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Ragnarök: uma análise do Völuspa e sua influência nas sociedades escandinavas da era Viking

RC: 145182
482
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/filosofia/ragnarok

CONTEÚDO

ARTIGO  ORIGINAL

MORAES, Gerson Leite de [1], LIMA, Victor Ugo Barbosa Coelho de [2]

MORAES, Gerson Leite de. LIMA, Victor Ugo Barbosa Coelho de. Ragnarök: uma análise do Völuspa e sua influência nas sociedades escandinavas da era Viking. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 05, Vol. 02, pp. 27-48. Maio de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/filosofia/ragnarok, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/filosofia/ragnarok

RESUMO

O presente artigo visa analisar o poema da Edda Poética, denominado Völuspa, que trata da origem e do final do mundo na visão dos povos escandinavos da Era Viking, afirmando seus conceitos escatológicos. Desta forma, far-se-á um paralelo entre os eventos ocorridos nesta obra, com as próprias comunidades, buscando pontos que retratem as mesmas, desde sua mentalidade até o seu cotidiano. Alguns pontos serão destacados, como a importância da mulher para as práticas religiosas, a sociedade belicista, voltada para a guerra, bem como a valorização do conhecimento, majoritariamente na figura de Óðinn. Far-se-á o uso de diversas obras além da Edda Poética, bem como serão mobilizados outros autores, abrangendo os campos da Arqueologia e da História.

Palavras-chave: Mitologia, Povos Escandinavos, Völuspa, Ragnarök, Era Viking.

1. INTRODUÇÃO

A Edda Poética, é considerada pela maioria dos acadêmicos que pesquisam a antiga religião da Escandinávia do período conhecido como Era Viking, como o documento basilar para o pleno entendimento da mitologia dos povos que habitaram aquela região. Deve-se delimitar de maneira breve, o período histórico que aqui se fez menção. Este, abrange desde o século VIII, com o ataque ao monastério de Lindisfarne, até meados do século XI, com a morte do Rei norueguês Harald Hardrada, na chamada Batalha de Stamford Bridge, em território da atual Inglaterra.

Explanado o contexto histórico de maneira sintética, passa-se a discutir a Edda, objeto de estudo deste trabalho. Esta, também é conhecida como Codex Regius, escrito durante o século XIII, sem autoria conhecida até os dias atuais.[3] Este texto, contém os mitos fundadores, ou ao menos a interpretação daquele que os transmitiu por meio da palavra escrita. Ele conta desde o início dos tempos até a derradeira batalha final dos deuses escandinavos, conhecida como Ragnarök, termo que será melhor definido no decorrer do presente artigo.

Vale ressaltar que a Edda, também apresenta diversos outros poemas, que tratam da interação dos deuses com seus adoradores, ou seja, os humanos, e entre si, como os diálogos entre Óðinn[4] e Þórr[5], no qual trocam insultos, o que demonstra a personalidade destes. Além disso, se aproximando das sagas nórdicas, os poemas contam ainda as estórias de grandes heróis dos antigos tempos, como é o caso dos feitos do herói Helgi Hjorvathson.

Neste contexto, é necessário um breve comentário sobre a origem da religião escandinava antiga, mais especificamente, sobre suas raízes históricas. Os países do norte, anteriormente à chamada Era Viking, não possuíam uma unificação do ponto de vista cultural ou político. Desta forma, várias religiões eram praticadas, mesmo que com aspectos em comum, não eram idênticas. A mais destacada na época, seria a de matrizes germânicas, isto é, da atual Alemanha e Dinamarca. Ou seja, estas foram as que se difundiram ao longo dos anos na Escandinávia, trazendo consigo seus deuses e matrizes mitológicas, de maneira modificada e adaptada àqueles homens e mulheres que ali habitavam.

Assim, tem-se um entendimento fundamental para se iniciar a discussão que será apresentada no presente artigo. Este, por sua vez, discutirá e analisará o poema denominado de Völuspa, que em tradução livre seria “A Profecia da Völva”, ou “A Profecia da Bruxa”, contendo em seu corpo a história que pode ser denominada como mito fundante, ou seja, aquele que alicerça toda a mitologia ou religião de determinado povo. É no poema Völuspa que aparecem os conceitos de criação e destruição do mundo como se conhece.

Com a exposição e explanação do poema, será feita uma análise sobre os pontos deste, que podem se observar congruentes com os costumes e o cotidiano dos povos escandinavos da época. Dentre os pontos que serão analisados no texto, como reflexo da comunidade, estão, a importância da mulher na mesma, tanto para rituais religiosos, como no aspecto social, a mentalidade belicista da época, e por fim, a fundamentalidade e busca pelo conhecimento e sabedoria em diferentes áreas. A título de exemplo, é possível citar a própria figura da Völva, sendo uma mulher de extrema importância no texto, que expõe ao deus conhecido como Pai de Todos, seu derradeiro futuro, ou até mesmo o próprio evento Ragnarök, e como este é percebido pelo povo da época.

Passando agora à metodologia de pesquisa que será utilizada, ou seja, sua classificação em relação aos seus objetivos, bem como os procedimentos que serão utilizados, pode-se dizer que a mesma será exploratória, isto é, buscará esclarecer aquilo que pertence ao tema, esmiuçando o mesmo e trazendo à tona aspectos ainda possivelmente não explorados de maneira extensiva na esfera acadêmica.

Já no que tangente à maneira de se realizar a mesma, buscar-se-á elaborar uma análise bibliográfica e documental, utilizando-se a tradução da Edda Poética, do filólogo Jackson Crawford, bem com obras literárias de arqueólogos e historiadores, como é o caso de Neil Price, Else Roesdahl, Kristen Wolf.

Desta forma, esclarecidos os procedimentos metodológicos, bem como uma visão geral do que será abordado no presente trabalho, passa-se à discussão do texto originário em si. Posteriormente, analisar-se-á os aspectos deste, na sociedade escandinava da Era Viking, passando-se por três pontos principais trazidos pela Edda, bem como outros textos complementares.

2. VÖLUSPA (“A PROFECIA DA VÖLVA” OU “A PROFECIA DA BRUXA”)

Como dito anteriormente, o texto poético Völuspa, pertence ao conjunto denominado Edda Poética, que por sua vez é conhecido também como Codex Regius e trata-se do documento mais antigo relativo à Era Viking. Desta forma, observa-se que é necessário, de maneira preliminar, um breve comentário sobre este documento, uma vez que possui fundamental importância para o pleno entendimento do poema que irá ser esmiuçado a seguir.

Este compêndio de textos datado do século XIII, sem autoria conhecida, narra diversas estórias, desde as relacionadas à antiga religião escandinava, até a saga de heróis, muitas vezes misturando ficção e realidade, relativo a fatos ocorridos durante a Era Viking. Esta coletânea é fonte primária, inclusive, para outro importante documento que se tem conhecimento hoje, a Edda em Prosa, escrita por Snorri Sturluson, historiador e escritor islandês.

O Codex Regius, todavia, deve-se alertar, não possui uma data específica de escrita, o que torna sua redação tendenciosa. Isto se deve pois ao fato de que ao se tratar da religião antiga da Escandinávia, os autores podem ter realizado isso com olhar cristão, buscando associar estas antigas práticas a um modo de vida bárbaro, e sem civilidade de modo geral. Lembra-se aqui que a conversão da Escandinávia, mais especificamente do reino da Noruega, ocorre na segunda metade do século X, isto significa que textos que possivelmente foram escritos durante o período, podem possuir a intencionalidade de guiar o leitor para o pensamento acima descrito.

