultura podem ser analisadas pelo CEQ, atendendo logicamente os padrões estabelecidos para a mesma.

Na semeadura do milho, Carpes et al. (2018), aplicaram o CEP para avaliar a distribuição longitudinal das sementes em diferentes velocidades do disco e inclinações do dosador. Neste caso foi possível identificar quais velocidades e inclinações ampliaram a ocorrência de espaçamentos aceitáveis ou não.

Os gráficos de controle são ferramentas de monitoramento efetivas, assim, vários tipos de processos podem ser analisados por sua utilização. Suszek et al. (2019), utilizaram estes gráficos para monitorar a variação da condutividade hidráulica de dois tipos de solo (Luvissolo Crômico e Neossolo Regolítico) em função da variação de densidade.

Na área de irrigação, os gráficos de controle estatístico são amplamente no monitoramento de diversos fatores como a uniformidade da irrigação (GOMES et al., 2020; COSMO et al., 2021), ou o efeito de eventos como a obstrução dos emissores (SZEKUT et al., 2015).

Portanto, o CEQ e suas diversas ferramentas (em especial os gráficos de controle) podem ser empregados em praticamente todas as atividades no meio agropecuário que necessitem de alguma forma de monitoramento. Semeadura, tratos culturais como a pulverização (volume de calda, cobertura foliar e afins), colheita, mapeamento de solo e diversos fatores podem ser monitorados. Cabe ao responsável definir parâmetros e as melhores formas de aplicação das informações que podem ser obtidas com tais ferramentas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O controle estatístico de qualidade conta com ferramentas que foram desenvolvidas inicialmente para utilização industrial, mas que podem ser adaptadas e gerar informações promissoras para o meio agropecuário. Basicamente tudo que pode ser monitorado na agropecuária pode utilizar das ferramentas do CEQ, dependendo da imaginação e capacidade de aplicação das informações geradas pelos pesquisadores, técnicos e afins.

REFERÊNCIAS

ALVES, C. R. O controle estatístico de processo na indústria farmacêutica para avaliação da resistência mecânica de comprimido. 2019. 47f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialista em Tecnologias Industriais Farmacêuticas) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2019.

ARIEIRA, J. O. Fundamentos do agronegócio. Brasil: UNIASSELVI, 2017. 221p.

BUTURE, E. C. F.; BITTENCOURT, J. V. M.; NASCIMENTO, M. M. F. Caracterização e análise de uma unidade fabril de batata. Revista Brasileira de Tecnologia Agroindustrial, Francisco Beltrão, v.16, n.1, p.3815-3836, 2022.

CARPES, D. P.; ALONÇO, A. S.; FRANCETTO, T. R.; MOREIRA, A. R.; CHAGAS, G. S. Qualidade da distribuição longitudinal de sementes de milho por um dosador-apanhador com auxílio pneumático. Revista Engenharia na Agricultura, v.26, n.1, p.43-51, 2018.

CEPEA – CENTRO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM ECONOMIA APLICADA. PIB do agronegócio brasileiro. CEPEA. 2022.  Disponível em: https://www.cepea.esalq.usp.br/br/pib-do-agronegocio-brasileiro.aspx. Acesso em: 15 fev. 2023.

COSMO, B. M. N.; ANDRADE, M. G.; GALERIANI, T. M.; HERMES, E.; VILAS BOAS, M. A.; GAVA, G. J. C. Statistical quality control and electrical conductivity for evaluation of the uniformity of different drip fertigation solutions. Irriga, Botucatu, v.1, n.2, p.264-280, 2021.

CUSTÓDIO, A. A. P.; SILVA, R. P.; LEMOS, L. B.; TOLEDO, A.; MELO, L. P.; CUSTÓDIO, A. A. P. Controle estatístico aplicado da colheita mecanizada de cafeeiros irrigados. Revista de Agricultura, v.87, n.3, p.172-180, 2012.

FELIX, J. H. S. Como escrever bem: Projeto de pesquisa e artigo científico. Curitiba: Appris, 2018. 187p.

