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Resquícios do colonialismo e internacionalização dos recursos ambientais como estratégia de nova dominação econômica

RC: 131748
542
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-sociais/resquicios-do-colonialismo

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL 

MAGRI, Renato [1], VIEIRA, Sabrina [2]

MAGRI, Renato. VIEIRA, Sabrina. Resquícios do colonialismo e internacionalização dos recursos ambientais como estratégia de nova dominação econômica. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 11, Vol. 03, pp. 76-86. Novembro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-sociais/resquicios-do-colonialismo, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-sociais/resquicios-do-colonialismo

RESUMO

Neste artigo explora-se a análise de ações propostas para preservação dos recursos ambientais por parte dos países desenvolvidos e a suposta interferência na soberania dos países em desenvolvimento, a qual remonta ao antigo período do colonialismo e que ainda afeta aspectos socioeconômicos e políticos dos Estados. Pretende-se refletir se as ações dos países do Primeiro Mundo, sob o pretexto de impedir a exploração dos recursos ambientais ainda disponíveis, colocam em risco o desenvolvimento dos países mais pobres. As informações apresentadas apontam que há um processo histórico marcado por conflitos causados pela dominação dos Estados desenvolvidos, os quais, por vezes, utilizam de sua hegemonia para manter países em desenvolvimento distantes de alcançar o mesmo padrão de vida e consumo. Conclui-se que não se pode deixar que controvérsias políticas externas interfiram em uma questão tão importante quanto é a preservação do meio ambiente e, consequentemente, a preservação da vida.

Palavras-chave: Colonialismo, Colonialidade, Meio ambiente, Globalização, Soberania.

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo reflete uma visão acerca da controvérsia entre a soberania de um Estado na definição do uso de seus recursos ambientais e a obrigação de preservação desses recursos diante de uma provável crise ambiental global. Tem como objetivo abordar a discussão sobre o colonialismo e a colonialidade e suas influências sobre o desenvolvimento econômico de países em desenvolvimento, em especial em relação ao Brasil e à Amazônia e os possíveis conflitos oriundos dessas relações.

Utilizou-se o método dedutivo, com abordagem qualitativa, a técnica escolhida foi pesquisa bibliográfica por meio de publicações como: artigos científicos, livros e páginas de websites. A revisão da literatura buscou oferecer as bases teóricas para consecução do estudo, permitindo a compreensão de temas fundamentais para a efetivação da pesquisa. Dela extrai-se a importância do respeito à soberania estatal e ao meio ambiente.

A preservação do meio ambiente é um tema relevante nos debates contemporâneos e reflete tanto o contexto histórico, quanto a situação atual. O progresso da globalização evidenciou problemas advindos da exploração dos recursos ambientais, tais como os conflitos que mitigam liberdades de países em desenvolvimento em nome do bem-estar mundial. A necessidade de manutenção dos recursos ambientais dos países em desenvolvimento é imposta especialmente pelos países mais ricos, os quais já não dispõem mais de grande parte de seus recursos ambientais, uma vez que foram utilizados de forma desenfreada para que esses países se tornassem desenvolvidos e expandissem seu domínio econômico sobre os demais.

Atualmente, estamos diante de uma iminente crise ambiental global, pois não se pode omitir que não há a possibilidade de mantermos o padrão dos países desenvolvidos de consumo dos recursos ambientais em uma escala global. Assim, utilizando-se de seus poderes socioeconômicos, tais países podem tentar manter sua dominação sobre os países em desenvolvimento, evidenciando as estratégias coloniais utilizadas no passado e que ainda se encontram presentes em muitas das relações entre estes Estados.

2. DESENVOLVIMENTO 

A dominação econômica, social e cultural realizada pelos países desenvolvidos tem acompanhado o progresso da humanidade, ocasionando diversas consequências, sejam elas positivas ou negativas. No caso do Brasil, desde seu “descobrimento”, pode-se verificar os efeitos dessa dominação exercida de forma explícita durante o período de colonialismo a que foi submetido e que perdurou por meio da colonialidade, mesmo com a independência do país.

Inicialmente, para fins de esclarecimento acerca dos fatos vivenciados no decorrer da história nacional, torna-se oportuno apresentar os conceitos de colonialismo, colonialidade e de decolonialidade.