Todavia, mesmo com esta vertente mencionada, a Edda Poética possui traços congruentes com as sociedades escandinavas da Era Viking, como se pode comprovar, não somente através de achados arqueológicos, mas igualmente em fontes escritas, como é o caso das poesias escaldas, e até mesmo das chamadas Runestones[6]. Além destes traços convergentes, ainda na própria Idade Média, é possível a comprovação de relatos e registros plausíveis e que condizem com o pensamento religioso principalmente, quanto se volta para outras crenças, tanto anteriores como contemporâneas a estas, como no caso de diversas tribos germânicas que ocupavam seu lugar no Império Romano da Antiguidade Clássica, e até mesmo o que se desenvolveu nos povos eslavos, denominados de Rus, que por sua vez descendem daqueles presentes na Suécia e Finlândia.

Esclarecidos estes pontos em relação a autenticidade do documento que aqui se analisa, deve-se em linhas gerais, apresentar alguns dos mais importantes textos contidos no mesmo, para que em seguida se faça a análise do Völuspa, cerne deste artigo, e incluso no grupo de versos fundamentais do documento. Observa-se a importância desta introdução, principalmente para que se possa compreender algumas características, tanto das estórias como de seus personagens, majoritariamente deuses.

Iniciando com aqueles que referem à religião, deve-se citar o chamado Hávamál, ou em tradução livre, As Palavras do Alto Deus. Este deus que se apresenta, seria Óðinn, considerado como o líder de todos os residentes de Ásgarðr[7]. Neste poema, este deus aconselha em diversos aspectos, aqueles que o acolhem na Terra. Aqui também é descrito, de maneira vaga e genérica, uma possível aparência sua, ou ao menos como ele se apresentaria aos seus devotos e moradores de Midgard. Ele é descrito como um homem de barba e cabelos longos e brancos, que usaria um capuz ou chapéu. Mantendo assim a imagem de homem misterioso e sábio, principalmente pela sua imagem de um homem mais velho.

Outro texto poético de grande interesse e importância para se compreender a Edda Poética, é o chamado Harbarthsljoth. Este, apresenta uma forma de competição de insultos entre os deuses Óðinn e Þórr, respectivamente pai e filho. Por mais que seja uma situação trivial, demonstra algo não muito mencionado e imaginado ao se tratar dos escandinavos da Era Viking, isto é, sua inteligência e sabedoria. Ao se digladiarem com palavras, ambos os deuses demonstram grande conhecimento um do outro, bem como apresentam o que era mais valioso para cada um, seus feitos mais grandiosos, comprovando a necessidade de glória e reconhecimento por parte das divindades.

Agora, de maneira sintética, uma vez que o presente artigo visa um olhar da história sobre os textos de caráter mitológico e religioso, dissertar-se-á sobre aqueles que abrangem os heróis. Em sua grande maioria, tratam de estórias envolvendo três temas centrais, sendo a família, vingança e conquistas. Estes seriam congruentes, inclusive, com o que se observa nos textos que tratam sobre os deuses, caso do Thrymskvitha, onde Þórr mata inúmeros jötnar[8] devido ao furto de Mjöllnir[9], bem como servem de alegoria para o caráter belicista da sociedade escandinava da época. Ou seja, concluindo então esta preliminar análise, percebe-se que tanto quanto os humanos, os deuses possuem características comuns, e que, como se observará adiante, estão presentes no Völuspa.

O Völuspa trata do início e fim do mundo pela visão das religiões escandinavas antigas, sob a forma de verso. Tais fatos são contados por meio de uma Völva, que fora convocada por Óðinn para lhe apresentar tal conhecimento, algo que inclusive é exposto na primeira stanza[10] deste. Iniciando pela citação do que se conhece como Ginnungagap, que não fora descrito no texto, e somente receberia uma definição na denominada Edda em Prosa. Esta, por sua vez, entende que o local mencionado estaria relacionado aos primórdios do mundo, onde os dois reinos pré-existentes se encontram, a saber, Niflheim e Muspellzheimr.[11]

No Völuspa, não existe uma menção específica sobre como ocorrera a criação do mundo, mas somente que os deuses, dentre eles Óðinn¸ o fizeram, juntos. Existe, todavia, algumas das atitudes dos mesmos, como o caso de nomear os astros, Sol e Lua, as estrelas, criar e separar o próprio tempo, por exemplo. Além disso, ainda é citado o local denominado como Iðavöllr, que seria uma espécie de ponto de encontro dos deuses, todavia, não existe uma descrição substancial sobre o mesmo, somente que as entidades se reuniam ali e organizavam atividades voltadas ao lazer.

Ainda na stanza 8, citam-se 3 gigantes provindas de Jötunheim. Estas seriam, como se apresentam nas stanzas 19 e 20, as chamadas Nornir, sendo estas três figuras femininas que tecem o destino de cada ser, seja humano ou um deus. Elas se localizam no chamado Urðarbrunnr, (Poço do Destino), e possuem cada uma, a função de traçar um momento temporal, sendo Urðr responsável pelo passado, Verðandi pelo presente, e Skuld pelo futuro. Estas, inclusive, também preveem o advento do Ragnarök.

Durante as stanzas 9 a 16, apresenta-se a criação dos denominados anões, cuja origem é vinculada ao sangue de Ymir[12], o gigante primordial e um dos primeiros seres do mundo. Inúmeros nomes são apresentados, bem como diversas linhagens de anões e famílias, formando-se assim uma nova raça de seres por completo. Vale dissertar aqui, que estes seriam conhecidos por suas habilidades inigualáveis no que tange a forja de armaduras e armamentos, principalmente para os deuses, sendo as mais famosas de suas armas provenientes dos anões, como Mjöllnir e Gungnir[13].

Introduzida a diferente raça, desenvolve-se em seguida, a criação dos seres humanos em Midgard. Esta ocorre, com a chegada de três deuses ao reino dos homens, sendo eles Óðinn, Hœnir e Lóðurr[14], onde cada um deles, respectivamente, concede aos dois primeiros humanos, Ask e Embla, respiração, alma e pelos conjuntamente com feições humanas. Assim como na Edda Poética, a prosaica descreve tais eventos de maneira similar, somente acrescentando que aqueles teriam sido originados pelos deuses através de árvores.

Nas stanzas que se seguem, é narrado como ocorre a primeira grande guerra do mundo, e sua motivação. Inicialmente, descreve-se a chegada de uma deusa denominada Gullveig, um ser cujas origens, pelo que se trata no texto poético, seria um Vanir[15]. Aparentemente ela possui boas intenções, todavia provou-se ser descendente de uma família amaldiçoada. Os Æsir[16] decidem matar a feiticeira, como a chamam, utilizando-se de perfuração por lanças, mas acabam decidindo atear-lhe fogo. Incendeiam-na por três vezes, todavia a mesma volta à vida em todas elas, o que força os deuses a se reunirem. Nesta reunião, fica decidido, principalmente por Óðinn, que buscariam vingança pela presença da entidade em seu reino, o que inicia o conflito entre os deuses Æsir e Vanir. No entanto, tal conflito, como se constata na Edda, é solucionado de maneira harmoniosa, acordando-se uma paz que duraria até o fim dos tempos.

Terminada a narração do conflito acima explicitado, passa-se à discussão de um aspecto fundamental para o que se busca analisar no presente artigo, a sabedoria. Voltando ao relato, pode-se dizer que a vidente cita que sabe onde o olho de Óðinn está, tendo a ciência de seu sacrifício, mencionando o local conhecido como Mímisbrunnr, traduzido de maneira livre como Poço de Mímir[17], local onde o mesmo residiria. Esta passagem comprova um traço da personalidade do deus conhecido como Pai de Todos, muito importante para o entendimento da sociedade escandinava, a saber, a busca pelo conhecimento.

