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A recorribilidade da decisão no agravo interno da decisão de negativa de seguimento de recurso extraordinário e/ou especial em vista de distinção ou de superação

RC: 154546
288
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-sociais/recorribilidade-da-decisao

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

STIPSKY, Paulo Ricardo [1], ALVAREZ, Anselmo Prieto [2]

STIPSKY, Paulo Ricardo. ALVAREZ, Anselmo Prieto. A recorribilidade da decisão no agravo interno da decisão de negativa de seguimento de recurso extraordinário e/ou especial em vista de distinção ou de superação. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 09, Ed. 10, Vol. 01, pp. 166-187. Outubro de 2024. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-sociais/recorribilidade-da-decisao, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-sociais/recorribilidade-da-decisao

RESUMO

Trata-se de artigo sobre a recorribilidade da decisão em agravo interno, nos termos do artigo 1021 do Código de Processo Civil e em vista da negativa de seguimento de recurso extraordinário e/ou de recurso especial, com base em entendimento, pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em recurso repetitivo; ou de entendimento Supremo Tribunal Federal pela inexistência de repercussão geral ou exarado em repercussão geral (1030, I, “a” e “b”); ou em razão de sobrestamento decorrente de questão pendente nos tribunais superiores (1030, III). Em juízo de admissibilidade, o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem terá aplicado entendimento firmado ou afetado no tribunal superior, efetivamente competente para a confirmação, superação ou distinção, em última análise, do precedente aplicado a posteriori. Dessa forma, tratando-se de tema não superado pela jurisprudência, deve ser assegurada a interposição de agravo ao Supremo Tribunal Federal e/ou ao Superior Tribunal de Justiça (1042) de acordo com a lógica inerente à formação e à superação de precedentes judiciais no modelo constitucional de processo civil.

Palavras-chave: Agravo interno, Negativa de seguimento a recurso especial e recurso extraordinário, 1030 I e II, § 2º do Código de Processo Civil, Recorribilidade e limites.

1. INTRODUÇÃO

De acordo com o artigo 1030 do Código de Processo Civil (CPC/2015), na interposição do recurso especial ou do recurso extraordinário, caberá ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido o juízo de seguimento ou de admissibilidade do recurso interposto, conforme o caso. Ou, se o caso, a imposição da decisão de sobrestamento do recurso sobre controvérsia repetitiva ainda pendente no Supremo Tribunal Federal (STF) ou no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Nesse sentido, poderá ser negado seguimento ao recurso extraordinário em relação ao qual o STF já tenha reconhecido a inexistência de repercussão geral ou no caso de estar o acórdão em conformidade com o entendimento exarado pelo STF, sob o regime da repercussão geral (1030, I, “a”, CPC/2015). Da mesma forma, nos casos de acórdãos que estejam em conformidade com o entendimento do STF ou do STJ, firmado conforme o caso sob o rito dos recursos especiais repetitivos (1030, I, “b” do CPC/2015).

E, ainda para essa finalidade, também pode ser imposto o sobrestamento do recurso quando tratar-se de controvérsia repetitiva ainda não decidida pelo STF ou pelo STJ (1030, III, CPC/2015). Após a solução da controvérsia, ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal de origem compete, oportunamente, a negativa de seguimento do recurso, caso o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior (1040, I, CPC/2015) ou o reexame da questão, nas hipóteses em que o julgado contrariar a orientação do tribunal superior, nos termos do que disposto no 1040, II, CPC/2015.

A partir de então, no que diz respeito à decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem, proferida nos termos do artigo 1030, I, “a” e “b” e III do CPC/2015, poderá a parte interpor agravo interno (1030, § 2º., CPC/2015). É dizer, portanto, que de acordo com a previsão expressa da regra do § 2º. do artigo 1030 do CPC/2015, não sendo possível, nesse momento, a interposição de agravo ao STF ou ao STJ, conforme o caso, nos termos do artigo 1042 do CPC/2015, sendo esse recurso (de agravo, ao STF ou ao STJ) previsto para as hipóteses de inadmissibilidade do recurso extraordinário ou do recurso especial, de acordo com o disposto no artigo 1030, V do CPC/2015.

A questão aqui colocada, a partir de então, é que de acordo com o modelo constitucional de processo, a partir da decisão proferida nos termos do artigo 1030, I, “a” e “b” e III do CPC/2015, a parte deverá buscar demonstrar distinção em relação ao precedente judicial em sentido amplo ou em relação aos limites da decisão de sobrestamento. Nesse caso, em sendo negado provimento ao recurso (de agravo interno) em questão pelo tribunal de origem, qual o recurso que deverá ser considerado pela parte e quais os fundamentos de direito da irresignação?

E isso porque, via de regra, caberá na hipótese o respectivo recurso extraordinário (102, III, Constituição Federal) ou o respectivo recurso especial (105, III, Constituição Federal), já interposto no caso específico, o que levou o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem à decisão de não seguimento ou de sobrestamento, nos termos do artigo 1030, I ou III do CPC/2015. E tendo sido exatamente essa decisão que levou o litigante ao agravo interno, com o objetivo de seguimento do recurso interposto.

Sendo assim, pode-se considerar a hipótese de cabimento ao agravo ao STF ou ao STJ, conforme o caso, nos termos do artigo 1042 do CPC/2015? Ou, não sendo a decisão recorrível, de acordo com a lógica inerente aos precedentes judiciais?