Conforme esclarece Maldonado-Torres (2018), colonialismo pode ser compreendido como “a formação histórica dos territórios coloniais; o colonialismo moderno pode ser entendido como os modos específicos pelos quais os impérios ocidentais colonizaram a maior parte do mundo desde a ‘descoberta`”.

De acordo com Lixa; Ferrazo e Machado Fagundes (2020), a colonização foi o fenômeno histórico em que os países europeus se lançaram pelo mundo, invadindo as terras e tomando-as de seus habitantes. Ainda segundo as autoras, a colonialidade coloca a humanidade como um todo, num patamar de inferioridade frente ao homem branco europeu e sua descendência. Ela se dá como uma etapa contemporânea e posterior ao colonialismo, de poder explícito, dominação clara e evidente exercida pelos colonizadores sobre as terras invadidas.

A decolonialidade refere-se à luta contra a colonialidade. Seu objetivo típico tem sido tanto a independência política quanto a econômica. Nesse contexto, a decolonialidade desempenha um importante papel em várias formas de trabalho intelectual, ativista e artístico atualmente (MALDONADO- TORRES, 2018).

Realizados esses apontamentos iniciais, passa-se a examinar como o colonialismo se deu no Brasil. De acordo com Wolkmer (2019), nos primeiros séculos após o descobrimento, o Brasil, colonizado sob a inspiração do mercantilismo, refletia os interesses econômicos exclusivos de Portugal, existindo como uma economia complementar, em que o monopólio exercido era fundamental para a burguesia mercantil lusitana. O Brasil, enquanto colônia, somente poderia produzir produtos tropicais para Portugal revender no mercado europeu com lucro. Outras atividades produtivas também deveriam se limitar de forma a não estabelecer concorrência com a Metrópole, assim como era dever da colônia adquirir tudo aquilo que a Metrópole pudesse fornecer. E, em função dela, o país se constituiu na forma de uma sociedade agrária com base no latifúndio.

Com a finalidade de manter o domínio, a Coroa Portuguesa instaurou extensões de seu poder real na Colônia, implantando um espaço institucional que evoluiu para a montagem de uma burocracia patrimonial legitimada pelos donatários, senhores de escravos e proprietários de terras. A prática político-jurídica colonial reforçou uma realidade que se repetiria constantemente na história posterior do Brasil: o Direito feito para garantir os interesses da elite administradora. Os valores eurocêntricos da elite agrária negavam os possíveis direitos dos escravizados, uma vez que eles não eram considerados pessoas, mas bens ou coisas sujeitos a apropriação, a doação, a venda ou a herança (WOLKMER, 2019)

Como pode ser observado, o Brasil foi essencial no desenvolvimento e na geração de riquezas para seu país colonizador. Esta exploração afetou profundamente as práticas econômicas e sociais durante o período em que foi mantido como colônia, perpetuando resquícios desse período até hoje em seu desenvolvimento, o que também pode ser percebido na formação colonialista de outros países que enfrentaram grandes desafios socioeconômicos.

Durante o período colonial, muitos países em desenvolvimento (entre eles o Brasil) tiveram grande parte de suas principais riquezas exploradas e expropriadas pelos países colonizadores, os quais podem ser considerados desenvolvidos atualmente. Ainda assim, verifica-se que os países explorados na forma de colônias ainda detêm em seus territórios recursos naturais que, se preservados, podem minimizar os efeitos ambientais causados pelo expansionismo dos países ricos. Considera-se, portanto, que um meio ambiente equilibrado é essencial para a continuidade da vida no planeta e que a degradação ambiental afeta a comunidade global, não apenas aqueles que não dispõem de recursos financeiros.

Assim, como no período colonial, os países desenvolvidos passaram a exercer sua influência sobre os mais pobres, desta vez para que diminuíssem seu ritmo de crescimento e mantivessem preservados os recursos ambientais ainda existentes em seus territórios. Contudo, Antunes (2021) aduz que após o processo de descolonização, inúmeros Estados se incorporaram autonomamente à comunidade internacional, reivindicando espaço próprio de atuação. A questão ambiental, surgida na década de 70 do século passado em nível internacional, foi uma das que mais geraram atritos entre as antigas potências coloniais e os Estados Unidos com as ex-colônias.