No evento aludido acima, o deus sacrifica um olho, não sendo especificado se direito ou esquerdo, para que possa beber as águas do Poço de Mímir, que garantiria ao mesmo conhecimento abrangente sobre diversos temas que lhe fossem de interesse. Outro fato que deve ser citado, é a menção da Völur de que Mímir podia beber daquele local sagrado a todo momento, o que por consequência, é uma afirmação de que o mesmo seria um homem de grande conhecimento, sendo admitido por vários estudiosos como um dos mais sábios dos Nove Reinos, inclusive fato que é citado na Edda em Prosa.

Posteriormente na stanza 30, a vidente apresenta criaturas muito conhecidas e importantes para os eventos que se seguirão, majoritariamente o Ragnarök. As Valkyrjur, traduzido como Valquírias, são, em síntese, um grupo de mulheres representadas como guerreiras, que a serviço de Óðinn, coletam os mortos em batalha para a formação do exército do mesmo quando o final dos tempos chegar. Estes, situar-se-iam no grande salão chamado de Valhöll, traduzido como Valhalla, no reino de Ásgard, onde batalhariam todos os dias como forma de treinamento para o evento supramencionado.

A partir da stanza 31, a Edda inicia os contos que precedem o Ragnarök, iniciando com o mais importante deles, a menção à morte de Baldr. Inicia dizendo que este é uma vítima de um fato terrível, e logo em seguida apresenta o visco, objeto responsável pela sua morte. Esta planta inofensiva seria utilizada por Höðr, irmão cego do deus assassinado, mantido em erro por Loki[18], para ceifar a vida daquele. Tal fato, de acordo com os ditos da Edda em Prosa, desencadeia o chamado Fimbulvetr, um inverno que perdura três anos, e quando chega ao fim, inicia-se o destino derradeiro dos deuses.

Durante estas passagens, apresenta-se a dor sentida pela esposa de Óðinn, Frigg, bem como a captura do deus responsável pela morte acima mencionada, Loki. Este por sua vez, é preso, sendo seu destino, conforme a Edda em Prosa, ser liberto e liderar a batalha final contra as entidades de Ásgarðr. Além disso, na stanza 34, é mencionado que ao lado do deus traidor, estava sua esposa, Sigyn, que, por mais que o acompanhasse, não se sentia realizada neste feito. Nada mais se sabe sobre esta figura, sendo sua principal passagem nos textos antigos, a recém apresentada.

Posteriormente, o poema descreve diversos lugares e seres que não necessariamente tem correlação com os eventos que virão no futuro. Dito isso, passa-se a apresentar de maneira sucinta tais menções. A primeira delas seria Sliðr, um rio repleto de espadas, ou seja, um rio armado. Em seguida, cita de maneira breve, sem maior profundidade, um salão banhado a ouro, situado no topo de Ókolnir, que pertence ao ser chamado de Brimir. Por fim, a vidente em seu relato, diz observar um outro salão, onde o Sol não pode ser visto, e revestido por serpentes, próximo a uma praia de corpos. Diz ainda que deste local, originar-se-ia um derrame de veneno, e Niðhöggr[19], se alimentaria dos que fossem enviados ao local, sendo somente seres marginalizados na sociedade, como os que não cumprem seus votos, adúlteros e criminosos diversos.

Nas stanzas seguintes, cita-se uma figura importante para o Ragnarök, o lobo que é possível identificar como Hati, aquele que comerá a Lua, guiada pelo deus Mani no evento citado, visto ser o único canino citado nos documentos originais que possui relação com este astro. Em seguida, diz a Völur, que muitos homens se sacrificam ao lobo, e, consequentemente, o céu de Ásgarðr se torna vermelho, o Sol escurece, e a alegria desaparece daquele reino. Cita ainda um jötun chamado de Eggþér, que tocava harpa em conjunto com seu galo vermelho, Fjalarr. O primeiro é descrito, na Edda em Prosa, como um protetor dos jötnar, que habitavam o local conhecido como Járnviðr, conhecido como Floresta de Ferro, local inclusive onde a criatura primeiramente citada neste parágrafo reside. Por fim, outro galo é mencionado, sendo seu nome Gullinkambi, que acordara os einherjar[20], para sua guerra derradeira.

A partir da stanza 43, os eventos imediatamente anteriores ao Raganrök, bem como o próprio, começam a se revelar, iniciando com o que acontecerá de forma geral, dizendo que irmãos se enfrentarão, promessas serão quebradas, o mundo se tornará um local sem confiança e paz, onde ninguém confiará no seu próximo. Cita os uivados de Fenrir[21] nos portões de Hel[22]. Então, se inicia a derradeira batalha dos deuses, ao som da chamada Gjallarhorn, tocada pelo deus e vigia de Ásgarðr, Heimdall. Ao mesmo tempo, é citado que Óðinn vai ao encontro de Mimir, ou seja, dirige-se às raízes de Yggdrasill, que por sua vez treme com o início do fim.

Inicia-se a descrição dos jötnar se preparando para a guerra, primeiramente com a descrição de Hrymir, que empunha um escudo e provém da região leste. Em seguida cita-se Jörmungandr, a serpente residente em Midgard, sendo seu tamanho o equivalente à circunferência da Terra, visto que envolve a mesma, que ao se movimentar com grande raiva causará imensas ondas. Inclusive, deve-se apresentar aqui ainda, que o grande réptil mencionado, é um dos filhos do deus Loki. Outra criatura citada, seria a águia que se localiza, de acordo com as Eddas, no fim do mundo, chamada Hræsvelgr, cuja tradução seria “aquela que come corpos”, e a mesma estaria gritando ao início da batalha.

Importante aqui notar a última menção do exército que enfrentaria os deuses, o navio Naglfar, comandado por Loki, e de acordo com a Edda em Prosa, que apresenta mais detalhes sobre o evento, o mesmo estaria sendo tripulado pelos muspellz, ou seja, aqueles que habitam o reino de chamas, cujo seu líder seria Surtr, que inclusive se dirige à batalha, destruindo o que está à sua frente, até mesmo montanhas. Deve-se dizer aqui, que o grande lobo Fenrir, acompanha a embarcação durante a invasão.

Por fim, os deuses se reúnem, tanto Æsir quanto Vanir, em preparação para o combate que virá. Então, se descreve de maneira muito clara algumas batalhas ocorridas, principalmente as que envolvem os deuses principais desta religião. A primeira delas seria quando Óðinn enfrenta Fenrir e padece para o mesmo, ocasionando o luto de sua esposa Frigg pela segunda vez. Todavia, logo em seguida, seu filho Víðarr o vinga, matando o gigante com uma espada cravada em sua mandíbula.

Por fim, narra-se a luta entre Þórr e Jörmungandr, que se observa fundamental, uma vez que devido à ferocidade de ambos os combatentes, Midgard é destruída, causando a morte de todos os homens. O deus consegue terminar vitorioso, matando seu adversário, todavia sendo envenenado pelo mesmo no processo, e vindo a falecer após a caminhada de nove passos. Assim, os reinos conhecidos são dizimados, sendo a Terra submersa, o céu escurecido e as estrelas caindo, culminando para o golpe final de Surtr, que destrói tudo o que se conhecia até então.

Como isso, chega-se ao final do Ragnarök[23], entretanto, o poema apresenta alguns sobreviventes da catástrofe, do destino dos deuses. Baldr volta à vida, e reina juntamente com seu irmão Höðr, que tirou sua vida, em um local chamado Iðavöllr, campo onde os deuses iniciaram o mundo. Outro local citado por fim, é o chamado Gimlé, banhado a ouro, onde a humanidade residirá e prosperará.

