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A influência paleoclimática na gênese da morfologia cárstica: uma análise do carste do São Romão, entre os Municípios de Altaneira e Farias Brito, Ceará, Brasil

RC: 150359
211
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/geografia/influencia-paleoclimatica

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

ARAÚJO, Carlos Renir Soares de [1]

ARAÚJO, Carlos Renir Soares de. A influência paleoclimática na gênese da morfologia cárstica: uma análise do carste do São Romão, entre os Municípios de Altaneira e Farias Brito, Ceará, Brasil. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 08, Ed. 11, Vol. 02, pp. 24-42. Novembro de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/geografia/influencia-paleoclimatica, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/geografia/influencia-paleoclimatica

RESUMO

Este trabalho busca entender as possíveis condições paleoclimáticas que atuaram na formação da morfologia cárstica presente no vale do São Romão, entre os municípios de Altaneira e Farias Brito, estado do Ceará. Trata-se de uma região de clima semiárido, que apresenta um conjunto de formas tipicamente cársticas, constituídas sobre cristas residuais em metacalcários, tais como os lápias, que se encontram expostos à superfície. A partir disso, surge um questionamento ímpar, se traduzindo em: quais as condições climáticas do passado atuaram na formação e evolução do carste da região em epígrafe? Para responder a esse problema, o trabalho de pesquisa foi dividido em três etapas, iniciando com o levantamento de leituras, seguidas de outras duas etapas, a coleta de dados em campo e produção de mapa de localização, e da análise e escrita dos dados coletados. Dessa forma, alcançou-se as respostas pretendidas com os objetivos deste trabalho. A morfologia cárstica possui uma gênese característica, necessitando de climas propícios, com grande aporte de umidade, temperaturas elevadas e componentes mineralógicos ideais para dissolução/erosão, como a calcita e dolomita. A gênese e evolução do carste da região é resultado da ação conjunta de fatores exógenos, tais como a umidade e temperatura, algo que não é verificado na região nos dias atuais. Por contar com temperaturas elevadas e baixos índices de umidade ao longo do ano, se caracterizando como semiárido, a morfologia cárstica presente na área é reflexo de uma formação em condições climáticas pretéritas. Por conseguinte, através de análises palinológicas, verificou-se que o carte do Vale do São Romão, sofreu fortes influências durante o fim do pleistoceno tardio e início do Holoceno, quando as condições de umidade e pluviosidade eram consideravelmente maiores, propiciando um cenário ideal para o amadurecimento de feições superficiais e subsuperficiais.

Palavras-chave: Paleoclima, Metacalcário, Feição cárstica, Gênese, Semiárido.

1. INTRODUÇÃO

Os primeiros trabalhos envolvendo a Geomorfologia cárstica no Brasil se debruçaram sobre a descrição da geomorfologia regional, se destacando nesse sentido, os trabalhos desenvolvidos por Tricart (1977); Kohler, (1989). O Karst é uma topografia típica de terrenos calcários, tendo como exemplo aqueles que ocorrem no Noroeste da península balcânica (Guerra, 1997). Trata-se de um termo utilizado de forma diversa, geralmente para designar regiões com composições calcárias e dolomíticas, cuja topografia possui características de formação por meio do processo de dissolução de rochas calcarias ou dolomíticas (Christofoletti, 1983).

A dinâmica paleoclimática mostrou-se anômala e imprevisível ao longo do tempo, de acordo com a abordagem do Painel da sustentabilidade adaptativa (Loiola, 2012). Os progressos recentes no conhecimento da paleoclimatologia do Quaternário passaram a dar um maior interesse ao estudo da denominada geomorfologia climática, situação que tinha-o deixado em segundo plano, sendo que a partir dos anos sessenta do século XX, ocorreu em especial, no estudo da dinâmica geomorfológica (Ferreira, 2002).

Discutindo o conceito do carste, Kohler (1989) define o relevo cárstico, como aquele que é desenvolvido sobre rochas solúveis, que apresentam características químicas de solubilidade. Apesar da predominância de rochas carbonáticas como o calcário, mármore e dolomitos na formação de morfologias cárstica, é possível a estruturação destas morfologias em outros tipos de rochas, como os evaporitos. Essa morfologia está presente em cerca de 15% da superfície terrestre (Ford; Willians, 2007).