García Linera (2012), em síntese, explica que a expansão dos europeus do século XV determinou uma relação político-econômica-cultural mundial, caracterizada pela equação centro-periferia, em que a administração central do mundo relegou à periferia, até os dias atuais, um papel de abastecedora do centro de matérias-primas e recursos naturais, produtos agropecuários, mão de obra barata, que durante séculos foi fundamentalmente escrava, bem como de mercado para seus produtos manufaturados.

Para fins de esclarecimento, quanto à divisão mundial cabe mencionar que:

A divisão Norte-Sul faz referência à divisão social, econômica e política que existe no sistema internacional entre uma minoria composta pelos países desenvolvidos e altamente industrializados, o Norte (fundamentalmente Europa ocidental, América do Norte de fala anglo-saxã, Austrália, Japão e alguns países asiáticos de mais recente industrialização como Coreia do Sul, Singapura e Taiwan), e os países subdesenvolvidos e em vias de desenvolvimento, o “Sul”, e que são a grande maioria do sistema internacional (fundamentalmente América Latina e o Caribe, África e importantes setores da Ásia). Se bem que muitos países que compõem este “Norte” se localizam no hemisfério norte, a divisão não é exata com a divisão geográfica. No Norte estão todos os membros do G8 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão, Reino Unido e Rússia) e quatro dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (E.U.A., Rússia, França e Reino Unido). Depois do final da Guerra Fria, o Norte vai coincidir fundamentalmente com os países que na segunda metade do século 20 se identificavam como Primeiro Mundo (países capitalistas altamente industrializados e desenvolvidos) e Segundo Mundo, os países comunistas europeus com alto nível de industrialização. E o Sul vai ser sinônimo de Terceiro Mundo dos tempos da guerra fria, ou seja, países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento. Por este motivo, desde a última década do século 20, houve a tendência de falar de Norte global e Sul global, assinalando que são “termos que denotam a divisão geográfica, histórica, econômica, educativa e política genérica entre o Norte e o Sul”, onde o Norte global corresponde a “América do Norte, Europa e partes desenvolvidas da Ásia oriental” que “controlam desproporcionalmente os recursos mundiais. As disparidades de riqueza, moradias, educação, acesso aos meios digitais e muitos outros fatores sublinham o poder e o privilégio do Norte Global”, enquanto que o Sul Global, é o “lar da maioria dos recursos naturais e da população”, e que está excluído dos benefícios e poder que goza o Norte (ESTENSSORO, 2019, p. 19).

Os países desenvolvidos durante muitos séculos exploraram tanto seus recursos ambientais quanto os de outros países subdesenvolvidos sem qualquer preocupação socioambiental. Desta forma, construíram suas riquezas e prosperaram de forma hegemônica, negligenciando as mazelas sociais dos países que ainda possuem recursos ambientais a serem explorados e precisam se desenvolver.

A crise ambiental é, em boa parte, o resultado do próprio crescimento econômico, do elevado nível de qualidade e padrão de vida alcançado pelos países desenvolvidos altamente industrializados, também conhecidos como países de Primeiro Mundo ou Norte Global, os quais originaram a denominada “Civilização Industrial”. Foi esse modo de vida que gerou problemas de caráter ecológico e ambiental de tão grande magnitude que colocam em risco a continuidade da vida do ser humano no planeta (ESTENSSORO, 2019).

Entretanto, percebe-se que a imposição de responsabilidade aos Estados é um tema complexo, tendo em vista a inexistência de um poder de nível global capaz de efetuar tal imposição, sobretudo às grandes potências. Atualmente é perceptível que os maiores consumidores de recursos ambientais são os países desenvolvidos, cabendo-lhes, portanto, maior responsabilidade com relação às medidas de recuperação, prevenção e redução necessárias. O princípio de justiça distributiva imputa a responsabilidade a cada Estado, de forma proporcional a sua participação efetiva nos problemas globais. Este princípio,

Reconhece as diferentes capacidades de recursos técnicos, financeiros e humanos para o enfrentamento das questões globais, impondo aos Estados mais bem aquinhoados a obrigação jurídica e moral de cooperação, no que se refere à transferência de recursos para que se possa alcançar a almejada solução dos problemas ambientais globais (ANTUNES, 2021, p. 18).

