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Produção Do Espaço Urbano: Reflexão Teórica Sobre O Bairro Periférico E Popular

RC: 84157
1.961
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/geografia/periferico-e-popular

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SILVA, Rhafic Concolato da [1]

SILVA, Rhafic Concolato da. Produção Do Espaço Urbano: Reflexão Teórica Sobre O Bairro Periférico E Popular. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 04, Vol. 15, pp. 89-99. Abril de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/geografia/periferico-e-popular, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/geografia/periferico-e-popular

RESUMO

A produção do espaço urbano, o valor da terra, o uso e a ocupação do solo urbano são direcionados pela reprodução do capital, que fragmenta em sub-regiões o espaço urbano. O bairro pode ser mais ou menos valorizado, sob o ponto de vista do mercado imobiliário, de acordo com sua localização, infraestrutura urbana, estabilidade dos terrenos, oferta de bens e serviços públicos, como: saneamento básico, segurança, lazer, educação, saúde, comércio e transporte. Este artigo, tem como objetivo retratar a cidade com relação ao espaço urbano, alguns conceitos e preconceitos a respeito do bairro. Com uma reflexão teórica sobre o bairro periférico e popular. Utilizando como metodologia a revisão bibliográfica. O bairro nobre, convida os moradores de maior poder aquisitivo, pois sua projeção acontece de forma ordenada, levando em consideração aspectos como: segurança, disponibilidade de serviços e bens de consumo coletivo. Já o bairro periférico e popular, cresce desordenadamente e em locais com risco ambiental, gerando em sua população constante desconfiança sobre sua integridade, o que contribui para a sensação de exclusão dos moradores pelo poder público e por outros bairros da cidade.

Palavras-chave: espaço urbano, bairro periférico e popular, bairro.

INTRODUÇÃO  

A produção do espaço urbano na contemporaneidade atende aos interesses da multiplicação do capital, a cidade com suas formas, funções, estruturas e processos fragmenta-se em sub-regiões mais ou menos valorizadas, sob o ponto de vista do mercado imobiliário, da localização, da estabilidade do terreno, da infraestrutura urbana e dos bens e serviços públicos que serão diferenciados e que interferirá no valor da terra e no uso e ocupação do solo urbano.

O bairro é um território único, com níveis de realidade ou intensidades em momentos diferentes no decorrer do seu movimento de formação no tempo-espaço e nas particularidades do interior de cada cidade. No bairro periférico e popular há uma problemática socioespacial mais ou menos definida: está geograficamente distante do centro da cidade, denominado periferia e possui em sua maioria uma população de baixa renda e status social, ou seja, popular, mas nem todo bairro periférico é popular e nem todo bairro popular é periférico.

O bairro periférico e popular atrai moradores de baixo status social e renda, é a forma possível de pertencer à cidade, mesmo que em condições precárias. São moradores atraídos pelo baixo valor do aluguel e dos imóveis, pelo êxodo rural e a busca por emprego e melhores condições de vida que acreditam encontrar na cidade. A violência e a marginalidade são relacionadas pelos moradores não periféricos como condicionantes da precariedade econômica. Em um território de caos e de privação das necessidades básicas, os moradores convivem com o preconceito, o sentimento de exclusão e a vulnerabilidade com a fraca atuação do poder público na oferta de bens e serviços.

A CIDADE E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO FRAGMENTADO

A cidade, do latim civiate, é definida pelo Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (FERREIRA, 1999, p. 469) como o “Complexo demográfico formado, social e economicamente, por uma importante concentração populacional não agrícola, i. e., dedicada a atividades de caráter mercantil, industrial, financeiro e cultural; urbe:”

Na cidade: forma, função, estrutura e processo são contínuos, ora visíveis, mas sempre integrados, interdependentes. De acordo com Santos (1978) a forma é o aspecto externo, as formas espaciais, o conjunto de objetos; a função são as atividades desenvolvidas pelos objetos; as formas e funções são os traços de cada grupo social; na estrutura as formas e as funções são instituídas historicamente e o processo é o movimento contínuo de mudança no tempo.