Com relação a ocorrência de morfologias cársticas em climas áridos ou semiáridos, Maia et al. (2012), menciona que no Nordeste brasileiro, este tipo de feição é condicionada pelo fator climático, dessa forma, a baixa pluviosidade e umidade durante a maior parte do ano, limitam a morfogênese química, restringindo também, o desenvolvimento dessas paisagens na região.

Tendo por base as condições climáticas predominantes, estas feições, quando identificadas em climas áridos ou secos, podem ser interpretadas como morfologias herdadas de paleoclimas, períodos com precipitações expressivas e condições de umidade favoráveis a dissolução da rocha (Bigarella et al., 1994).

As formações cársticas presentes no vale do São Romão, entre os municípios de Altaneira e Farias Brito (figura 1) sul do Ceará, trazem à tona uma variedade de questionamentos e problematizações, uma vez que a geomorfologia cárstica da região recebeu pouco destaque científico. Tal situação, justifica a necessidade de proposição deste trabalho, tendo como objetivo analisar as prováveis condições climáticas que atuaram na gênese e evolução daquelas feições cársticas.

Figura 1 – Localização da área de estudo, presente no Vale do São Romão, entre os municípios de Altaneira e Farias Brito, estado do Ceará

Fonte: Elaborado pelo autor a partir do software Qgis, (2023).

A morfologia cárstica do vale do São Romão, situa-se precisamente a NE do distrito sede do município de Altaneira e a SO do município de Farias Brito, região do Cariri cearense, sul do estado do Ceará (Figura 2, 3). A região faz parte da porção Norte da Folha de Juazeiro do Norte (SB. 24-Y-D), se localizando na porção Sul da Folha de Iguatu (SB. 24-Y-B), ambas pertencentes as cartas geológicas da CPRM, na escala de 1:250.000. A região pode ser localizada nas seguintes coordenadas: Latitude 6°58’34.76” S; Longitude 39°38’59.68” O.

Figura 2 – Perspectiva geral do vale do São Romão, município de Altaneira, Ceará

Fonte: Fotografia do autor (2023).

Figura 3 – Identificação da região de estudo. O uso do Software Google Earth propicia a visão em 3 dimensões da composição do relevo da região

Fonte: Google Earth (2023).

A região se encontra a uma elevação média de 430 metros, sendo seu ponto de maior altitude a serra ou maciço do Quincuncá, contabilizando um pico de 742 metros. O clima da região é o Tropical Quente Semiárido, com precipitação média anual de 974,3 mm, concentrando-se principalmente entre os meses de janeiro à abril. Possui uma temperatura que varia entre 24º a 27º graus ao longo do ano, de acordo com o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE, 2022). A zona de estudo perfaz uma área total de 4,2 km², se encontrando entre o limite municipal de Altaneira, e uma pequena porção do município de Farias Brito, estado do Ceará.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 METODOLOGIA

A organização deste trabalho se deu pela divisão da pesquisa em três etapas distintas, com      a primeira etapa, correspondendo ao levantamento bibliográfico. Nesta etapa, analisou-se várias fontes de pesquisa, das quais citamos livros, teses, dissertações e artigos.  (Christofolleti, 1980; Kohler, 1989; Ford; Williams, 2007) bem como estudos sobre paleoclimas do Nordeste brasileiro, advindos de vários levantamentos bibliográficos (Lima, 2008; Suguio, 2010; Cavalcante; Bastos; Cordeiro, 2017). Estas leituras subsidiaram toda a discussão acerca dos eventos paeloclimáticos que influenciaram a morfologia cárstica da região, além da caracterização morfológica atual.

A segunda etapa se deu pelas atividades em campo, na qual trabalhamos com observações e registros de morfologias cársticas do local. O uso de mapas hipsométricos, geológicos e pluviométricos, fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Serviço Geológico do Brasil (SGB), foram essenciais para reconhecer os pontos e as morfologias em estudo. Com o uso de câmera fotográfica, foi possível registrar as principais feições cársticas exumadas na região, além das características físicas das vertentes e cristas residuais. Estes dados foram colhidos e catalogados em uma pequena ficha de campo, adaptada de Medeiros (2019), tratando de alguns tópicos referente as tipologias morfológicas da paisagem e suas características, a exemplo das condições de temperatura, tipos de feições, vegetação e precipitação.

