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Desenvolvimento, Sustentabilidade e Regulamentação: A Atividade Canavieira no Estado de São Paulo

RC: 6407
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CONTEÚDO

GONÇALVES, Daniel Bertoli [1]

GONÇALVES, Daniel Bertoli. Desenvolvimento, Sustentabilidade e Regulamentação: A Atividade Canavieira no Estado de São Paulo. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 2, Vol. 13. pp 144-166 Janeiro de 2017 ISSN:2448-0959

RESUMO

A partir de uma análise sobre o desenvolvimento tecnológico recente adotado na atividade canavieira paulista sob as visões teóricas do novo institucionalismo e do conceito de desenvolvimento sustentável, este artigo discute a importância que a construção de um novo ambiente institucional específico tem representado para a adequação das práticas agrícolas e agroindustriais ao desenvolvimento sustentável. Neste contexto, aponta-se que a visão proposta pela abordagem das redes de poder apresenta-se mais eficaz no processo de construção e implementação de políticas públicas, pois ao considerar a importância das diferentes visões para o processo de discussão destas políticas, e a necessidade de redução dos efeitos da distribuição assimétrica de recursos de poder, torna-se possível reduzir os riscos de insucesso e aumentar o grau de envolvimento dos atores sociais em sua implementação, quesitos fundamentais para o desenvolvimento sustentável de qualquer atividade.

Palavras-chave: Redes de Poder, Agroindústria Canavieira, Economia Institucional, Sustentabilidade, Políticas Públicas.

1. INTRODUÇÃO

A questão do desenvolvimento na teoria econômica tem sido o eixo de grandes conflitos nas últimas décadas, principalmente quando a forma e a eficiência da atuação do Estado na economia.

Enquanto uma grande fração de pesquisadores defende um mercado livre de restrições, capaz de se auto-organizar frente às mudanças e intempéries, e reserva um papel reduzido ao Estado, a visão alternativa ressalta a importância das instituições e sugere um Estado regulador e participante na organização do processo de desenvolvimento.

Para essa corrente de pensamento, a grande distância existente entre os modelos teóricos simplificados e a observação empírica da realidade, tem sido responsável pelo insucesso e ineficiência de um grande número de projetos políticos nas últimas décadas, nos mais diferentes países.

Ao assumir que a racionalidade dos agentes é realmente limitada, e que existe assimetria na distribuição de informações valiosas entre os atores (recursos de poder), a chamada nova Economia Institucional se coloca como uma importante ferramenta para o entendimento dos fenômenos e conflitos da sociedade contemporânea.

No âmbito das discussões sobre políticas públicas, uma das grandes críticas observadas tem sido dirigida para a baixa eficácia de projetos unilaterais (de gabinete), que na maioria das vezes não consideram as diferentes visões dos fatos. A abordagem das redes de poder, neste enquadramento, oferece uma excelente vantagem sobre as outras, justamente por tratar-se de uma construção social definida a partir de conexões complexas entre organizações distintas e dependentes de recursos de poder, onde o envolvimento estrutural dos atores e o caráter funcional das conexões são suas características mais importantes, e onde a forma de constituição de políticas publicas se dá pela base e não pelo alto.

O conceito de ecodesenvolvimento, posteriormente chamado de desenvolvimento sustentável, surgiu na década de 70, como uma proposição amenizadora às previsões catastróficas do relatório do Clube de Roma de 1972, que revelou ao mundo que o desenvolvimento capitalista deparava-se com limites físicos a sua expansão (CASTRO, 1996).

A partir desse momento, a proposição de que era necessário intervir e direcionar o processo de desenvolvimento econômico, de modo a conciliar eficiência econômica, desejabilidade social e prudência ecológica, passou a ter uma aceitação generalizada, ainda que com divergências quanto à natureza dos mecanismos dessa intervenção. (ROMEIRO, 1999).

Deste modo, o desenvolvimento passou a ser encarado como um processo extremamente dependente da construção de normas reguladoras e direcionadoras, o que atestava amplamente a disparidade entre o mundo real e o das teorias neoclássicas, principalmente no que tange a real eficiência dos mecanismos do mercado na auto-regulação do sistema econômico.

O conceito de desenvolvimento sustentável surge assim como um atestado à importância das instituições (principalmente restritivas) na economia mundial, onde a constituição de ambientes institucionais cuidadosamente formulados tornou-se um requisito fundamental para a sustentabilidade de toda atividade econômica que envolvesse direta ou indiretamente o uso de recursos naturais.

A partir de uma discussão a respeito do desenvolvimento recente da atividade canavieira no Estado de São Paulo, onde a legislação ambiental tem sido apontada como direcionadora de um progresso técnico questionável em relação a sua sustentabilidade,  o presente trabalho se propôs a discutir alternativas metodológicas de construção e debate de politicas publicas que poderiam redirecionar a atividade para uma situação de melhoria em seus aspectos sociais, econômicos e ambientais, na perspectiva de um desenvolvimento sustentável.