Para Costa (1995, p. 227) a “Cidade é a expressão palpável da humana necessidade de contacto, comunicação, organização e troca, numa determinada circunstância físico-espacial e num determinado contexto histórico”. As formas associadas às funções, só serão permitidas pela estrutura em movimento no tempo e que não é visível como a forma; a estrutura constitui a economia de uma sociedade em um momento específico do processo – que é definido como uma ação constante de transformação. O espaço urbano se transforma para atender aos interesses da multiplicação do capital.

Conforme Silva et al. (2012, p. 6) o valor agregado à terra produz um processo de ocupação desordenado reflexo do sistema capitalista; a classe operária – baixa renda e status social – irá se alojar em sub-regiões da cidade com insuficiente infraestrutura urbana como no bairro periférico e popular; “[…] os diferentes níveis de renda não permitem que parte significativa das pessoas possa pagar pelo alto preço da terra”.

O valor da terra, o uso e a ocupação do solo urbano serão direcionados pela reprodução do capital que fragmenta o espaço urbano em sub-regiões mais ou menos valorizados, sob o ponto de vista do mercado imobiliário, da localização, da infraestrutura urbana, da estabilidade dos terrenos e da oferta de bens e serviços públicos como saneamento básico, segurança, lazer, educação, saúde, comércio e transporte.  A população pobre em busca de um trabalho na cidade e com a necessidade de morar próximo de sua fonte de subsistência, se tornarão reféns dos muitos problemas infraestruturais.

(PRÉ)CONCEITOS E CONCEITO SOBRE O BAIRRO

O conceito de bairro teria origem nos termos árabes e na etimologia barr ou bar, significando terra, campo imediato a uma população, sendo somente encontrado este termo nos idiomas catalão (barri), espanhol (barrio) e no português (bairro). (SOUZA, 1989, p. 153).    Utilizando-se do Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, temos a seguinte definição: bairro – S.m. 1. “Cada uma das partes em que se costuma dividir uma cidade ou vila, para mais precisa orientação das pessoas e mais fácil controle administrativo dos serviços públicos.” (FERREIRA, 1999, p. 255).

A dificuldade de estabelecer um conceito definitivo sobre o bairro, capaz de abranger e corresponder às complexidades das muitas relações e sensações socioespaciais têm relação com os critérios definidos pelos gestores públicos sob a influência de aspectos políticos, econômicos, culturais locais/regionais e são essas variáveis que torna o bairro um espaço tão único e diverso em suas manifestações e apropriações materiais e simbólicas do cotidiano social do espaço urbano.

Recorrendo a historicidade conhecemos os processos de transformação nesta porção do espaço geográfico, o bairro, que terá níveis de realidade ou intensidade em momentos diferentes no decorrer do seu movimento de formação no tempo-espaço e nas particularidades do interior de cada cidade. Ramos (2002, p. 68) acrescenta que há a coexistência entre a cidade a formação do bairro e a constituição da sociedade urbana, de modo que

[…] a cidade seria a base material onde se desenvolvem as relações sociais que em conjunto definem o modo de vida urbano, ou simplesmente, o urbano. Tal modo de vida, inclusive, tende a se generalizar a ponto de predominar na sociedade com um todo, formando a sociedade urbana, que está além da cidade […].

A cidade se fragmenta em prolongamentos territoriais distintos, formando subdivisões/ sub-regiões do espaço urbano – o bairro, onde as relações sociais são mais intensas com a proximidade dos moradores e do cotidiano, e que também se fortalece no enfrentamento de problemáticas socioespaciais – ausências e precariedades – em âmbito coletivo como no bairro periférico e popular com especificidades quanto ao modo de vida urbano.