Terminado assim a apresentação e explanação do poema, passa-se para a interligação e análise do mesmo com a Era Viking e seu povo, e quais aspectos podem ser observados do texto na sociedade da época.

3. VÖLVA, GUERRA E SABEDORIA

O presente tópico visa o entendimento de aspectos apresentados no poema anteriormente descrito de forma breve, com a utilização de três tópicos como referência. A Völur, ou Völva para exemplificar o papel da mulher, e a importância dela para as comunidades escandinavas. A guerra, contida no evento Ragnarök, e a fundamentalidade da mesma para a manutenção de poder, e até mesmo do ponto de vista religioso, onde se percebe uma valorização da atividade bélica. Por fim, o princípio da sabedoria, tema central do Völuspa, visto que Óðinn somente busca a vidente narradora, para que possa obter o conhecimento do início e do fim dos tempos.

Iniciando pelo papel da mulher no contexto escandinavo da Era Viking, pode-se afirmar que além dos desígnios sociais pertinentes a uma sociedade majoritariamente masculina, as mulheres tinham um papel de relevância. Dentre eles, conforme Else Roesdahl afirma em sua obra The Vikings, quando da ausência de seu marido, ou do homem chefe da casa, as mulheres passavam a ser detentoras de todo o poder naquele ambiente. Todavia, por mais que este poder pareça um desígnio pequeno, outros não o eram, como é o caso da possibilidade do divórcio e até mesmo da capacidade de pertencer à linha sucessória do sistema político, ou seja, além de poderem assumir um cargo de líder de Estado, seus herdeiros poderiam reivindicá-lo por descendência materna.

Além disso, as mulheres ainda possuíam importância na vida religiosa das comunidades. Como dito, por mais que existisse uma predominância masculina, quando se tratava de oferendas ligadas à vida doméstica, a grande maioria dos participantes eram mulheres, o que para uma sociedade majoritariamente de produção agrícola, possui essencialidade patente para sua manutenção. Todavia, sua participação no âmbito religioso, não se restringia somente a tais atos com viés comemorativo e restrito.

Existem evidências arqueológicas, majoritariamente relacionadas a artefatos encontrados em covas e túmulos de mulheres que mostram aspectos importantes da vida das mulheres naquelas sociedades. Como tradição da Era Viking, conforme disserta Neil Price, as pessoas eram enterradas com seus pertences, e estes, de modo geral, revelavam a posição social do indivíduo. Ou seja, algumas mulheres, foram encontradas com artefatos que remontariam a varinhas, ou cajados, como é o exemplo citado pelo autor, da sepultura de Ballateare, em Balladoole, na Ilha de Man. Estas, conforme atesta o Museu Nacional da Dinamarca, poderiam representar a função de vidente, função importante do sistema religioso da época.

As mulheres podiam possuir posição social de destaque, o que pode ser comprovado arqueologicamente, além das fontes escritas, como é o caso do poema aqui sob análise. Neste, apresenta-se a figura de fundamentalidade para a estruturação do mundo na religião escandinava antiga. Exemplos destes seres, além da Völva, personagem central da narrativa, existem as chamadas Nornir, três mulheres que tecem e controlam, com determinados limites, o tempo, seja passado, presente ou futuro, sendo responsáveis por profecias referentes ao próprio Óðinn.

Deve-se por fim, apresentar, para enfatização da relevância da mulher nas comunidades do norte europeu, o que se chama de seðir. Esta seria, de acordo com Simek, em sua obra Dictionary Of Northen Mythology, um tipo de magia negra que somente mulheres poderiam utilizar e controlar, vide que esta, de maneira geral, iria contra as atitudes esperadas de um homem. Todavia, fora utilizada por Óðinn, numa situação em que foi obrigado a trajar-se com vestimentas femininas, pois somente assim conseguiria expor uma essência do mesmo gênero, para efetivação daquela.

Neil Price, disserta sobre o assunto, em sua obra, Vikings: A História Definitiva dos Povos do Norte, principalmente sobre as conclusões do ponto de vista arqueológico em relação a figura da Völva, e sua definição de gênero.

Provavelmente existe a possibilidade de rastrear esses tipos de pessoas na arqueologia, como nos mais de cinquenta túmulos contendo cajados de metal muito semelhantes às descrições que as sagas fazem do principal atributo de uma feiticeira, consagrado até mesmo em nome do tipo mais comum de mulher que usava magia – a Völva, ou “portadora doo cajado”. Determinou-se que as pessoas enterradas nessas sepulturas são mulheres, por causa das problemáticas associações artefatuais mencionadas anteriormente, e sem dúvida os corpos usam roupas femininas “convencionais” da Era Viking. (PRICE, 2021, p. 240)

Ou seja, conclui-se, ao menos no que tange às mulheres, ainda que prevalecesse uma sociedade com domínio masculino, os escandinavos prezavam muito o feminino. Isto, portanto, encaminhava aos cidadãos da época, a vislumbrarem em seus deuses e criaturas, bem como nas práticas religiosas de maneira ampla, as mulheres como figuras, quando não centrais, fundamentais para o funcionamento do mundo como um todo.

Passa-se agora, para a análise do aspecto guerreiro nas sociedades escandinavas. Como se observa no poema supra apresentado, o derradeiro destino dos deuses nórdicos, é uma grande batalha que resultará na morte da grande maioria deles, bem como de toda a humanidade. Pode-se afirmar, portanto, que há uma mentalidade voltada para um belicismo exacerbado, que é enaltecido nos textos que narram suas façanhas. Achados arqueológicos e até mesmo outras fontes escritas, tanto dos próprios escandinavos, quanto dos seus adversários ao longo dos anos mostram como a guerra era algo supervalorizado naquele ambiente. Tais sociedades, possuíam como uma de suas principais atividades, as chamadas incursões, isto é, invasões a outras cidades e muitas vezes a outros povos, como se observa majoritariamente no ocorrido nas Ilhas Britânicas.

Desta forma percebe-se, como é mencionado pela historiadora Kristen Wolf, que a prática de incursões e guerras, era algo natural da época, e até mesmo visto como uma extensão em suas atividades internas primárias, sendo relacionadas ao comércio, e até mesmo como uma forma de se aventurar em terras diversas e ensinar aos jovens daquelas comunidades determinadas habilidades. Acrescenta-se ainda, que sua fama fora concretizada na sociedade europeia ocidental, em decorrência de tais práticas, onde o marco inicial, – não que esta tenha sido o primeiro saque realizado, mas com certeza foi o mais notório para a época, – a invasão do monastério de Lindisfarne.

Em relação ao ponto citado acima, e que deve ser analisado de maneira mais aprofundada, seria o que relaciona a guerra à fama. Esta, de acordo com Neil Price, estava igualmente relacionada ao seu status social, ou seja, se o indivíduo seria benquisto em seu meio, se seria visto como uma lenda ou até mesmo um herói. A fama está associada à ascensão dos nobres da época, em decorrência desta mentalidade voltada a guerra. A importância vislumbrada na guerra pode ser vista, nas chamadas Runestones, na qual muitos feitos narrados são voltados a guerras, citando a título de exemplo, a estela Karlevi, inscrição rúnica da Suécia, que fora construída em homenagem a um nobre dinamarquês falecido em uma batalha.

Guerra e fama são elementos associados na cultura viking.