Para isso o trabalho envolve, além de uma pesquisa bibliográfica sobre os principais conceitos e teorias relacionados ao tema, uma discussão intersubjetiva a partir de informações reunidas em trabalhos anteriores junto aos principais atores sociais envolvidos na atividade canavieira.

Dentre as diversas abordagens econômicas encontradas na literatura, normalmente empregadas direta ou indiretamente no direcionamento de políticas desenvolvimentistas, o trabalho ressalta a abordagem das redes de poder, dentro da chamada nova economia institucional, enquanto uma abordagem capaz de fornecer uma visão alternativa para a discussão de políticas públicas.

2. DESENVOLVIMENTO: AS FACETAS DE UM DESENVOLVIMENTO “SUSTENTÁVEL”

Segundo MORIN (1994), “como fundamento da idéia mestra de desenvolvimento, encontra-se o grande paradigma ocidental do progresso: O desenvolvimento deve assegurar o progresso, o qual deve assegurar o desenvolvimento”. Trata-se de uma crença arraigada, segundo a qual o desenvolvimento sócio-econômico, mantido pelo avanço da ciência e da tecnologia, é capaz de garantir por si mesmo o desabrochamento e progresso das potencialidades humanas, da liberdade e dos poderes do homem.

Para o autor, essa crença é abalada, na medida em que se reconhece que a identificação tácita entre crescimento econômico e desenvolvimento é indevida, já que podem existir formas de desenvolvimento perversas e, portanto, mau desenvolvimento, como conceitua Sachs (1986).

Para este autor, foi a estreiteza do economicismo, em sua tentativa de reduzir tudo ao econômico e de invadir as esferas do social pelos critérios da racionalidade econômica, que provocou o empobrecimento dessa noção, para a qual convergiram todas as vulgatas ideológico-políticas dos anos 50 e 60.

O esforço de reconceptualização do desenvolvimento, de acordo com Castro (1996), abalado pela crise ambiental e social, resultou na concepção de um novo paradigma conhecido como desenvolvimento sustentável.

Em meio aos movimentos estudantis e hippies dos anos 60, emerge esse novo ambientalismo, com objetivos e demandas bem definidos e consciente da dimensão política dos mesmos, chamando a atenção para as conseqüências devastadoras que um desenvolvimento sem limites estava provocando.

Rompendo as “muralhas da cidadela econômica”, o ecologismo passa a questionar a racionalidade econômica em termos de seus próprios critérios. Mais concretamente, o novo debate evidencia que, frente aos diversos impasses e problemas que o desenvolvimento industrial colocava, a solução ou superação dos mesmos poderia exigir não uma nova arrancada, mas a adoção de medidas restritivas ao aumento da produção econômica, o que colocava a idéia de racionalidade ecológica como o princípio balizador e limitante da racionalidade econômica e do próprio desenvolvimento.

Após a publicação da obra “Os Limites do Crescimento”, pelo Clube de Roma em 1972, este conceito toma um grande impulso no debate mundial, atingindo o ponto culminante na Conferência das Nações Unidas de Estocolmo, naquele mesmo ano.

A partir daí, desenvolvimento e meio ambiente passam a fundir-se no conceito de ecodesenvolvimento, que no início dos anos 80 foi suplantado pelo conceito de desenvolvimento sustentável, passando a ser adotado como expressão oficial nos documentos da ONU, UICN e WWF.

As definições mais difundidas do conceito são a de Brudtland (1987): “o desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer as possibilidades de as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades”, e o da UICN: “o processo de mudança no qual a exploração dos recursos, o direcionamento dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e as mudanças institucionais se dirigem à satisfação das necessidades das gerações presentes, sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem as suas” (CASTRO, 1996).

Segundo o mesmo autor, o desafio imposto pelo novo ambientalismo ao desenvolvimento foi o preâmbulo de um questionamento ainda mais radical: o da nova questão social, amadurecida no final dos anos 80.

A dimensão de sustentabilidade social inerente aquele conceito, não dizia respeito apenas ao estabelecimento de limites ou restrições à persistência do desenvolvimento, mas na transposição do econômico: não pela rejeição da eficiência econômica e nem pela renúncia do crescimento econômico, mas pela colocação dos mesmos a serviço de um novo projeto social, onde a finalidade social esteja “justificada pelo postulado ético de solidariedade intrageracional e de equidade, materializada em um contrato social”. (SACHS, 1995, p.26).

2.1 A PERSPECTIVA DA NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL

De acordo com Romeiro (2001), o desafio da sustentabilidade não tem como ser enfrentado a partir de uma perspectiva teórica que desconsidera as dimensões culturais e éticas no processo de tomada de decisão.

Para o autor, o adjetivo política ao substantivo economia indica uma visão teórica que se distingue por incluir em seu esquema analítico, “considerações de ordem política em seu sentido amplo”, isto é, inclui considerações morais e éticas em contraposição à economia sem adjetivo (economics), cuja visão teórica subjacente (neoclássica) pressupunha ser uma exigência científica a exclusão deste tipo de considerações.