Na realidade, essas subregiões urbanas de tamanhos e configurações variáveis, designadas habitualmente por bairro, constituem unidades sócio-espaciais problemáticas em si próprios. […], os bairros são lugares para se procurar identificar, inquirir, questionar. (EAMES E GOODE, 1997, apud CORDEIRO e COSTA, 1999, p. 60-61)

O bairro é um território único na cidade, suas paisagens, moradias, traçados das ruas, os anseios de seus moradores, fixos ou não e as formas como se sentem ou não como partícipes na construção deste espaço. A diferenciação da paisagem urbana seguirá o binômio utilidade/necessidade de seus moradores, assim como os modos de vida, suas semelhanças e diferenciações com o restante da cidade. Esse agrupamento de pessoas, sua união e seus laços estabelecidos e expressados na origem e destinos comuns que corroboram com a dinâmica populacional na ocupação e formação deste território, o bairro, bem como no fomento às singularidades identitárias com o espaço habitado e as diferenças sociais. Quanto a isso, Castells (1983, p. 249), afirma que “A distribuição das residências no espaço produz sua diferenciação social e especifica a paisagem urbana, pois as características das moradias e de sua população estão na base do tipo de nível das instalações e das funções que se ligam a elas.”

A “realidade do bairro” está condicionada a uma noção de “delimitação pessoal”, por parte de seus moradores, suas vivências e do cotidiano social – identidade – que se realça em históricos de vida e as experiências pessoais neste espaço coletivo, o que explicaria, a priori, as controvérsias quanto ao que é observado como negativo ou positivo por quem dali não faz parte. (SANTOS, 2002, p. 57).  A origem comum dos moradores, fortalece e estreita, os laços afetivos de vizinhança; a rua, a calçada, no uso e na ocupação do solo na periferia urbana pela população de baixa renda, são espaços privilegiados ao convívio social.

[…] os bairros se diferenciam também pelo movimento de frequência nas ruas. Nos chamados bairros nobres, onde reside a população de alta renda, as ruas são vazias. Nos bairros populares – com população de baixo poder aquisitivo – a rua é quase a extensão da casa. (CARLOS, 2001, p. 22-23).

As relações de sociabilidade expressadas no cotidiano e no compartilhamento de referenciais comuns, propiciará a construção de uma identidade territorial – podendo ser ainda, exercida em redes discretas como no entorno de uma rua, uma praça, um mercado, ou mais expressivas como numa associação de moradores ou pela unidade eclesiástica –; o que se observa é que independente da intensidade e disponibilidade de seus moradores, estes espaços do cotidiano possuem a função social para o fortalecimento do sentimento de pertencimento e a participação local em iniciativas de benfeitorias para o bairro. Esse sentimento de pertencimento – subjetividade e ou identidade territorial – que alguns moradores, especialmente os mais antigos, têm pelo bairro, é definido por Souza (1989) como bairrofilia: a forma explícita de simpatia, apego ou afeição. O bairro é percebido emocionalmente por seus moradores de diferentes formas, e são essas diferenciações individuais entre os objetivos de apropriação e permanência que promoverão a intensidade como a subjetividade será sentida e expressada.

Entre a intensa bairrofilia e a plena indiferença são tantas as possibilidades quantos são os tons de cinza entre o branco e o preto. Certamente a intensidade e o tipo de participação individual para melhorar a vida no bairro dependem desses condicionamentos da dialética objetivo/subjetivo […] a maneira como se vivencia o bairro onde se mora, como ele é visto, a imagem que dele se tem; a participação ou a não participação dos indivíduos junto aos problemas e à vida do bairro; tudo isto está condicionado por uma dialética entre fatores objetivos – proletário/ burguês, antigo no bairro/recém-chegado, inquilino/proprietário, jovem/velho e valorações diferenciadas – vinculadas à diversidade de vivências da objetividade historicamente produzida. (SOUZA, 1989, p. 151-152).

Unidos não só por laços familiares, mas também por outros vínculos afetivos como de vizinhança, solidariedade, históricos de vida – origem, propósitos de vida comuns para com o bairro popular, alguns moradores suportam juntos as dificuldades de acesso aos bens e serviços urbanos, mas quando na falta/indiferença ao sentimento de pertencimento e de identidade com o bairro, formas de violência e a depredação do espaço habitado são identificadas.