A terceira fase da pesquisa, voltou-se para a elaboração do mapa de localização, que foi confeccionado através do software Qgis 3.22, na escala de 1:50.000. Esta etapa culminou na organização e análise dos dados colhidos, na forma deste artigo.

2.2 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os paleoclimas podem ser entendidos como os climas atuantes em eras passadas do nosso planeta (Guerra, 1997). A paleoclimatologia é definida como a área da ciência que estuda os climas existentes em eras remotas, sendo produzida através da pesquisa em fósseis animais e vegetais, além da alteração das rochas, dos diferentes depósitos, da estratificação do material e das morfologias do relevo (Guerra, 1997).

Mesmo com a predominância de eventos cíclicos, nem toda mudança na dinâmica climática é periódica, da mesma forma, eventos cíclicos não seguem intervalos exatos e totalmente previsíveis. Eventos de ordem geológica ou espacial, como a queda de meteoros, vulcanismo, processos circulatórios atmosféricos e oceânicos, além de atividades biológicas, causaram grandes alterações climáticas de forma abrupta ocorridas no passado, em intervalos de anos ou décadas (Ferreira, 2002, p.8-15).

Ao todo, é conhecido pelos pesquisadores 26 mudanças climáticas repentinas, ocorridas no Pleistoceno Superior, datando de 80 mil e 10 mil anos atrás, configurando-se no período glacial Würm. (Ferreira, 2002). Durante o Quaternário, as glaciações produziram mudanças radicais na geomorfologia do planeta Terra, com a ocorrência em intervalos de tempo considerados muito pequenos, principalmente quando há comparações com a escala geológica. As características climáticas presentes no período do último máximo glacial do planeta, datando de cerca de 18.000 anos, demonstram as grandes diferenças em relação a condição climática atual.

Dentre estas características ou condições climáticas, pode-se citar:  a) existência dos inlandsis Norte-Europeu e Norte-Americano, com o primeiro se estendendo até à Alemanha e recobrindo a maior parte do Reino Unido, e no segundo caso, cobrindo todo o território do Canadá e o Norte dos Estados Unidos; b) a existência de faixas do permafrost à frente dos inlandsis que, na situação específica do continente europeu, alcançou uma largura de aproximadamente 600 km, chegando até o Sul da França; c) decaimento em latitude do limite da floresta, em intervalos de distâncias de várias centenas ou até, de vários milhares de quilômetros, se situando, no caso da Europa, na margem Norte do Mediterrâneo; d) diminuição do nível dos oceanos, na ordem de 130m, apresentando grandes transformações no posicionamento e fisionomia dos litorais terrestres. (Ferreira, 2002).

As condições pluviométricas atuais do vale do São Romão, são influenciadas diretamente por eventos climáticos de ordem sazonal, dentre os quais destacamos: a) Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) sendo originada pelo contato dos ventos alísios de NE e SE atuando entre os meses de fevereiro à abril; b) Vórtices Ciclônicos de Ar Superiores (VCAS) formando-se no oceano Atlântico a partir do mês de novembro. Além destes, cabe destaque também, para os Complexos Convectivos de Mesoescala (CCM) (Lima, 2008).

Nesse sentido, a pluviometria da região (gráfico 1) corresponde as características climáticas atuais, em que os volumes chuvosos e de umidade se concentram-se no período do início do ano, propiciando cerca de 4 meses de chuva (janeiro, fevereiro, março e abril), conhecida regionalmente como quadra chuvosa.

Gráfico 1 – Média pluviométrica da área de estudo

Fonte: Elaborado pelo autor (2023).

As morfologias cársticas em regiões áridas, por não possuírem densa cobertura vegetal e contarem com solos pouco desenvolvidos, possuem o CO2 em quantidade diminuta, limitando o desenvolvimento dessas feições. Ao contrário dessa situação, as condições climáticas e também, hidrológicas da atualidade, não são suficientes para explicar à ocorrência dessas feições (figura 4), o que demanda análises pautadas em climas pretéritos.

Figura 4 – Na imagem A, apresentasse um paredão calcário localizado na vertente ocidental do vale do São Romão. Na imagem B, é evidenciado algumas das formas cársticas presentes no referido paredão, tais como os lapiás em caneluras e os condutos calcários

Fonte: Do autor (2023).