Para a economia neoclássica, cujas idéias foram desenvolvidas por Cournot, e aperfeiçoada pelos economistas austríacos do final do século XIX, como Menger, Walras, além de outros como Pareto, Wicksell e Fisher, baseadas nas observações dos economistas da escola Fisiocrática como Adam Smith, para os quais a economia teria um comportamento determinado por regularidades, similar a física, o pleno exercício da racionalidade dos indivíduos permitiria que o sistema caminhasse para um equilíbrio geral, onde os interesses pessoais e a liberdade de escolha poderiam ser conciliados. (PAULILLO, 2000)

Deste modo, essa simplificação da realidade permitiu com que uma série de modelos fosse criada, oferecendo explicações de larga aceitação sobre o funcionamento dos mercados, e com base nestes, das sociedades.

Essa falta de realismo das proposições neoclássicas deu lugar ao surgimento do Institucionalismo, ainda no século XIX, como uma reação de pensadores como Vebler e Weber, que ressaltavam a importância das instituições no funcionamento dos sistemas.

A grande contribuição de Vebler, ao analisar a sociedade americana na virada do século, foi elaborar uma teoria onde as decisões empresariais estariam condicionadas a fatores culturais e sociais da sociedade. Assim as instituições seriam derivadas de hábitos e costumes de cada população, que por sua vez são instáveis e específicos. Por outro lado, as instituições modernas seriam derivadas de princípios de negócios, em sua maior parte.

Para Weber, a racionalidade da sociedade burocrática é enormemente questionável, e de eficiência duvidosa. Para ele, ela esta dividida em racionalidade formal, baseada em rotinas e métodos, e racionalidade substantiva, baseada em expectativas e regularidades.

Desta forma, a análise do comportamento dos indivíduos frente às diversas situações passa a ser importante para a economia, incorporando elementos da sociologia.

Na década de 50, Herbert Simon retoma essa discussão, se opondo à teoria normativa da racionalidade, dizendo que as decisões econômicas são tomadas sem o conhecimento de todas as alternativas, o que leva o comportamento administrativo a ser no máximo satisfaciente e não otimizante. “Todo processo decisório humano, seja no íntimo do indivíduo, ou seja, nas organizações, ocupa-se da descoberta e seleção de alternativas satisfatórias”. (MARCH & SIMON, 1967). Surge assim, o chamado Institucionalismo cognitivo.

De acordo com March e Olsen (1993), o novo Institucionalismo enfatiza a dependência da política em relação à sociedade, em favor de uma interdependência entre instituições políticas, econômicas e sociais relativamente autônomas, tratando-se de mais que meros espaços das forças sociais, afetando o curso da história.

Na concepção de Hall e Taylor (1996), o Institucionalismo não é um corpo de conhecimento único, ao contrário, é composto por três diferentes perspectivas de análise: institucionalismo histórico, institucionalismo da escolha racional e institucionalismo sociológico ou cognitivo. Estas linhas de pensamento surgiram ao longo dos últimos 20 anos para elucidar o papel que as instituições desempenham na determinação dos resultados sociais, econômicos e políticos.

Para o novo institucionalismo, as instituições não apenas são importantes, como são passiveis de análises.

Segundo Belik (2001), as instituições moldam a tomada de decisões, mas não podem ser consideradas dadas. Pelo contrário, “na construção das instituições interagem grupos de interesses e relações sociais que têm poder para alterar estruturas e determinar mudanças no cálculo econômico”. Ao contrário do pensamento neoclássico convencional, o mercado não é uma entidade separada dos agentes econômicos, e sim um produto institucional, como afirma Menard (1997).

De acordo com o autor, a economia é sempre economia política na medida em que todo ser humano pensa e age a partir de uma escala de valores.

Para Akerlof (1971), em seu famoso trabalho sobre o “Mercado de Limões”, a importância das instituições, justifica-se em grande parte pela existência de assimetria de informações entre os agentes, o que leva aqueles que mais detêm esses recursos a obter vantagens sobre os demais. Para o autor, isso pode ser controlado através de instituições.

Segundo Paulillo (2000), a abordagem das redes de poder, que pode ser combinada com as abordagens neo-institucionais e neocorporativistas[2], é o modelo teórico de porte médio que permite a análise das transformações e das diversidades dos modos de governança das sociedades ocidentais; em setores, subsetores, encadeamentos ou grupamentos mais complexos.

Para essa abordagem, o Estado possui um papel de não-neutralidade, suas agencias atuam como atores concretos, que disputam recursos e representam interesses. A forma de constituição de políticas públicas se dá pela base, de baixo para cima, e não pelo alto, de cima para baixo, rompendo com a preponderante visão linear e seqüencial da construção de políticas, e enfocando o inicio da implementação da política, no qual as decisões são tomadas e os problemas reformulados (ROMANO, 1999). Uma outra característica não menos importante, é que os setores são tomados por maior complexidade, o que abre maior espaço de investigação para os subsetores e os encadeamentos produtivos.