A crise ambiental global traz um dilema político complexo. Muitos dos problemas ambientais atuais foram gerados por uma minoria, que devido a sua escolha de desenvolvimento e visão de mundo chegaram a usufruir de um bem-estar socioeconômico e uma parcela de poder como nunca antes havia ocorrido, de tal forma que, como eles mesmos perceberam, seria impossível aos demais imitá-los. Assim, o Norte Global está consciente de que não é possível ao Sul Global alcançar sua qualidade e modo de vida. Então, o Norte tem enfatizado os fenômenos de contaminação, escassez de recursos naturais, perda de massa florestada e de biodiversidade em geral, mudanças climáticas e a “superpopulação” do Sul. Esse discurso ambientalista corrobora para as políticas de poder hegemônicas do Norte, a fim de disfarçar o fato que foram eles os que geraram esta crise (ESTENSSORO, 2019).

Apesar de ser evidente a necessidade de se adotar, principalmente por parte dos países em desenvolvimento, políticas públicas mundiais para a preservação do meio ambiente a serem financiadas pelos países desenvolvidos, as soluções apontadas encontram resistência em muitos desses países em desenvolvimento. Sousa Santos (2018) cita que a Índia e a China, por exemplo, não admitem serem privadas de almejar para as suas gerações futuras um nível de vida semelhante ao que hoje usufruem os habitantes dos países centrais, mesmo que para isso seja necessário agravar os impactos no meio ambiente. Por sua vez, o Brasil, ressente que lhe sejam postas restrições à desflorestação por países cujos habitantes gastam até quinze vezes mais energia que os brasileiros.

Atualmente, os países desenvolvidos, como forma de minimizar os danos que causaram e tentar diminuir as desigualdades econômicas, investem em projetos que visem reduzir a exploração dos recursos ambientais nos territórios dos países subdesenvolvidos. Todavia, conforme ressalta Antunes (2021), diversos Estados protestam pela perda de sua soberania em decorrência de acordos ambientais, pois grande parte das questões ambientais é de natureza regional ou global, o que determina que os Estados devam “abrir mão” de parte de sua soberania para que, em colaboração com as outras partes dos acordos internacionais, possam enfrentar as poluições transfronteiras ou proteger a diversidade biológica global. Isso acarreta reações ultranacionalistas contra uma suposta perda de soberania por parte destes Estados.

Para exemplificar a peculiaridade da situação, Antunes argumenta que o conceito de soberania no direito internacional ambiental

Encontra suas origens no ano de 1935, quando uma fundição canadense situada próxima à fronteira dos Estados Unidos (Estado de Washington) emitia gases (dióxido de enxofre), causando danos à plantações e à florestas além-fronteiras. Os Estados Unidos acionaram o Canadá perante a Corte Arbitral, que julgou procedente a reclamação, condenando o Canadá ao pagamento de compensações e estabelecendo o princípio de que nenhum Estado tem o direito de usar ou permitir que se use o seu território de forma a causar danos a outros países ou a propriedades e/ou pessoas de terceiros Estados. Firmou-se assim, o conceito de responsabilidade internacional dos Estados (ANTUNES, 2021, p. 18).

Amaral Júnior (2005) sustenta o fato de que as grandes diferenças do poder mundial e a hegemonia que delas decorre, geram obstáculos à cooperação internacional institucionalizada em prol do desenvolvimento, seja ele meramente econômico, seja ele humano e sustentável. Para o autor, contudo, a cooperação internacional dos Estados, baseada na interdependência e transnacionalização das questões ligadas ao desenvolvimento, busca que ele tenha por objeto a equidade, a efetivação dos direitos humanos e a sustentabilidade ambiental.

O combate à pobreza é considerado um fator relevante para garantir a sobrevivência da humanidade, em razão da vulnerabilidade econômica causar desgastes ao meio ambiente, decorrentes da utilização primitiva e predatória de recursos naturais para a sobrevivência do homem. A derrubada ou queima de matas para a expansão da fronteira agrícola, o pastoreio irrestrito e excessivo, a utilização de técnicas atrasadas que provocam a erosão e o exaurimento do solo, são práticas rurais que resultam na utilização extensiva dos recursos naturais por conta da baixa tecnologia utilizada. Nota-se que pessoas vivendo sob condições miseráveis, carentes de água, saneamento, educação e informação, estão impossibilitadas de interagir de forma positiva com o meio ambiente (AMARAL JÚNIOR, 2005)

Como se observa, os países em desenvolvimento ainda sofrem com as consequências de sua exploração econômica e de suas soberanias mitigadas durante o colonialismo. Por outro lado, cabe a estes países decidirem por acatar ou não a possibilidade de que os países de primeiro mundo continuem exercendo poder sobre seus recursos ambientais, ainda que manifestadas como forma de cooperação para a diminuição dos estragos causados ao meio ambiente em escala global.