A ausência ou a frágil identidade com o bairro e as várias formas de violência e marginalização estão entrelaçadas a um cotidiano de conflitos sociais, oportunizados pela falta ou ineficiência de ações de prevenção e segurança, fortalece o sentimento de abandono e exclusão dos moradores do bairro e de repulsão do restante da cidade, “[…] as condições de vida entre moradores de uma mesma cidade mostram-se diferenciadas, a presença/ausência dos serviços públicos se faz sentir a qualidade destes mesmos serviços apresentam-se desiguais.” (KOGA, 2003, p. 33).

As desigualdades sociais dos moradores, em particular, no bairro periférico e popular são flutuantes, podendo aumentar ou diminuir de acordo com o que é conseguido “retirar” do poder público como bens de consumo coletivo.

O BAIRRO PERIFÉRICO E POPULAR

O bairro periférico e popular convive com uma problemática socioespacial mais ou menos definida: está geograficamente distante do centro da cidade, denominado periferia e possui em sua maioria população de baixa renda e status social, ou seja, popular, porém nem todo bairro periférico é popular e nem todo bairro popular é periférico; o bairro periférico e popular sofre com as ausências ou as deficiências nos serviços públicos – saneamento básico e questões sociais como serviços de saúde, educação, lazer e segurança. Já na segunda metade do século XX, conforme Corrêa (1995, p. 42-43) as principais características da zona periférica do centro, eram: ampla escala horizontal – casas e edifícios baixos; área residencial de baixo status social – habitações precárias e população de baixa renda; foco nos transportes inter-regionais – rodovias de acesso à cidade, depósitos, garagens, fábricas, postos de gasolina.

O bairro periférico e popular atrai muitos moradores provenientes das áreas rurais e urbanas de outras cidades, estados e regiões do Brasil, e em alguns casos, de países e continentes. O grande fascínio que a cidade ainda promove, faz com que estes indivíduos, em sua maioria, sem qualificação profissional, com dificuldades em suas localidades de origem migrem para as áreas urbanas em busca de melhores condições de vida, e o bairro periférico e popular tem alguns facilitadores para a atração destes migrantes como o baixo valor do aluguel e dos imóveis. “O êxodo rural – transferência do habitante do campo para a cidade – é uma das formas de migração interna mais importante nos dias atuais.” (ANDRADE, 1998, p. 57).

Os efeitos do êxodo rural nas pequenas e grandes cidades brasileiras são numerosos, dentre eles o desemprego e o subemprego, com destaque para os bóias-frias – trabalhadores rurais temporários que moram nas periferias das pequenas cidades brasileiras. Os migrantes encontram no bairro periférico e popular a oportunidade/ necessidade de coabitar, mesmo que em condições precárias e de pertencer à cidade.

Cortiços e favelas apontam soluções técnicas populares de moradia. Em geral, elas são irregulares e inadequadas, mas devem ser analisadas como a obra possível aos desvalidos da sociedade. É a maneira que eles conseguem exercer seu direito à cidade. As habitações irregulares, são, também, o espelho das desigualdades sociais das cidades brasileiras […]. (RIBEIRO, 2005, p. 64).

A conta não fecha: é caro viver na cidade! É preciso morar, se alimentar, vestir, circular, no mínimo. Aluguéis, condomínios, longas distâncias tudo tem um custo e o que se recebe como trabalhador informal ou em um subemprego não é o suficiente. Sobra-lhes a periferia. Para os migrantes sem qualificação profissional a única opção parece ser essa. A inundação do córrego, os alagamentos das ruas, a falta de saneamento básico para todos, os deslizamentos de terra, a insegurança, o lixo que acumula nas calçadas, a água que não é potável, a energia do tipo “gato”. A esse tipo carente e ambientalmente frágil de uso e ocupação do solo nas periferias das cidades brasileiras, Rolnik (2004, p. 111) chama de urbanismo de risco