Ainda segundo esta abordagem, a interação estratégica é assimétrica, pois os recursos de poder normalmente estão distribuídos de forma desigual entre as etapas e os membros da rede política. Segundo Paulillo (2000), a representação dos interesses também é desigual, principalmente em economias de forte heterogeneidade estrutural.

Ainda segundo o mesmo autor, a distinção das redes de poder a partir do perfil dos membros, do grau de integração e da distribuição dos recursos pode revelar importantes aspectos a respeito do modo de interação público/privado e, dessa forma, apontar o caráter do mecanismo de realização de políticas públicas em cada rede.

Redes de poder são geralmente distintas entre comunidades políticas, onde o mecanismo de realização de políticas públicas apresenta um caráter de antecipação, pois a um processo de concerto de interesses em que a interação estratégica é freqüente e estável, a interdependência é elevada e a participação dos atores coletivos é especializada e limitada; e redes difusas, onde a instabilidade das relações de poder faz com que o mecanismo de decisão de políticas públicas apresente um caráter reativo, a partir de processos fortemente pressionados.

A rede, para o autor, é o lócus no qual podem ser elaboradas e administradas as políticas públicas, porque daí se gesta o processo e interação estratégica determinado pelas características dos atores e pelas características das conexões. A formulação e implementação de políticas públicas são feitas por verdadeiros arranjos institucionais, proporcionados pelas organizações de interesses privados específicos, as agencias publicas governamentais e as não governamentais. Esses arranjos institucionais estão cada vez mais dependentes do concerto social desses grupos e organizações de interesses que da regulação espontânea do mercado ou da regulação imposta pelo Estado.

Se para o esquema analítico convencional, a ação coletiva (através do Estado) se faz necessária apenas para corrigir as falhas de mercado que ocorrem devido ao fato de boa parte dos serviços ambientais se constituir de bens públicos (ar, água, capacidade de assimilação de dejetos, etc.) não tendo, portanto, preços; e uma vez corrigidas estas falhas, de modo a garantir a correta sinalização econômica da escassez relativa destes serviços ambientais, a dinâmica de alocação intertemporal de recursos tenderia a se processar de modo eficiente, não havendo problemas de incerteza e de risco de perdas irreversíveis; para o esquema analítico alternativo, o problema da economia política da sustentabilidade é visto como um problema de distribuição intertemporal de recursos naturais finitos, o que pressupõe a definição de limites para seu uso (escala). Além disso, trata-se de um processo envolvendo agentes econômicos cujo comportamento é complexo em suas motivações (as quais incluem dimensões sociais, culturais, morais e ideológicas) e que atuam num contexto de incertezas e de riscos de perdas irreversíveis que o progresso da ciência não tem como eliminar. Trata-se de um processo de escolha pública onde caberá à sociedade civil, em suas várias formas de organização (o Estado entre outras), decidir, em ultima instância, com base em considerações morais e éticas (ROMEIRO, 2001).

2.2 REFLEXÕES SOBRE A ATIVIDADE CANAVIEIRA NO ESTADO DE SÃO PAULO

Nos dias de hoje, é cada vez mais comum nos depararmos com problemas envolvendo atividades produtivas e meio-ambiente, e um dos maiores desafios para a equação deste tipo de problema tem sido o efeito negativo incidente sobre as estruturas sócio-econômicas consolidadas em torno dessas atividades produtivas.

Em outras palavras, se a interdição de uma indústria poluidora em uma determinada localidade fosse apresentada como uma solução benéfica ao meio-ambiente daquela região, o desemprego gerado por esta medida sobre a população local, bem como as reações desencadeadas sobre a economia local, não poderiam deixar de ser considerados como aspectos negativos desta solução.

Neste sentido, a grande indagação que deve ser feita não seria como reduzir os efeitos negativos, mas sim “como envolver todos os afetados pelo problema na discussão de soluções”.

Alguns autores defendem que o envolvimento de todos os afetados nos processos de negociação é imprescindível, democrático, e pode minimizar o risco de insucesso de projetos ou medidas adotadas. (O’CONNOR et al., 1994).

Funtowicz e Ravetz (1991) discutem que cada vez mais, os problemas ambientais globais dependem de decisões políticas para serem amenizados, e mesmo com os modernos métodos e ferramentas que a ciência dispõe, as incertezas permeiam grande parte das discussões.

Para estes autores, tal fato ocorre em razão do conhecimento científico não ser mais capaz de responder a todas as indagações atuais da sociedade, à medida que essas respostas dependem de um número cada vez maior de elementos e inter-relações que fogem dos domínios da ciência, e que precisam ser considerados em sua análise.