Dos trinta países do planeta com maior biodiversidade, oito são latino-americanos: o Brasil, a Colômbia, o Equador, o México, o Peru, a Venezuela, a Bolívia e a Costa Rica. E dos trinta países com maiores reservas de água doce em âmbito mundial, dez estão na América Latina: Brasil, Colômbia, Peru, Venezuela, Chile, Argentina, Bolívia, México, Equador e Paraguai (ESTENSSORO, 2019).

O Brasil possui grande parte da Amazônia em seu território, o que determina uma relevância nas esferas políticas e econômicas com relação à questão ambiental global.

Todas as discussões presentes e futuras sobre o meio ambiente passam pela floresta sul-americana, importante reguladora de serviços ecossistêmicos. Apesar de ter ocupado um lugar no cenário internacional desde os tempos coloniais, sem dúvida, neste novo contexto, a Amazônia passa a ter uma importância estratégica fundamental (BEZERRA, 2012, p. 535).

Com vistas à preservação da Amazônia, foi instituído o Fundo Amazônia em 2008, que é composto basicamente por doações recebidas com a finalidade de promover ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, bem como a promoção da conservação e do uso sustentável da “Amazônia Legal”, cuja gestão compete ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

O Fundo tem como principais doadores internacionais os governos da Noruega e da Alemanha, além da Petrobras como representante nacional. Os valores arrecadados são aplicados em monitoramento, gestão de florestas públicas e recuperação de áreas desmatadas. As doações ocorrem de acordo com os níveis de desmatamento: se houver redução do desmatamento, o montante dos recursos aumenta. No entanto, a Administração Federal, instalada no Brasil em 2019, iniciou forte campanha contra o Fundo Amazônia, sob o argumento de que os valores eram destinados às ONGs e que o Fundo implicava alienação da soberania nacional (ANTUNES, 2021).

A intervenção de outros países, ainda que por meio de investimentos financeiros, levanta questionamentos sobre os limites dessa interferência. Questiona-se até que ponto trata-se de uma atitude apenas benéfica ao meio ambiente ou se configura em uma forma de ingerência sobre a independência de um Estado.

Apesar das desconfianças que pairam sobre as soluções adotadas, salienta-se, conforme aduz Amaral Júnior (2005), que é indefensável hoje, pensar em crescimento a qualquer custo como saída para a erradicação da pobreza. O crescimento sustentável, em longo prazo, exigirá mudanças abrangentes para criar fluxos de comércio, capital e tecnologia mais equitativos e mais adequados aos imperativos de conservação do meio ambiente.

Nesse ponto, os Estados de menor desenvolvimento poderão exigir a cooperação internacional por meio de instrumentos de financiamento para formas sustentáveis, que devem ser preferencialmente criadas e desenvolvidas respeitando as características e diversidades locais. Ademais, o desenvolvimento global sustentável impõe aos países industrializados e ricos uma readequação dos padrões de consumo, o que implica em adotar estilos de vida compatíveis com a sustentabilidade dos recursos ecológicos do planeta.

3. CONCLUSÃO 

As informações apresentadas apontam que há um processo histórico marcado por conflitos causados pela dominação dos Estados desenvolvidos, que, por vezes, utilizam de sua hegemonia para manter países em desenvolvimento distantes de alcançar o mesmo padrão de vida e consumo.

Apesar de estar claro que a busca pelo desenvolvimento deve se dar de forma sustentável, há de se considerar que, enquanto os mais pobres têm sérias dificuldades para ter acesso a condições básicas de vida, os mais ricos, muitas vezes, desperdiçam os recursos naturais. Em que pese haver recursos e alimentos de certa forma abundantes, encontram-se mal distribuídos, uma vez que muitas pessoas seguem sem ter acesso a uma alimentação digna ou mesmo água potável em quantidade suficiente e de qualidade. O Brasil, por exemplo, é um dos maiores produtores de alimentos e, mesmo assim, muitas pessoas ainda passam fome no país, tendo em vista que o agronegócio prioriza grande parte de sua produção para a exportação aos países de primeiro mundo, em detrimento do mercado nacional.