As feições cársticas, tanto exocársticas, quanto endocársticas, tiveram sua gênese, majoritariamente, durante o período Quaternário, iniciado a partir de 1,6 Ma. (Piló, 2000).

Figura 5 – Perspectiva de uma das vertentes com presença de feições cársticas. A letra A apresenta uma visão ampla da vertente. Na imagem B, observa-se a distinção de algumas das morfologias da paisagem, tais como os blocos residuais, lapiás em caneluras, cavernas e paredões calcários

Fonte: Do autor (2023).

Entre as formas cársticas observadas na paisagem, destacam-se os lapiás em caneluras (figura 6), que se configuram como formas oriundas da dissolução da rocha por meio de canaletas paralelas. Estas formas são geralmente acompanhadas por blocos residuais, se constituindo no corpo dos mesmos, verificados em muitos dos lapiás da região.

Figura 6 – Morfologias verificadas na região em apreço. Na imagem A, é apresentado um conduto calcário, medindo cerca de 50 centímetros de diâmetro, localizando-se no interior do paredão calcário, apresentado anteriormente. Na imagem B, é identificado um bloco residual de metacalcário, evidenciando as formas em lapiás em seu topo. Na imagem C, é registrado um dos vários lapiás em caneluras da paisagem, caracterizado pelos sulcos paralelos

Fonte: Do autor (2023).

Os blocos residuais (figura 6, imagem B) são o resultado dos processos de intemperismo, que retiraram por meio da erosão, a cobertura de solo que os recobria em tempos remotos, permitindo assim a sua exumação. (Travassos, 2015) Por fim, destaca-se também a presença de pequenas cavernas, essencialmente na porção das vertentes com angulações mais fortes, como no caso da figura 5, onde se apresenta uma vertente com a presença de 5 pequenas cavernas, com sinais claros de ação da dissolução realizada pela água subsuperficial.

Caracterizando-se como um dos principais produtos de climas antigos, as morfologias cársticas, especialmente o exocárste, possuem sua gênese intrinsecamente ligado a processos morfoclimáticos ocorridos durante o quaternário, em muitas situações, próximas do Holoceno.

No estado do Ceará, as morfologias cársticas são encontradas principalmente em rochas antigas, se destacando assim, o conjunto de metacalcários da formação Frecheirinha, na porção Norte do estado com outro exemplo, se dando na formação Jandaíra, localizada na bacia sedimentar do Apodi.  (Cavalcante e Bastos, 2016).

Dessa forma, se faz necessário diferenciar a idade da estrutura, da idade do referido relevo, uma vez que as feições do relevo foram originadas recentemente, ao longo da era Cenozóica, porém suas estruturas podem datar do Pré-Cambriano, dá ordem de alguns bilhões de anos no passado, até o período Cretáceo, podendo a rocha ser sedimentar ou metamórfica (Ab’Saber, 1970).

No território brasileiro, ocorrem vários exemplos de morros testemunhos ruiniformes que apresentam camadas datando do período Carbonífero e Devoniano. Entretanto, os morros foram produzidos, muitas vezes, no término do Terciário e início do Quaternário, após vários eventos erosivos. Estas litologias podem remontar a períodos com idade de até 300 milhões de anos, enquanto que idade da morfologia, pode se situar entre 1 e 15 milhões de anos (Ab’Saber, 1970).

O clima semiárido atual, predominante no Nordeste brasileiro, se apoia na tese de que a região passou por grandes mudanças no último máximo glacial, há cerca de 18.000 anos antes do presente. Há ainda que se destacar a passagem do período mais úmido na região, entre o Pleistoceno tardio e o Holoceno, remontando há cerca de 10.000 anos, até os 8.000 anos antes do presente. Essa passagem de um clima mais úmido para mais seco permitiu o desenvolvimento da caatinga, em uma região que abrigava corredores úmidos, ligando a Mata Atlântica a Amazônia (Oliveira et al. 2014).

Considerando esta situação, pode-se destacar a proximidade geográfica entre as feições cársticas em estudo e a chapada do Araripe, uma formação sedimentar que se encontra sobre uma camada profunda de um misto de formações sedimentares, tais como a formação Mauriti, Brejo Santo, Missão Velha, Exu e outras (Cordeiro; Cavalcante; Bastos, 2019). Com isso, há uma associação direta (proximidade geográfica) entre a chapada do Araripe e a região do vale do São Romão no âmbito das mudanças climatológicas e vegetacional sofridas na região durante o período quaternário.