Isso tem levado a ciência a dar um passo além da “inter” e da “multi-disciplinariedade”, que consiste no envolvimento dos atores externos à comunidade científica, isto é, os stakeholders, principal característica da chamada “Ciência Pós-Normal”.

Essa necessidade de aproximar cientistas e outros atores sociais envolvidos com os problemas em questão, não é proposta apenas por uma simples razão ética e democrática, mas porque é neles que está boa parte do conhecimento necessário para a resolução destes problemas, e esse é o cerne da questão. Se respostas incertas da ciência podem resultar em políticas incertas, torna-se primordial desenvolver mecanismos para reduzir tais incertezas.

O conceito de “racionalidade limitada”, defendido por Herbert Simon (1965), como discutido no tópico anterior, caracteriza bem tal situação, na qual muitas vezes os gestores tomam decisões que não são necessariamente as mais lógicas e/ou racionais. Geralmente, as informações disponíveis para que estes possam decidir-se corretamente são poucas, assim como sua capacidade de processá-las e de inferir seus resultados.

Em muitos casos, as informações sobre determinados problemas estão tão fragmentadas entre especialistas de diferentes áreas do saber, que apenas um esforço coordenado é capaz de revela-las de forma integral.

Na busca de exemplificar tal pressuposto, são debatidos a seguir dois casos emblemáticos de problemas e soluções que envolvem a história recente da produção canavieira no estado de São Paulo, uma das atividades mais expressivas da agricultura brasileira, tanto por seus aspectos econômicos pujantes, quanto pelos seus aspectos sociais e ambientais problemáticos e controversos, onde apenas a atuação do estado, através da estruturação de um ambiente institucional específico, foi capaz de apontar soluções, ainda que parcialmente aceitas.

2.2.1 O DESAFIO DO VINHOTO

Um dos primeiros problemas ambientais enfrentados no setor agroindustrial canavieiro após a expansão da produção na década de 1970, a poluição de rios pelo Vinhoto, pode ser tomado como um exemplo que caracteriza essa discussão.

O Vinhoto ou vinhaça é um resíduo da destilação do etanol, obtido na proporção média de 13 litros para cada litro de etanol produzido. Como não havia muitas informações na época sobre esse resíduo, seu destino era o descarte nos rios, a exemplo do que era feito com o esgoto doméstico. No entanto, a elevada quantidade dos despejos associada a um poder poluente cerca de cem vezes superior ao do esgoto doméstico, resultou em um grande problema ambiental e social nas regiões canavieiras, com morte de peixes e redução da potabilidade das águas.

Apesar de a prática ser corriqueira entre as destilarias brasileiras desde os primórdios da produção alcoólica, os estudos científicos sobre destinação e aproveitamento desse resíduo só despontam a partir de 1946, quando estudos da Comissão de Estudos de Caldas, criada em 1943, pela Secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio do Estado de Pernambuco, apontavam a irrigação como uma importante alternativa para o seu aproveitamento. Diversos estudos posteriores, como de Almeida et al. (1950), e Almeida (1955) passaram a demonstrar os benefícios que o uso desse resíduo poderiam trazer aos solos como fertilizante, e com a popularização dessas informações, muitas usinas e destilarias passaram a desenvolver técnicas para a distribuição do resíduo na lavoura, enquanto que em outras os técnicos e gestores se recusavam a adotar tal prática por acreditar que o resíduo afetaria negativamente os solos.

Quando a pressão da sociedade pelo fim dos despejos do vinhoto nos rios culminou na sua proibição em 1978, através da Portaria do Ministério do Interior – MINTER n° 323, a solução que já estava em andamento, ganhou novos adeptos, mas ao mesmo tempo revelou novas preocupações, em especial com a possibilidade de contaminação de águas subterrâneas, justamente por não haver consenso sobre a quantidade ideal de vinhaça a ser usada nos solos, o que levou a uma nova regulamentação em 1988 no estado de São Paulo.

“Os resíduos líquidos, sólidos ou gasosos, provenientes de atividades agropecuárias, industriais, comerciais ou de qualquer outra natureza, só poderão ser conduzidos ou lançados de forma a não poluírem as águas subterrâneas”. (Lei n° 6.134, de 02/06/1988, art. 5°, do Estado de São Paulo)

Este caso revelou uma solução tecnológica que pode ser considerada um exemplo clássico das soluções “win – win”, onde os envolvidos obtiveram apenas ganhos com tal solução, pois não havia a necessidade de nenhuma das partes envolvidas ceder em termos de ganho com o sistema, pois a solução científica encontrada para o resíduo em questão apresentava benefícios mútuos. No entanto, a divergência das informações necessárias para a decisão que cabia aos gestores provocou um atraso tecnológico de quase 30 anos, com gastos e impactos ambientais e sociais que poderiam ter sido evitados desde a década de 1950.