As violentas incursões vikings não serviam apenas para recompensa material, uma questão de saques e pilhagens. Em uma cultura que privilegia a fama, as façanhas corajosas e realizações demonstráveis, ofereciam também oportunidades para obter tudo isso. Como afirmou um estudioso acadêmico: O ato de adquirir prata era tão importante quanto a prata em si. (PRICE, 2021, pp. 323-324)

Vale o destaque igualmente, que dentro do que se denomina fama, existe um caráter que extrapola a mera batalha, ou incursão como antes exposto. Como se tem conhecimento, os povos escandinavos possuíam intenções expansionistas, chegando a conquistar cidades e criar assentamentos, desde a Britânia, até mesmo a chamada Vinlândia, na América do Norte. Indo além, estas comunidades fundaram cidades de suma importância, como o caso de Kiev no leste europeu. Ou seja, a fama vinha através não somente da batalha para fins econômicos, mas igualmente visava a descoberta de novos lugares e conquista por parte dos mesmos.

Todavia, esta mentalidade belicista, também apresenta um viés religioso, sendo a fonte que fundamenta esta afirmação, os próprios textos das Eddas e poemas escaldos, como é o caso do Völuspa, mesmo que de maneira implícita. Conforme estes, os guerreiros de Óðinn eram selecionados entre os mortos em batalhas, pelas chamadas Valkyrjur, e levados ao grande salão Valhöll. Ou seja, para um escandinavo, que dedicava sua vida a batalhas, a morte seria somente uma passagem para se tornar um servo mais próximo e leal do seu deus maior, e estar ao seu lado no Ragnarök.

Outro fator interessante, e igualmente ligado à religião, é a figura do berserkr, em sua forma plural berserkir. Estes eram, em síntese, considerados como guerreiros, que em batalha seriam ferozes como ursos, e utilizariam até mesmo peles do animal, visando obter a força dos mesmos. Alguns estudiosos, dentre eles, Neil Price, também apontam para a nomenclatura destes estar relacionada aos rituais realizados anteriormente a um confronto. Um fato notório destes homens, seria a sua ligação com o deus Óðinn, uma vez que a mais explícita citação de sua existência, conforme a chamada Ynglinga saga, narra o comportamento dos mesmos, lutando sem armaduras, e não sendo atingidos por nenhum tipo de arma, sendo sua fúria igual a dos lobos.

Neste contexto, pode-se afirmar então que a guerra e o pensamento bélico, bem como uma sociedade marcializada e com ideologias de expansão, são reflexos, tanto de uma política que procurava a ascensão e glória de seu povo, como de suas crenças, havendo entre elas uma relação de reciprocidade. Assim, entende-se que há um laço, intrínseco e inseparável entre estas instituições na sociedade escandinava.

Por fim, apresenta-se um ponto de suma importância, e que se relaciona em certos aspectos com o apresentado acima, principalmente no que tange ao comércio e as ideologias expansionistas da época. Este seria a importância do conhecimento para tais comunidades, algo que inclusive fundamenta o Völuspa, visto que Óðinn, ao se comunicar com a Völva ressuscitada, somente busca entender o início do mundo e o que acontecerá no fim, para que se prepare e compreenda melhor os sinais e os acontecimentos.

Esta busca e utilização do conhecimento, é patente na sociedade escandinava da Era Viking, em muitos aspectos, destacando-se aqui, todavia, a vertente militar, e a prática do mesmo, bem como no que tange à organização social. Iniciando por este último ponto, pode ser percebido, principalmente quanto à capacidade de leitura e conhecimento do alfabeto rúnico da época. Vale lembrar que o mesmo somente era conhecido, de acordo com a escritora Else Roesdahl, ao menos durante o início deste período, pela aristocracia, pela alta classe social, ou seja, aqueles que, de certa forma organizavam e controlavam setores fundamentais da comunidade.

Deve-se, no entanto, explanar aqui, que este monopólio de conhecimento somente era observado nos grandes centros urbanos, vide que, em cidadelas, sejam litorâneas ou interioranas, a necessidade de organizar o local recaía sobre a população de modo geral, estes sabiam ler e escrever de maneira mais abrangente. Todavia, mesmo assim, ainda é possível entender a importância do conhecimento em relação às estruturas de poder. Vale ressaltar ainda, que muitas runas, sejam escritas em palavras ou individualmente como mera representação de algo, foram encontradas ao longo da História em vários objetos, inclusive em ambientes mais urbanizados, todavia, pela simplicidade de seu uso, entende-se o monopólio acima mencionado.

Tal assumpção é inclusive, encontrada, de maneira sucinta, no texto da historiadora Else Roesdahl, conforme trecho transcrito abaixo.

Muitos dentre a alta classe foram capazes de ler runas julgando pelo número de inscrições em pedra que intentaram a ser vistos e lidos, mas runas também surgiram em todos os tipos de objetos de madeira ou osso, quando podiam ser talhados ou esculpidos – em navios, maçanetas, túmulos, broches, teares e pentes. Geralmente elas apresentavam o nome do dono ou somente anotações. Algumas inscrições talvez contivessem fórmulas relacionadas a magia, mas isto comumente é presumido, simplesmente pois as runas não puderam ser compreendidas.” (ROESDAHL, 2016, p. 52)[24]

Um ponto de grande interesse, principalmente quando se apresenta as runas relacionadas a inscrições mágicas, e práticas de magia em geral, seria a passagem do poema Hávamal. Este, como já mencionado, pode ser descrito como ensinamentos e conselhos do deus Óðinn, e dentre eles, o mesmo cita, a partir da stanza 138, como tomou conhecimento das runas e o quão importante fora para seu conhecimento relacionado a práticas de magia. Além disso, algo muito importante em sua descrição, é o sacrifício realizado pelo mesmo, no qual há um autossacrifício, em nome próprio, para obter tal aprendizado. Ou seja, do ponto de vista religioso, até mesmo a morte é irrelevante para a obtenção do saber.

No quesito praticidade, no sentido amplo, deve-se apresentar de maneira extensiva, a manufatura. Esta possuía fundamentalidade para esta sociedade, uma vez que tais povos eram majoritariamente comerciantes, inclusive mantendo tais atividades com diversas outras civilizações, desde os saxões até mesmo os moradores de Constantinopla. Desta forma, haveria a necessidade de um conhecimento amplo sobre a manufatura de objetos, desde a construção de navios até o uso da cerâmica.

Os produtos confeccionados eram diversos, desde aqueles provindos da caça e agricultura, como é o exemplo de roupas, até os produzidos a partir de metais, como é o exemplo das joias e armamentos. Estes últimos, ressalta Kristen Wolf, eram manufaturados com adornos de alto padrão e complexidade. Inclusive, vale a menção do destaque de espadas, majoritariamente, produzidas pelos escandinavos, sendo consideradas na época como uma das melhores à disposição.

Passa-se agora a um dos elementos mais importantes da Era Viking quando se trata de conhecimento e tecnologia, a saber, as embarcações. Estas eram realizadas de maneira primorosa, não havendo níveis de comparação com a produção de outros grupos sociais. Os navios escandinavos eram extremamente versáteis, podendo ser utilizados, desde o comércio até invasões, sendo adaptáveis a mares, rios, águas profundas ou rasas. Ponto que, de acordo com o arqueólogo Neil Price, fez a diferença primária na navegação para os nórdicos, inclusive com a utilização inédita das velas nos navios.

Estas velas, como o autor menciona, servem para, além da melhora substancial na velocidade do meio de transporte, igualmente melhoram a manobrabilidade do navio, tornando-o mais simples de manusear. As velas, não eram utilizadas somente em navios destinados ao comércio, mas igualmente naqueles cujo objetivo eram as incursões, tendo assim um aparato diverso em seu uso, vide que os primeiros seriam embarcações maiores e mais largas, enquanto os segundos, inclusive justificado pelo objetivo de seu uso, eram mais estreitos e menores.