Ressalta-se que as ações ambientais realizadas pelos países desenvolvidos não devem estar travestidas com a intenção de realizar uma ocupação econômica por meio de embargos à produção agroindustrial dos países em desenvolvimento. Essas ações supostamente ocorreriam com o intuito de proteger o meio ambiente, porém, ao mesmo tempo prejudicariam o cenário agrícola no Brasil, protegendo o dos países desenvolvidos, que ainda contam com subsídios de seus governos.

Muitas das discussões sobre preservação dos recursos ambientais e invasão da soberania do Estado são criadas entre grupos que querem defender seus próprios interesses. De um lado, empresários que não se importam em causar prejuízos ao meio ambiente, pois precisam ampliar suas produções e, de outro, empresários de países desenvolvidos que pretendem reduzir a concorrência com a produção estrangeira, pressionando seus Estados a protegerem seus mercados, impondo restrições às produções dos países em desenvolvimento com a justificativa do “interesse na preservação do meio ambiente”.

A preservação do meio ambiente não é importante apenas na esfera econômica, mas também na social e política, uma vez que todas essas dimensões estão interligadas. A globalização pode, em certos casos, ser vista como uma ameaça à identidade/soberania nacional, contudo, os danos ambientais causados pelo consumismo ilimitado podem ser irreversíveis. Busca-se, portanto, conceber políticas que fomentem a preservação do meio ambiente e concomitantemente evitar qualquer tentativa de supressão de soberania em nome de uma suposta resolução da crise ambiental.

Por fim, pode-se verificar a importância de ações que buscam promover a equidade entre as nações, por meio de um equilíbrio entre o desenvolvimento e a sustentabilidade ambiental, respeitando as características socioeconômicas, as identidades dos povos, os territórios e as riquezas ambientais. É preciso que os Estados atuem em conjunto, considerando suas soberanias e condições, quanto às soluções a serem adotadas para que futuramente conflitos pelo uso dos recursos ambientais não sejam potencializados e tenham que ser resolvidos por meio de ações de força e poder.

REFERÊNCIAS 

AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Direito internacional e desenvolvimento. Editora Manole, 2005.

ANTUNES, Paulo de B. Direito Ambiental. Grupo GEN, 2021.

BEZERRA, Joana. A Amazônia na Rio+20: as discussões sobre florestas na esfera internacional e seu papel na Rio+20. Cadernos EBAPE.BR, v. 10, n. 3, p. 533-544, 2012.

SOUSA SANTOS, Boaventura. Construindo as Epistemologias do Sul: Antologia Essencial. Volume I: Para um pensamento alternativo de alternativas; compilado por Maria Paula Meneses… [et al.]. – 1a ed. Buenos Aires: CLACSO, 2018. Disponível em: http://www.boaventuradesousasantos.pt/media/Antologia_Boaventura_PT1.pdf. Acesso em: 06 de agosto de 2022.

ESTENSSORO, Fernando. A Geopolítica Ambiental Global do Século 21: Os Desafios Para a América Latina. Editora Unijuí, 2019.

GARCÍA LINERA, Álvaro. Geopolítica de la Amazonía. Poder Hacendal-Patrimonial y Acumulación Capitalista. La Paz: Vicepresidencia del Estado; Presidencia de la Asamblea.

Legislativa Plurinacional, 2012.

LIXA, Ivone F. M.; FERRAZZO, Débora; MACHADO FAGUNDES, Lucas. Cultura Jurídica Latino- Americana – entre o pluralismo e o monismo na condição da colonialidade. San Luis Potosí: CENEJUS, 2020. Disponível em: https://vdocs.tips/download/cultura-juridica-latinoamericana-epilogol2yjggkxj3?hash=dd96080677c5b9a48a74297b1240726e. Acesso em: 06 ago. 2022.

MALDONADO-TORRES, Nelson; Analítica da colonialidade e da decolonialidade: algumas dimensões básicas. Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Grupo Autêntica, 2018.

WOLKMER, Antonio C. História do Direito no Brasil – Tradição no Ocidente e no Brasil. Grupo GEN, 2019.

[1] Doutorando em Ciências Sociais.
[2] Mestranda em Direito.

Enviado: Outubro, 2022.

Aprovado: Novembro, 2022.

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