2.2.2 O DESAFIO DAS QUEIMADAS

No caso da prática das queimadas na cultura, a solução encontrada para o problema ambiental acabou por imputar perdas para alguns dos envolvidos, em especial para os trabalhadores do campo, que assistiram ao fechamento de milhares de postos de trabalho após sua regulamentação no final da década de 1990.

No passado, a prática da queima dos canaviais foi uma solução encontrada para resolver o problema da escassez de mão-de-obra, pois aumentava significativamente o rendimento dos trabalhadores na atividade. Com o passar do tempo, essa prática passou a garantir emprego e renda a um grande número de trabalhadores rurais no Brasil, o que lhe atribuía “legitimidade” frente à sociedade.

Na década de 1970, o rendimento com o corte manual de cana sem queima variava de 2,5 a 3,5 t/homem-dia, enquanto que com a cana queimada, variava de 5,0 a 8,0 t/homem-dia, ou seja, um rendimento duas ou três vezes superior. No início da década de 2000, tal produtividade já ultrapassava 10 t/homem-dia em algumas usinas da região de Ribeirão Preto-SP. (GONÇALVES, 2005)

Se, na década de 1980, um cortador, em média, cortava seis toneladas de cana em um dia de trabalho, nos anos 1990 e na presente década os trabalhadores têm declarado que cortam no mínimo dez toneladas por dia, para se manterem empregados. Caso os trabalhadores não consigam manter essa média nos dois primeiros meses de experiência, eles são substituídos por outros. A média de produção diária em grande parte das usinas da Região de Ribeirão Preto passou a ser 12 toneladas de cana por dia de trabalho (ALVES, 2007, p. 23).

Segundo Abramo Filho (1993), ao mesmo tempo em que o álcool combustível era louvado por suas características de combustível menos poluente que a gasolina, a atividade da colheita de cana queimada sempre foi criticada como excessivamente prejudicial à qualidade de vida, principalmente pelo incômodo causado pelas fuligens da palha queimada que caem sobre as cidades.

“Essa queima provoca periodicamente a destruição e degradação de ecossistemas inteiros, tanto dentro como junto às lavouras canavieiras, além de dar origem a uma intensa poluição atmosférica, prejudicial à saúde, e que afeta não apenas as áreas rurais adjacentes, mas também os centros urbanos mais próximos”. (SZMRECSÁNYI, 1994)

O uso do fogo como prática agrícola nos canaviais há muito tempo já vinha sendo condenado por especialistas de diversas áreas, como Engenheiros, Biólogos, Cientistas e Médicos, apesar da contestação veemente de técnicos do setor, que alegavam que tal prática facilitava o processo de colheita, gerava empregos, trazia segurança ao trabalhador rural, e não interferia negativamente no meio-ambiente, por tratar-se de um processo rápido, localizado e controlado. (GONÇALVES, 2005)

Uma série de trabalhos como Goulart (1997), Bohn, (1998) e Silva & Frois (1998), alertaram para os graves riscos que a queima do canavial representava à saúde humana. São diversos problemas respiratórios causados principalmente por compostos orgânicos gerados na combustão da palha, como os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs), compostos altamente cancerígenos, que são encontrados entre os gases que compõe a “fumaça” da queima do canavial.

Por outro lado, o próprio corte manual da cana, principal justificativa para o emprego dessa prática, começou a ser repensado em meados da década de 1980, quando os movimentos sindicais passaram a exigir dos empregadores maiores salários e mudanças nas jornadas de trabalho no campo. A importação de máquinas desenvolvidas para a colheita, já em uso na Austrália desde a década de 1960, passou assim a ser interessante, e o processo de substituição desta mão-de-obra empregada no corte pelas máquinas já era uma questão de tempo e recursos financeiros, e não de queimar ou não o canavial. (ALVES, 1991).

Amparados em um arcabouço legal que envolvia a própria Política Nacional de Meio Ambiente, de 1981, os conflitos de legitimidade do uso desta prática na cultura já vinham sendo resolvidos nos tribunais, como casos característicos do uso do princípio da Precaução, freqüentemente aplicável a casos onde a verdade científica encontra-se permeada de dúvidas e controvérsias.

Talvez o incomodo visível causado pela fuligem da cana-de-açúcar queimada sobre as comunidades urbanas tenha pesado significativamente na mobilização social pelo fim das queimadas, mas o fato é que foi a partir desta mobilização social que o poder do Estado se viu amparado a mover uma política pública em prol da regulamentação das queimadas no Estado de São Paulo, que trouxe à tona uma série de conflitos e dilemas. (GONÇALVES, 2005).

O Decreto Estadual nº 28.848, de 1988, já proibia a queima da cana-de-açúcar como método de despalha num raio de 1 km da área urbanizada, permitindo-a no restante da área. Todavia, foi a partir da emissão do Decreto Estadual nº 42.056, de 06 de agosto de 1997, que a questão da queima da cana passou a causar um impacto maior no setor.