Todavia, a utilização de velas não fora o único motivo do sucesso das navegações dos povos escandinavos, mas igualmente a maneira com que os navios foram desenhados, pensados e produzidos. A madeira utilizada na produção era especial para este tipo meio de transporte, os modelos eram simétricos, aqueles destinados à guerra, eram mais leves e ágeis, com cascos menores, no sentido de serem menos profundos. Outro ponto era a facilidade em levantar e descer a vela destes últimos, sendo útil para manobras que requeriam velocidade. Estas embarcações eram de tamanha eficácia que funcionaram como inspiração para diversos outros povos, como é o caso dos Normandos, que utilizaram modelos próximos aos escandinavos. Ou seja, por mais que algumas das técnicas utilizadas pelos escandinavos já houvessem sido inventadas, sua busca por melhora, conseguiu transformá-las de maneira positiva e garantiu que estas sociedades alcançassem grande êxito.

Por fim, deve-se falar sobre o conhecimento envolvido na guerra, enaltecendo a cultura belicista durante a Era Viking. Focar-se-á aqui, no aspecto das invasões marítimas, visto ser o ponto de maior sucesso destas sociedades durante o período. Estas eram realizadas desde antes do século VIII, todavia, fora a partir deste momento que, devido a questões políticas e econômicas, os daneses (grupo étnico germânico da Escandinávia) iniciam um aumento nestas incursões.

Isto ocorre, utilizando-se de duas técnicas primárias, a escolha do alvo, bem como o método de ataque. O primeiro, fora concebido, uma vez que, antes das invasões, os escandinavos realizavam comércio com os locais que futuramente atacariam, como é o caso de Lindisfarne, por exemplo. Desta forma, puderam perceber que em muitos destes, principalmente os locais com presença religiosa forte, como o mencionado, não haveria fortificações e nem sequer defesas.

Portanto, conseguiriam invadir sem que encontrassem resistência, ou se houvesse, seria irrisória em comparação ao número de soldados. Outro ponto que fora observado, seria a quantidade de riquezas que monastérios, por exemplo, continham em sua propriedade. Ou seja, durante anos analisando através do comércio, os daneses conseguiram identificar os alvos mais fracos de diversos lugares, como por exemplo, Britânia e Francia, e invadi-los.

Em segundo lugar, as estratégias utilizadas, seriam ataques com grande rapidez e brutalidade. Em sua grande maioria, estas incursões ocorriam com navios menores, em comparação a cargueiros, voltados para transporte de mercadorias, sendo mais rápidos e não perceptíveis como perigosos por muitos povos que viriam a sofrer os ataques. Desta forma, os invasores conseguiriam aportar e zarpar com velocidade, ocasionando ataques muito difíceis de serem parados, pois não haveria tempo hábil para, por exemplo, requisitar reforços.

Algo que deve ser citado, e fora de suma importância para o sucesso destas incursões, é a violência empregada nos ataques. Em diversos relatos, de saxões a francos, os homens do norte são sempre descritos como brutais, matando civis, e até mesmo ocasionando massacres de camponeses, conjuntamente com padres e outros membros da Igreja. Ou seja, a brutalidade com que os daneses realizavam suas invasões, causava medo, fator que igualmente dificultava a resistência. Inclusive, muitos religiosos em suas descrições, colocam estes homens como criaturas malignas, que trazem o caos e a morte.

Desta forma, percebe-se, com todo o explanado e apresentado até aqui, que o conhecimento fora parte fundamental para o sucesso dos homens do norte durante a Era Viking. Tal conhecimento era utilizado das mais diversas formas, desde a compreensão da linguagem e escrita, até a construção de navios e produção de mercadorias, abrangendo inclusive a visão militarista da época, com táticas de batalha e invasão.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi apresentado até o presente momento, pode-se observar de maneira clara, como o Völuspa, um dos mais importantes textos da Escandinávia durante a Era Viking, influência e retrata as comunidades daquela região. Claramente existem vários aspectos que se relacionam com a realidade vivida por tais sociedades, todavia, aqui apresentou-se os mais importantes em seus registros escritos.

A participação da mulher era de grande relevância para o funcionamento das estruturas sociais, mesmo em se tratando de comunidades patriarcais. Isto pois, o feminino era valorizado, e necessário, por exemplo, para a prática de certos rituais para a proteção das casas, e até mesmo, no que tange ao observado seðir. Além disso, conforme explicitado, os direitos das mesmas eram mais reconhecidos do que em outros locais da Europa medieval, como o direito ao divórcio, a herança e a hereditariedade real.

Outro ponto tratado, que confirma uma das hipóteses do presente trabalho, é o belicismo desta sociedade. Conforme exposto, os escandinavos possuíam, de certa forma, um regime sócio-político belicista, marcial. Neste sentido, era comum o fomento ao conflito e às guerras, o que se reflete em suas práticas religiosas, bem como nas crenças em si. A título de exemplo, a ausência de medo, ou ao menos algo reduzido em relação a este sentimento, tinha raízes na crença de que o morto em batalha, o bom guerreiro, iria lutar ao lado do deus maior, Óðinn, e auxiliá-lo durante o Ragnarök.

A crença e a prática desta mentalidade guerreira, desembocou na busca pelo conhecimento constante. Isto se observa nas táticas utilizadas, nos armamentos construídos, e claramente no mais famoso símbolo dos escandinavos, ou seja, seus navios. O compromisso destes povos com uma mentalidade bélica trouxe uma verdadeira obsessão pela sabedoria, algo que pode ser verificado no aperfeiçoamento constante de suas embarcações.

O zelo nas manufaturas e a perseguição do conhecimento, eram vistos em outros aspectos da vida cotidiana, como nas runas. Sua leitura era vista como um símbolo de poder e de muita importância para a manutenção das comunidades.

Por fim, o último ponto apresentado que comprova as hipóteses introduzidas no início do presente artigo, estaria no aprendizado que fora empregado na manufatura de outros produtos, como por exemplo joias. Estas, eram vendidas, e por consequência, era uma atividade essencial para a sobrevivência daqueles povos, uma vez que a grande maioria os escandinavos eram comerciantes.

Assim, é possível concluir o presente artigo, sustentando a confirmação das hipóteses incialmente pensadas, ao menos em sua grande maioria, e observar a riqueza de detalhes presentes nos escritos antigos, bem como na própria sociedade nórdica durante a Era Viking.

REFERÊNCIAS

ANÔNIMO. Poetic Edda. Tradução, introdução e edição de Jackson Crawford. Indianapolis: Hackett Publishing Company, 2015.

LE GOFF, Jean Jacques, SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário Analítico do Ocidente Medieval. Tradução coordenada por Hilário Franco Júnior. São Paulo: Editora Unesp, 2017.

PRICE, Neil. Vikings: A História Definitiva dos Homens do Norte. Tradução de Renato Marques de Oliveira. São Paulo: Planeta, 2021.

ROESDAHL, Else. The Vikings. Third Edition. Grã-Bretanha: Penguin Random House, 2016.

SIMEK, Rudolf. A Dictionary of Northern Mythology. Traduzido por Angela Hall, Woodbridge: Boydell & Brewer, 2007.

SLOTERDIJK, Peter. Pós-Deus. Petrópolis: Vozes, 2019.

STURLUSON, Snnori. Edda. Tradução e edição de Anthony Faulkes. Londres: Everyman Paperback Classics, 1995.

WOLF, Kristen. Viking Age: Everyday life during the extraorddinary era of the norseman. Santa Barbara: ABC-CLIO, 2013.