FONTELLES, J. M.; SIMÕES, M. G.; FARIAS, S. H.; FONTELLES, R. G. S. Metodologia da pesquisa científica: Diretrizes para a elaboração de um protocolo de pesquisa. Revista Paraense de Medicina, v.23, n.3, p.1-8, 2009.

GOMES, A. H. S.; LIMA, G. M. L.; FERREIRA, D. J. L.; VASCONCELOS, G. N.; PEDROZA, J. P.; LIMA, E. L. A. Controle estatístico aplicado a uniformidade de distribuição em unidades gotejadoras operando com água residuária. Irriga, Inovagri, Botucatu, v.25, n.4, p.719-727, 2020.

INCAPER – INSTITUTO CAPIXABA DE PESQUISA, ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL. Tendências e novas tecnologias na agropecuária. Incaper em Revista, v.9, 2018.

MARTINS, F. B. S. Distribuição Espacial do Ruído Emitido por Máquinas Agrícolas. 2020. 91f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Agrícola e Ambiental) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 2020.

MIURA, F. S. Ferramenta computacional para análise de capacidade de processo utilizando a linguagem python. 2019. 64f. Dissertação (Mestrado em Tecnologias Computacionais para o Agronegócio) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Medianeira, 2019.

NOGUEIRA, C. H. Testes para comparações múltiplas de médias em experimentos com tendência e dependência espacial. 2017. 142f. Tese (Doutorado em Estatística e Experimentação Agropecuária) – Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2017.

PERECIN, D. Introdução à experimentação. Jaboticabal: USP, 2013. 83p.

PORTO, E. M. V.; GONÇALVES, V. D. Agronegócio: Empresa rural. Montes Claros: Unimontes, 2011. 108p.

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SILVA, R.P.; VOLTARELLI, M.A.; CASSIA, M.T. Controle de qualidade em operações agrícolas mecanizadas. 1ª ed. Jaboticabal: Associação Brasileira de Engenharia Agrícola, 2015. 242p.

SOUSA, J. C.; MOTA, L. O. Aplicação das sete ferramentas da qualidade nas organizações na área da produção. Id on Line – Revista de Psicologia, v.16, n.60, p.123-140, 2022.

SOUZA, B. L.; DAMY-BENEDETTI, P. C. Aplicação de ferramentas de qualidade com a finalidade de minimizar e/ou solucionar a alta variação de gramatura de batata chips. Revista Científica, v.1, n.1, p.1-10, 2022.

SUSZEK, F. L.; SAMPAIO, S. C.; LIMA, V. L. A. Controle estatístico de qualidade da condutividade hidráulica em Luvissolo e Neossolo com variação da densidade do solo. Irriga, Botucatu, v.24, n.1, p.16-24, 2019.

SZEKUT, F. D.; KLEIN, M. R.; RIBEIRO, M. D.; AZEVEDO, C. A. V.; BATISTA, R. O.; SANTOS, D. B. Índice de capacidade do processo na obstrução de tubos gotejadores com uso de esgoto doméstico. In: INOVAGRI INTERNATIONAL MEETING, 3., 2015, Fortaleza. Anais…. Fortaleza: INOVAGRI, 2015. p.1707-1717.

VIEIRA FILHO, J. E. R.; FISHLOW, A. Agricultura e indústria no Brasil: Inovação e competitividade. Brasília: Ipea, 2017. 305p.

ROCHA, H. M. Controle estatístico de qualidade. Rio de Janeiro: Fundação Cecierj, 2019. 406p.

VILAS BOAS, M. A.; SZEKUT, F. D.; SIQUEIRA, M. M. K. Controle estatístico da qualidade na irrigação: Irrigação localizada. Cascavel: Edunioeste, 2020.

[1] Doutorando em Agronomia (Agricultura) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Botucatu (SP). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3252-5349. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5681872370469923.

[2] Professor Doutor, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Palotina (PR). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4620-1401. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4821884579392567.

Bruno Marcos Nunes Cosmo

Bruno Marcos Nunes Cosmo

Engenheiro Agrônomo, Doutorando em Agricultura (Agronomia) na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) – Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA), Botucatu-SP.

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