Do ponto de vista racional, a melhor solução para o problema das queimadas seria sua total proibição, uma mudança no ambiente institucional canavieiro que traria um problema enorme tanto para as usinas, que teriam que mudar vários aspectos do seu sistema produtivo, quanto para os trabalhadores, que teriam seu rendimento diminuído pela presença da palha, o que resultaria em redução de salário, já que o pagamento era feito por produção, e aumentos salariais tornariam a opção pelo corte manual inviável.

A mecanização seria a tecnologia adotada pelas usinas para a substituição da mão-de-obra no campo, com vistas a viabilizar a colheita de cana crua, dado seu custo elevado. Deste modo, mesmo não havendo uma concreta negociação democrática quanto à solução para o problema das queimadas, uma das partes foi obrigada a assumir o papel de altruísta: o trabalhador rural. (GONÇALVES, 2005)

Uma das opções propostas para a colheita de cana crua em áreas inaptas à mecanização era de fato o corte manual, discutido por RIPOLI et al. (1994), que estimou que no estado de São Paulo a colheita mecanizada poderia apenas ser usada em cerca de 60% da área cultivada, pois necessitava obedecer alguns requisitos básicos como a declividade, que não deveria ultrapassar 12%, o tamanho e a disposição dos talhões, a facilidade de acesso, etc. Entretanto, segundo esses autores, o corte manual de cana crua na área restante levaria ao aumento do desgaste físico do trabalhador, aumento nos riscos de ataque de animais peçonhentos, aumento no número de acidentes, o que inviabilizaria este sistema, e ainda demandaria reajustes nos preços pagos por tonelada colhida.

Um outro fator negativo nos canaviais onde é praticado o corte manual de cana sem queima é a necessidade de se triturar a palha deixada sobre o solo, objetivando diminuir seu tempo de decomposição. Neste caso, é utilizado um implemento conhecido como Triton, que é tracionado por um trator de média potência, e representa o acréscimo de uma operação agrícola.

Deste modo, a manutenção do trabalho manual na operação do corte de cana-de-açúcar, sob a nova realidade da lavoura sem queima, representaria claramente um aumento considerável no custo de produção das empresas, e assim passou a ser considerada a possibilidade do uso de máquinas colhedoras nesta operação, mesmo que representasse um investimento inicial elevado.

De forma a reduzir os efeitos negativos de uma proibição imediata da queima nos canaviais, foi proposta e aprovada pelo Governo do Estado de São Paulo a criação de um Plano de Eliminação de Queimadas que, a partir de 1997, reduziria a prática ao longo dos anos, tendo o ano 2000 como data limite para extinção do corte de cana queimada. Todavia, após três anos da promulgação do Plano foi sendo formado um clima de grande insatisfação no setor agroindustrial canavieiro paulista. Muitas usinas não conseguiam cumprir as exigências do Plano e eram multadas; a maior parte das variedades de cana-de-açúcar não havia se adaptado ao sistema de cana crua, em razão da presença da palha sobre o solo, fazendo cair à produtividade dos canaviais; e os fornecedores, incapacitados de realizar investimentos em suas lavouras, viam-se obrigados a optar pelo corte manual de cana crua, o que encarecia muito o custo com a operação, inviabilizando-a economicamente em muitos casos (GONÇALVES, 2005).

Os ambientalistas por sua vez, defendiam a colheita de cana crua baseando-se nos problemas causados pelas queimadas, como problemas respiratórios, poluição das cidades vizinhas, expulsão da fauna pelo fogo, incêndios em reservas e áreas de preservação paralelas a canaviais, perda da qualidade industrial da matéria prima, destruição de ecossistemas, poluição atmosférica, prejuízos aos solos, dentre outros pontos relevantes (SZMRECSÁNYI, 1994, ABRAMO FILHO, 1993, SPAROVEK et al. 1997).

Por outro lado, os sindicalistas defendiam o trabalho na colheita da cana-de-açúcar como única esperança que restava para as famílias de trabalhadores rurais, antes expulsos pela mecanização no cultivo de grãos e algodão, somados à redução de áreas de plantio para implantação da pecuária extensiva, que agora fatalmente migrariam para as grandes cidades com o fim deste trabalho devido à mecanização eminente (GONÇALVES, 2002).

Esta insatisfação dos empresários e produtores do setor fez-se representar na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, onde foi proposta uma nova regulamentação: A lei nº 10.547, de 02 de maio de 2000, uma legislação mais branda e com prazos mais longos para as usinas, fornecedores e trabalhadores “resolverem sua situação”. (GONÇALVES; SÃO PAULO, 2000).