APÊNDICE – REFERÊNCIA NOTA DE RODAPÉ

3. Aqui vale uma breve explanação sobre a manutenção da memória bem como da História. Durante muitos séculos nas comunidades do norte da Europa, em especial nos países nórdicos, as tradições, grandes feitos, e até mesmo costumes, eram em sua grande maioria, transmitidos de maneira oral. Todavia, como menciona Jean Jacques Le Goff, em sua obra Dicionário Analítico do Ocidente Medieval, com a cristianização em massa da Europa, muitos destes relatos começaram a ser escritos, com a finalidade de manter a História e a Memória destes povos, de forma uniforme e duradoura, em uma fonte, até determinado ponto, confiável. Claro que se deve lembrar aqui, que o registro escrito apresentava o ponto de vista daquele que escrevia.

4. Óðinn, é o deus governante de todos os outros deuses, sendo mais associado à liderança dos chamados Æsir, e igualmente é considerado aquele que criou o mundo. Conforme o autor Rudolf Simek, este deus possui inúmeros nomes, e geralmente, através da análise dos mesmos, é associado fortemente com dois aspectos da sociedade, a poesia, e a guerra. Entretanto, por diversas vezes, o deus em questão é apresentado como um grande sábio, ligado à busca do conhecimento, e igualmente visto como um dos maiores feiticeiros dos reinos. Casado com a deusa Frigg, que em diversas ocasiões é aceita como sendo a mesma pessoa que Freya, sempre estava acompanhado de seus dois corvos, Huginn e Muninn, que observavam os reinos a seu comando. Muitas aventuras são descritas sobre ele, mas não é considerado o grande herói da religião escandinava. Seu destino pode ser observado no poema Völuspa, que será analisado neste artigo.

5. Þórr é o mais conhecido dos deuses, e visto pelos seus devotos como o herói mais famoso e destemido dos nove reinos. Seu nome possui o significado de trovão, sendo associado inúmeras vezes com este fenômeno da natureza. Conforme Simek, este deus é filho de Óðinn, com a jötun, que é muitas vezes descrita como uma gigante primordial e personificação da própria Terra, Jörð. Þórr possui uma esposa, Síf, e três filhos, Magni, Moði e Þrúðr. É considerado o defensor de Midgard, ou seja, a Terra, bem como de todos os reinos. É visto como um guerreiro, sendo o maior deles, um homem alto e robusto, com cabelos e barba ruivos, e olhar feroz. Muitas aventuras em seu nome ocorrem, inclusive é o herói que mais batalhas venceu e mais inimigos derrotou. Algo que deve ser mencionado igualmente, é seu martelo, Mjöllnir, uma das armas mais temidas da época.

6. Runestones são, em linhas gerais, monumentos que foram construídos para homenagear os mortos, que geralmente pertenciam a classes sociais elevadas, durante a denominada Era Viking. Nestas, existiam dois elementos, o visual e o escrito. O primeiro apresentava uma espécie de mural, que de acordo com o arqueólogo Neil Price, tinha forte relação com a religião da época, existindo figuras semelhantes a Óðinn e Þórr, por exemplo. O segundo elemento destes monumentos em pedra, seriam as escritas rúnicas que contariam a história do que fora enterrado no local. Deve-se lembrar ainda, que a presença destes dois elementos não era unânime, podendo haver, por exemplo, somente os escritos.

7. Ásgarðr é o nome da fortaleza dos deuses, ou reinos dos mesmos, mais especificamente aqueles denominados de Æsir. Algo importante a se notar, conforme mencionado por Rudolf Simek, é que originalmente esta região dos deuses não se tratava de um outro reino, mas sim um local pertencente a Midgard. Entretanto, conforme o autor, nos escritos de Snorri Sturluson, a região se torna independente da Terra e cria-se um novo reino, mais especificamente nos céus.  Vale citar aqui, que existem alguns lugares importantes pertencentes ao mesmo, como por exemplo Valhöll, Hliðskjálf, de onde Óðinn observa o todo, Iðavöllr, Glaðsheimr e Vingólf, um templo e um salão para as mulheres Æsir respectivamente.

8. Jötnar ou Jötun, sendo o segundo a forma singular do primeiro, é a denominação concedida aos que se conhecem hoje como gigantes. Todavia, a explicação que se observa das fontes originárias, seria que este nome estaria relacionado aos moradores de Jötunheim, um dos nove reinos da religião escandinava. Sendo assim não se pode denominar todos os habitantes daquele lugar como gigantes, vale registrar que alguns eram reconhecidos com a aparência próxima a dos deuses.

9. Mjöllnir é o nome dado ao martelo do deus Þórr, e o objeto que igualmente simboliza sua força. Este fora um presente dos irmãos anões Sindri e Brokkr. Os mesmos forjaram esta arma, todavia nela havia um erro, ocasionado por uma distração criada por Loki, ao se transformar em uma abelha e picar o anão Sindri. Tal percalço, gerou a diminuição do cabo do martelo, sendo mais curto do que esperado. Este possui duas principais habilidades, sendo elas, a criação de trovões e raios ao ser lançado, e o retorno a mão de Þórr, a qualquer momento, estando em qualquer local. O deus, devido ao peso do martelo, necessita de suas manoplas, denominadas Járngreipr, para utilizá-lo. Vale dizer ainda que seus filhos Magni e Moði herdam a arma, após o Ragnarök.

10. Stanza pode ser definida, de maneira sintética, como uma estrofe dos poemas escaldos ao todo, bem como as chamadas Eddas. Esta, entretanto, não é igual em sua forma, visto que que, por exemplo, um tom prosaico em sua estrutura e apresentação é observado, bem como a falta de rimas ou ritmo em seus versos.

11. Deve-se aqui, explanar de maneira sintética cada um dos reinos que foram citados acima. Preliminarmente deve ser observado aqui, que as descrições destes, são apresentadas na chamada Edda em Prosa, documento posterior ao Codex Regius. Iniciando com Muspellzheimr, este fora concebido antes dos outros reinos, até mesmo da Terra, chamada de Midgard, e nas palavras de Sturluson, seria coberto de chamas e fogo de maneira geral. Neste não haveria habitantes, mas somente um ser chamado de Surtr, entidade primordial na religião escandinava, e que possui entrada importante no Ragnarök. Por fim, observa-se Niflheim, outro local cuja criação é prévia assim como o reino anteriormente analisado. Todavia, aqui, apresentam-se maiores detalhes por Sturluson, que diz ser o local gélido, e mais importante, onde diversos rios nascem, inclusive aquele denominado Gjöll, próximos aos portões de Hel.

12. Ymir é o primeiro gigante a ser criado. Conforme Simek, este fora gerado no encontro dos reinos primordiais, Ginnungagap, pelo derretimento dos rios que se encontravam no mesmo. Se alimentava do leite da chamada vaca Auðumula, até se tornar um ser de proporções massivas. A criatura foi quem gerou as primeiras gerações de jötnar, os denominados gigantes de gelo. De certa forma, também foi responsável pelo início dos deuses, vindo a possuir parentesco com Óðinn, que inclusive fora seu algoz, matando-o em conjunto com seus irmãos. Entretanto a morte do gigante, fez com que os deuses citados acima, pudessem, no local de início do mundo, moldar os reinos, majoritariamente a Terra, Midgard, do corpo daquele.

13. Gungnir, é a lança utilizada como arma por Óðinn. Esta, assim como a maioria das armas da religião escandinava antiga, fora construída por descendentes de Ivaldi, um renomado e famoso anão ferreiro, devido a uma aposta com Loki. A lança é de suma importância dentro dos feitos do deus, uma vez que serviria para matar guerreiros em batalhas, e recolher os mesmos para o exército da divindade, para realização de seu maior sacrifício, visando o aprendizado de runas.