No Nordeste brasileiro, o desenvolvimento de morfologias cársticas constituem indicadores confiáveis da atuação de paleoclimas (Vasconcelos et al., 1994). Estas morfologias presentes em ambientes de climas secos, a exemplo das feições identificadas no vale do São Romão, se configuram em importantes indicadores de paleoclimas, sendo, dessa forma, interpretadas como feições herdadas de períodos nos quais a precipitação e umidade eram mais expressivas (Auler; Piló; Saadi; 2005).

Ainda sobre os períodos de oscilações climáticas com grande intensidade pluviométrica, Behling et al. (2000) destaca que, por meio de registros palinológicos encontrados em amostras da plataforma continental do estado do Ceará, que a pluviosidade era consideravelmente mais expressiva entre os períodos de 40, 33 e 24 mil anos A.P, observando ainda que, a maior taxa de precipitação ocorrida no Nordeste brasileiro se deu entre 15.500 e 11.800 anos A.P. Dessa forma, demonstrando que as feições cársticas do Vale do São Romão (figura 5) passaram por seu mais expressivo desenvolvimento durante o Pleistoceno tardio.

A presença de cavernas é um dos grandes indicadores da atuação de paleoclimas na região do vale do São Romão, algo demonstrado por Oliveira (2014), quando aborda os travertinos calcários como um dos principais tipos de registros fossilíferos para a análise e elucidação dos paleoclimas do Quaternário. Além, cabe destacar o importante papel das cavernas como indicador da atuação de processos de dissolução antigos em morfologias cársticas, uma vez que as mesmas necessitam de grandes volumes pluviométricos para seu desenvolvimento, estando mais limitado no âmbito evolutivo em relação as formas superficiais, especialmente no clima semiárido nordestino, onde a precipitação tende a ser rápida e torrencial, geralmente dando espaço para o escoamento superficial, em detrimento do escoamento subterrâneo ou a infiltração.

Tal situação, pode ser verificada no vale do São Romão, que apresenta vertentes íngremes, com grande parte do fluxo hídrico proveniente da chuva, escorrendo rapidamente para os pontos mais baixos, não permitindo uma infiltração e passagem da água da chuva para o setor subterrâneo, pelo menos, não em grande volume.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do que foi discutido, se utilizando a abordagem paleoclimática para entender a gênese e evolução das feições cársticas do vale do São Romão, podemos destacar que a mesma passou por grande evolução durante os últimos milhares de anos do pleistoceno tardio, desse modo, se configurando como o período com mais expressividade climática associado a alta pluviometria e umidade do ar, se traduzindo em maiores e mais intensos processos químicos de dissolução do material rochoso (metacalcário).

O desenvolvimento de feições cársticas no semiárido brasileiro, não corresponde as atuais condições climáticas, entendendo-se, dessa maneira, que estas morfologias tiveram seu ápice de desenvolvimento em condições climáticas mais úmidas, durante o Quaternário e que, tempos depois, graças grandes eventos climáticos, passou a apresentar climas mais secos, com a presença de processos de dissolução mais limitados.

A região do vale do São Romão apresenta características climáticas que não condizem com a formação da morfologia cárstica do local, sendo por isso, atrelada a condições climáticas do passado, especificamente dos eventos climáticos oriundos do Pleistoceno tardio. Por conseguinte, é possível inferir que tanto a formação, como a evolução expressiva destas formas, não se deu em períodos recentes, tampouco no período atual, sendo, portanto, o resultado de eventos paleoclimáticos, como destacado anteriormente, remontando ao pleistoceno tardio, por volta de 15.500 à 11.800 anos AP.

Nesse sentido, nota-se a influência de paleoclimas na construção de feições cársticas sobre os metacalcários da região, visíveis a partir de análises realizadas em âmbito palinológico, na qual se apresentou as características climáticas e vegetacionais predominantes durante os últimos estágios do Pleistoceno tardio e início do Holoceno, em que se observou expressiva abundância pluviométrica e de umidade.

REFERÊNCIAS

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[1] Pós-graduação Stricto Sensu, Lato Sensu, Graduação. ORCID: 0009-0001-8256-3856.

Enviado: 7 de novembro de 2023.

Aprovado: 21 de novembro de 2023.

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Carlos Renir Soares de Araújo

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