Entre os anos de 2001 e 2007, uma série de mudanças foram feitas na legislação estadual, com destaque na Lei n º 11.241 / 02, onde os prazos para a completa erradicação do uso do fogo nos canaviais foram estipulados para 2021 para áreas mecanizáveis e 2031 para áreas não mecanizáveis. Após longas discussões judiciais sobre a pertinência e legalidade dos prazos, em 2007 um “Protocolo de Cooperação” foi assinado pelo Governo do Estado de São Paulo, através do Departamento de meio Ambiente, pelo Ministério da Agricultura e do Abastecimento, e por representantes do setor canavieiro paulista, que buscando a conformidade ambiental da atividade reduziu o tempo de 2021 para 2014 e de 2031 para 2017, com a adesão maciça dos produtores. (GONÇALVES et al., 2008)

Para Aroni (2013), apesar do governo estadual tomar o comando da regulação no caso específico desse impasse, o grave risco a saúde pública, evidenciado pelo trabalho de Zamperlini (1997) “Investigação da fuligem proveniente da queima de cana-de-açúcar com ênfase nos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs)”, no qual a pesquisadora comprova que as queimadas dos canaviais liberam substâncias carcinogênicas e mutagênicas: os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, é praticaticamente desconsiderado, e relegado a uma questão de incômodo causado pela fumaça.

Como se pode observar neste segundo exemplo, que é um caso típico de jogo de interesses conflitantes, o grau de envolvimento e a representatividade de cada ator social foram categóricas para o desfecho do problema. Como a eliminação da queima era a solução mais lógica a ser adotada, e uma mudança imediata traria dificuldades para trabalhadores, empresários e produtores, o estabelecimento de prazos extensos, por parte do Estado, foi a única opção encontrada para redimir as insatisfações. Por outro lado, ao atender os interesses particulares daqueles atores, o Estado imputou ao restante da sociedade a continuidade dos problemas ambientais e dos problemas de saúde pública até o encerramento dos prazos legais.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A busca recente pelo desenvolvimento sustentável tem norteado grande parte das políticas de desenvolvimento atuais no Brasil e no mundo, o que tem mobilizado muitos setores da sociedade na formulação e implementação de medidas normativas e restritivas para a maior parte das atividades econômicas praticadas hoje, como é o caso da agricultura e da agroindústria.

Esta institucionalização das atividades econômicas, como é o caso da agricultura canavieira no Estado de São Paulo, é prova de que o livre mercado é incapaz de apresentar soluções para determinadas questões, principalmente quando estas envolvem perdas ou limitações a multiplicação da mais valia.

Procurou-se demonstrar, com base em trabalhos de diversos autores, que o caminho lógico escolhido pelo livre mercado para a produção canavieira no Brasil foi de fato o da maximização da produtividade dos canaviais e dos capitais envolvidos, apoiada no extensivo uso do fogo que, por sua vez, maximiza o rendimento operacional das máquinas e a produtividade por trabalhador, reduzindo os custos de produção e até mesmo de transporte (por reduzir o volume ocupado pela palha).

Como o uso do fogo chocava-se com os princípios do desenvolvimento sustentável, dados os riscos ao meio ambiente, coube ao Estado e a sociedade organizada, no conjunto de suas atribuições, formular e implementar normas restritivas ao seu uso, o que acabou por impulsionar empresas e produtores, frente ao novo ambiente institucional restritivo, a encontrar saídas para a manutenção de seus rendimentos, levando-os a adotar tecnologias que promovessem o aumento da produtividade por custo fixo ou salários pagos, que se traduziu no desemprego.

Esse encadeamento de resultados acabou desviando o desenvolvimento do sistema de produção de cana-de-açúcar do “caminho da sustentabilidade”, que foi um dos objetivos centrais da política de regulação das queimadas.

Tais conflitos, portanto, devem-se a dois fatores: o primeiro caracterizado pela “assimetria de poder” dos atores, presente no processo de tomada de decisões, onde se vê claramente a predominância dos interesses dos atores mais fortes e organizados, como empresários e produtores, e o segundo caracterizado pela incapacidade e inadequação da “metodologia” empregada pelos gestores de políticas públicas, que não evita a manutenção e multiplicação do ambiente assimétrico.

Neste contexto, a visão proposta pela abordagem das “redes de poder” poderia ser mais eficaz no processo de construção e implementação de políticas públicas, pois ao considerar a importância das diferentes visões para o processo de discussão destas políticas, e a necessidade de redução dos efeitos da distribuição assimétrica de recursos de poder, como fóruns tripartites, reduziria consideravelmente o risco de insucesso e aumentaria o grau de envolvimento dos atores em sua implementação, que são quesitos fundamentais para o equacionamento deste tipo de situação.

Finalmente, e de um modo geral, é possível afirmar que a construção de ambientes institucionais é fundamental para a promoção de um desenvolvimento econômico, ambiental e socialmente sustentável. Esta é uma tarefa complexa, que abre uma grande agenda de estudos para o futuro.

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[1] Engenheiro Agrônomo, Docente e Pesquisador do Programa de Pós Graduação em Processos Tecnológicos e Ambientais da Universidade de Sorocaba – UNISO.

[2] Para mais ver em Paulillo, L.F. (2000) Redes de Poder e Territórios Produtivos. Ed. Rima.

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Daniel Bertoli Gonçalves

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