14. Observa-se aqui a necessidade de se tecer breve comentário sobre os três deuses citados acima. Isto porque existe uma divergência, mesmo que pequena, sobre a companhia que Óðinn trouxera consigo para a criação dos seres humanos. Como o objeto de análise do presente artigo é a Edda Poética, admitir-se-á que os deuses seriam Hœnir e Lóðurr, porém quando se migra para Edda em Prosa, a situação se modifica. Nesta, o autor descreve as entidades como sendo os filhos de Bor, que seriam, de acordo com o mesmo, além de Óðinn, Vili e Ve. Ou seja, existe uma incongruência em relação a quem teria criado os seres humanos, mesmo que o deus principal permaneça inalterado. Acredita-se, porém, para os fins do presente trabalho, que o citado no Völuspa seja mais próximo da crença original.

15. Vanir, seria a segunda família de deuses dentro da religião escandinava, com importância, mesmo que menor. Alguns nomes que se podem citar aqui, seriam Njörðr, Freyr e Freyja. Estes, tinham íntima relação com a fertilidade, em todos os seus sentidos, desde a concepção de filhos e filhas, a majoritariamente boas colheitas, dias ensolarados, chuvas, dentre outros. Desta forma, eram divindades muito conectadas com a população agrária e, como em grande maioria os escandinavos praticavam este tipo de atividade laboral, estes deuses eram de certa forma muito cultuados. Algo que diferencia estes de seus colegas, conforme Simek, seria, além de seu viés mais pacífico e mágico, vide que são possuidores e adeptos do seiðr, sua estrutura de poder teria fortes indicações de um matriarcado. Isto, talvez possa ser comprovado, uma vez que o tipo de práticas sobrenaturais realizadas pelos mesmos é em grande maioria utilizada por mulheres.

16. Æsir é a denominação dada a família de deuses mais conhecida no período medieval na Escandinávia. Dentre eles, os mais conhecidos seriam Óðinn, Þórr e Baldr. A presente família, estaria ligada de maneira íntima, com guerras e as batalhas, havendo uma exceção, pois Óðinn possuía grande apreço pela poesia e conhecimento de maneira ampla. Estes, geralmente eram cultuados por guerreiros e governantes que fomentavam a guerra, uma vez que visavam a vitória na mesma, e estaria em convergência com o pregado pelas divindades. Ou seja, de certa maneira estes eram venerados por uma espécie de elite da sociedade escandinava, mas não exclusivamente. O termo Æsir, possui raiz na palavra áss, que significaria deus, sendo assim a família aqui apresentada teria a denominação plural desta palavra, deuses.

17. Este é considerado como um ser de grande conhecimento e sabedoria. Todavia, não se possui registro concreto do seu pertencimento a alguma família da religião, isto pois, é representado ora como um deus Æsir, ora como um gigante, ou seja, um jötun. O ser, é representado, principalmente pelo historiador e poeta islandês Snorri Sturluson, como sendo somente uma cabeça, sem possuir corpo completo.

18. Loki é considerado um deus Æsir, e por muitos especialistas, como aquele que possui maior negatividade. Todavia, ao mesmo tempo que se entende ser ele o destruidor das divindades, ajuda-os em diversos momentos, sendo inclusive corresponsável pela criação de diversas armas e objetos em geral para os moradores de Ásgardr. Pouco se sabe sobre o deus, mas um dos fatos mais importantes deste, é ser considerado irmão de Óðinn, devido a um pacto realizado entre os dois, conforme descrito no poema Lokasenna. Um dos fatos mais notórios realizados pelo deus, foi a morte de Baldr, ao enganar o irmão do mesmo, Höðr, e fazê-lo atirar um visco naquele, levando-o à morte.

19. Niðhöggr, na antiga religião escandinava, é descrito, conforme as Eddas, tanto prosaica como poética, na forma de um dragão da morte, que bebe o sangue dos mortos e come os cadáveres. Este é uma criatura que vive nas raízes de Yggdrasill, a grande árvore que sustenta os reinos. As duas únicas outras informações substanciais que se conhece deste, de acordo com Simek, é sua função de aterrorizar, bem como o seu destino posteriormente ao Ragnarök.

20. Einherjar são os guerreiros que caídos em batalha na Terra, eram levados pelas Valkyrjur aos salões de Valhöll. Neste, conforme descrito por Simek, os combatentes guerreavam diariamente, além de se alimentarem da carne do javali Sæhrímnir, e bebiam o hidromel produzido no úbere da cabra Heiðrun. Estes são os fatos que se conhecem destes guerreiros, sendo o mais notório sua aliança durante o Ragnarök com os deuses, onde lutarão lado a lado com as divindades.

21. Fenrir é denominado o gigante lobo que matará o deus Óðinn durante o Ragnarök. Este, assim como Jörmungandr e Hel, é filho do deus Loki com a jötun Angrboða, sua amante. Existe uma passagem fundamental desta criatura nos textos originais, com exceção de sua participação no fim dos tempos mencionada anteriormente. Esta seria relativa ao seu aprisionamento, onde os deuses, majoritariamente Æsir, buscam acorrentar o lobo, e para isso enganam-no dizendo que somente testam a sua força. Todavia, requerem aos anões que forjassem uma corrente que não poderia ser quebrada, e assim surge Gleipnir. Entretanto, o gigante diz que para o amarrarem e garantirem sua segurança ele gostaria que um dos deuses colocasse a mão em sua boca. Týr se oferece para tal, e quando Fenrir é amarrado e não consegue se soltar, sendo privado de sua liberdade, ele arranca a mão do deus. É previsto que o lobo somente se soltará no Ragnarök. Por fim, outro ponto interessante a se notar é a análise realizada por alguns estudiosos, de que este seria a mesma criatura denominada Garm, o canino residente em Hel, vide que ambos estão presos e se libertam no mesmo momento.

22. Hel, na religião nórdica possui duas interpretações congruentes entre si. A primeira seria que o termo estaria ligado somente ao reino dos mortos, o local propriamente dito. Este, seria a moradia de todos que viessem a óbito por doença ou devido a avançada idade, excluindo-se somente os afogados, que iriam ao rio Rán, e os guerreiros, devidamente levados a Valhöll. O local não teria a mesma finalidade do submundo cristão, ou seja, aqui inexiste sofrimento e punição aos residentes, mas sim um local destinado aqueles que se foram, sua nova moradia. Entretanto, Hel, muitas vezes, é descrito como a personificação do reino, uma mulher de aparência apática, sendo metade de seu corpo escuro e morto, e a outra como sendo uma bela mulher pálida, sendo assim um ser dual. Esta seria filha do deus Loki, assim como Fenrir e Jörmungandr. Vale por fim, dissertar que existem algumas menções sobre a deusa e sua residência, sendo a mais famosa relativa à morte de Baldr, episódio no qual Óðinn busca a entidade para trazer seu filho de volta à vida, porém a exigência da mesma não é cumprida e sua prole se mantém no reino dos mortos até o fim dos dias e renascimento dos reinos.

23. Uma síntese do Ragnarök pode ser encontrada no livro de Peter Sloterdijk, intitulado Pós-Deus. Ver p. 17.

24. Tradução nossa.

[1] Doutor em filosofia pela UNICAMP, Doutor em Ciências da Religião pela PUCSP. Mestre em Filosofia pela PUCCAMP. Bacharel em Teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Bacharel e Licenciado  em Filosofia pela USP; Licenciado em História pela UNAR. ORCID: 0000-0002-8464-983X. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5010089030033594.

[2] Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. ORCID: 0009-0006-9717-7559. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8670701540984179.

Enviado: 01 de maio, 2023.

Aprovado: 24 de maio, 2023.

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Gerson Leite de Moraes

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