[…] aquele marcado pela inseguridade, quer do terreno, quer da construção, ou ainda da condição jurídica da posse daquele território. As terras onde se desenvolvem estes mercados de moradia para os pobres são, normalmente, justamente aquelas que, pelas características ambientais, são as mais frágeis, perigosas e difíceis de ocupar com urbanização: encostas íngremes, beiras de córregos, áreas alagadiças. As construções raramente são estáveis, e a posse quase nunca totalmente inscrita nos registros de imóveis e cadastros das prefeituras. O risco é, antes de mais nada, do morador: o barraco pode deslizar ou inundar com chuva, a drenagem e o esgoto podem se misturar nas baixadas – a saúde e a vida são assim ameaçadas. No cotidiano, são as horas perdidas no transporte, a incerteza quanto ao destino daquele lugar, o desconforto da casa e da rua.

Em territórios excluídos, como no caso do bairro periférico e popular, os morados convivem como uma condição de privação de suas necessidades básicas e é bem provável que se transforme em refúgio para indivíduos sem qualquer expectativa de vida e em vulnerabilidade social, a ausência do Estado na oferta e manutenção dos serviços públicos urbanos dá abertura para o poder paralelo atuar, financiado pelo tráfico de drogas, armas e prostituição que e em contrapartida oferece aos seus moradores uma imediata e controversa segurança.

Os territórios excluídos constituíram-se à revelia da presença do Estado – ou de qualquer esfera pública – e, portanto se desenvolvem sem qualquer controle ou assistência. Serviços públicos, quando existentes, são mais precários do que em outras partes das cidades; trabalhar nessas áreas muitas vezes é visto pelos funcionários públicos como “castigo”. Mais do que isso, viver permanentemente sob uma condição de privação de necessidades ambientais básicas faz os habitantes se sentirem como se suas vidas tivessem pouco valor. (ROLNIK, 1999, p. 107)

O bairro periférico e popular é visto com certo desprezo pelos moradores não periféricos, que relacionam a precariedade econômica com a violência e a marginalidade. “Ainda hoje, a classe pauperizada é facilmente estigmatizada como suspeita de atos de vandalismo, violência, banditismo etc. A violência é designada, de antemão, para uma classe caracterizada como: ‘os pobres’”. (KOGA, 2003, p. 48).

O preconceito, o sentimento de abandono dos moradores, a fraca atuação do poder público na oferta de bens e serviços em um território de caos e privações econômicas, sociais e ambientais são algumas das dificuldades que os moradores têm em instituir a identidade territorial e o sentimento de pertencimento. “[…] da busca do futuro sonhado como carência a satisfazer – carência de todos os tipos de consumo, consumo material e imaterial, também carência do consumo político, carência de participação e de cidadania”. (SANTOS, 1997, p. 261).

Não seriam os atos de violência um pedido de socorro? De fato, a falta de identidade – sentimento de pertencimento, principalmente um morador temporário ou mesmo recente, podem levar a formas ilícitas de permanência. É preciso que o poder público ofereça aos moradores do bairro periférico e popular as mesmas oportunidades e condições para o exercício da cidadania.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cidade é a materialização da evolução humana em seus processos históricos e relações sociais no espaço urbano, onde diferentes classes sociais e organizações internas se manifestam. As constantes modificações na estrutura interna do espaço urbano – da cidade – estão relacionadas às formas e funções baseadas no modo de produção do capital, que produz e reproduz socialmente desigualdades nos prolongamentos do espaço urbano pela cidade, percebidas nas paisagens, nas infraestruturas urbanas e em suas subdivisões – o bairro, um território único na cidade.

O bairro nobre, mesmo os distantes geograficamente do centro da cidade, atrai moradores de poder aquisitivo mais elevado, há a preocupação com o projeto urbanístico, a segurança e a oferta de serviços e os bem de consumo coletivo. Já o bairro popular, em sua maioria, não por opção, mas imposição, crescem de maneira desordenada e em áreas de risco ambiental, o uso e a ocupação do solo urbano acontece de modo gradativo: primeiro o surgimento de uma rua depois uma vila até chegar na formação de um bairro; loteamentos são iniciados sem a devida fiscalização do poder público e atrai moradores de baixa renda e status social. Não raramente, não há saneamento básico para todos os moradores do bairro periférico e popular.

A presença de moradores temporários, no bairro periférico e popular, causa interferências no convívio social e no estabelecimento da identidade territorial – o sentimento de pertencimento – com o espaço habitado, com isso, a participação coletiva e o empenho de atores sociais na aquisição e manutenção dos serviços públicos urbanos são mais difíceis, mas, ainda assim, possível.

O cotidiano de conflitos ganha força nos excessos e ausências, seja pelo intenso êxodo rural, da especulação imobiliária, dos muitos moradores temporários, das dificuldades de permanência, do desemprego, subemprego, das habitações precárias, das deficiências dos serviços públicos – saneamento básico, segurança, educação e lazer – e que ainda carrega a marginalidade, o vandalismo e o banditismo como condicionantes desta porção do espaço urbano.

A precariedade de consumo em suas diferentes formas, que a população de baixa renda e status social do bairro periférico e popular é submetida, gera a constante desconfiança sobre a integridade desta população, o que contribui muito para a sensação de exclusão dos moradores pelo poder público e por outros bairros da cidade, considerados mais valorizados.

REFERÊNCIAS

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CARLOS, Ana Fani Alessandri. A cidade. 6 ed. São Paulo: Contexto, 2001.

CASTELLS, Manuel. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

CORDEIRO, Graça Índias e COSTA, António Firmino da. Bairros: contexto e intersecção. In: VELHO, Gilberto (org.). Antropologia urbana – cultura e sociedade no Brasil e em Portugal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. 3 ed. São Paulo: Ática, 1995.

COSTA, Lucio. Registro de uma vivência. 2.ed. São Paulo: Empresa das Artes, 1995.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa – 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

KOGA, Dirce. Medidas de cidades: entre territórios de vida e territórios vividos. São Paulo: Cortez, 2003.

RAMOS, Aluísio Wellichan. Espaço-Tempo na cidade de São Paulo: historicidade e espacialidade do “Bairro” da Água Branca. Revista do Departamento de Geografia. São Paulo, n.15, p. 65-75, 2002.

RIBEIRO, Wagner Costa. Cidades ou sociedades sustentáveis? In: CARLOS, Ana Fani Alessandri; CARRERAS, Carlos (org.). Urbanização e Mundialização estudos sobre a metrópole. São Paulo: Contexto, 2005.

ROLNIK, R. Exclusão territorial e violência. In: A Violência Disseminada. São Paulo em Perspectiva, São Paulo: Fundação SEADE, v. 13, n. 4. p.100-111, 1999.

SANTOS, Milton.  Por uma Geografia Nova. São Paulo: Hucitec, 1978

_______________. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1997.

SANTOS, Rosilaine Oliveira dos. Algumas considerações acerca do conceito de bairro e sua aplicação em Realengo. Monografia de Pós-graduação em Políticas Territoriais do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UERJ, 2002.

SILVA, Rhafic Concolato da; CHAMBELA, Albelane Monteiro; FERNANDES, Denise de Oliveira. Urbanização, desordem e impactos ambientais: ocupação de áreas de risco de deslizamento de terra na cidade de Espera Feliz, MG, Brasil. Nadir: rev. electron. geogr. austral. Chile, ano 4, n° 2, ago-dez, 2012.

SOUZA, Marcelo José Lopes de. O bairro contemporâneo: ensaio de abordagem política. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, n. 51, p. 139-172, 1989.

[1] Mestre em Geografia (PUC-SP), especialista em Estudos Ambientais (PUC-MG), graduado em Geografia (UEMG).

Enviado: Março, 2021.

Aprovado: Abril, 2021.

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Rhafic Concolato da Silva

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