Trata-se de tema relevante, sendo que a questão deverá ser analisada considerando-se os limites objetivos do recurso interposto inicialmente ao colegiado na forma do artigo 1021 do CPC/2015 (agravo interno) e, a partir de então sendo considerados os limites objetivos do pleito que pretende seja analisado pelo STF ou pelo STJ.

A questão é controversa e a doutrina posiciona-se de modo distinto em relação ao tema. Na jurisprudência, no âmbito do CPC/1973 e mesmo já no contexto do CPC/2015, entendeu-se tratar de decisão irrecorrível, porém a matéria merece ser debatida de forma ampla e de acordo com a lógica inerente aos precedentes judiciais e em conformidade com as normas fundamentais do processo civil, a partir da Constituição da República.

2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A NATUREZA DA DECISÃO PROLATADA DE ACORDO COM O ARTIGO 1030, I E III DO CPC/2015 E SOBRE A SUA RESPECTIVA RECORRIBILIDADE

Sabe-se que o legislador mais recentemente e na forma do CPC/2015 buscou emprestar maior celeridade ao processo e, ao mesmo tempo, assegurar a tutela jurisdicional adequada e isonômica, fazendo para essa finalidade uso de precedentes judiciais de observação obrigatória pelos juízes e tribunais. É nesse sentido que também a recorribilidade das decisões judiciais ganhou novos contornos.

No caso do artigo 1030, I, “a” e “b” e III, todos do CPC/2015, buscou o legislador estabelecer regramento distinto no que diz respeito à recorribilidade da decisão que nega seguimento a recurso extraordinário que discuta questão constitucional em relação à qual o STF não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou interposto contra acórdão que esteja de acordo com o entendimento do STF, exarado exatamente sob o regime da repercussão geral (1030, I, “a”, CPC/2015). Da mesma forma, no caso de recurso extraordinário e/ou recurso especial repetitivo interposto contra acórdão que esteja em conformidade com o entendimento do STF ou do STJ, conforme o caso, exarado nesse caso sob o rito dos recursos repetitivos (1030, I, “b”, CPC/2015).

Trata-se, de fato, de nova hipótese de cabimento de agravo interno, em razão da decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem, pela negativa de seguimento ao recurso extraordinário e/ou ao recurso especial (Oliveira, 2017, p. 2560-2561). A nova metodologia é interessante, na medida em que será viabilizada a sedimentação, ou mesmo a resolução, da questão nas instâncias ordinárias, porém é preocupante a tentativa de limitação do acesso às cortes superiores.

No mesmo sentido, também foi previsto o agravo interno em relação à recorribilidade da imposição de decisão de sobrestamento de recurso que verse sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida pelo STF ou pelo STJ (1030, III, CPC/2015), buscando emprestar racionalidade ao sistema processual de forma ampla.

Trata-se, de outro lado, de regramento distinto em relação à recorribilidade da decisão de inadmissibilidade daqueles recursos aos tribunais superiores, essa prolatada nos termos do artigo 1030, V do CPC/2015. E isso porque, nesse caso, o recurso a ser interposto é o agravo ao STF ou ao STJ, conforme o caso, nos termos do que dispõe o artigo 1030, § 1º. e na forma do artigo 1042, todos do CPC/2015. O que, aqui, evidencia cenário não desejado de grande incerteza em sentido diverso da proposta do legislador, já que no caso de negativa de seguimento ao recurso extraordinário ou especial, com fundamento relacionado à sistemática dos recursos repetitivos ou da repercussão geral (artigo 1.030, I, do CPC/2015) e, da mesma forma, no caso de inadmissão de recurso extraordinário e/ou especial em razão de fundamento relacionado à análise dos pressupostos de admissibilidade recursais (artigo 1.030, V, do CPC/2015), a parte deve interpor, simultânea e necessariamente, agravo interno e agravo ao STF e/ou ao STJ (Conceição; Uzeda, 2021, p. 1).

De qualquer modo, a decisão prolatada pelo presidente ou pelo vice-presidente do tribunal de origem, essa prolatada nos termos do artigo 1030, I, “a” e “b” e III do Código de Processo Civil deve ser objeto de agravo interno, interposto perante o órgão colegiado e nos termos do artigo 1030, § 2º. do mesmo CPC/2015. A partir disso, outrossim, o legislador silenciou sobre as possibilidades recursais que decorrem da decisão do órgão colegiado que confirmar a posição do presidente ou do vice-presidente e, dessa forma, negar provimento ao agravo interno em questão.

Nesse contexto, o STJ já se posicionou no sentido de que o agravo interno é o único recurso cabível contra a decisão que nega seguimento ao recurso especial ou ao recurso extraordinário em razão de estar o acórdão recorrido em consonância com tese firmada pelo tribunal superior sob o rito dos recursos repetitivos ou de acordo com a sistemática da repercussão geral (Brasil, 2023, p. 1). O STJ, na forma da citada decisão, reforçou a letra expressa do artigo 1030, § 2º. do Código de Processo Civil para fundamentar o julgado, não estando o tema, no entanto, pacificado.

De fato, trata-se de questão que deve ser analisada de acordo com a lógica inerente ao uso de precedentes judiciais para a celeridade jurídico-processual, sendo certo que a hipótese do artigo 1030, I, “a” e “b” e III do CPC/2015 exterioriza decisões exaradas pelo STF ou pelo STJ, conforme o caso, competentes em última análise em decidir pela confirmação, superação ou distinção do precedente aplicado a posteriori. Deve-se observar, inclusive, a preocupação do legislador com a estabilidade dos precedentes judiciais, conforme denota-se dos artigos 926 e 927, §§ 1º.-4º. do CPC/2015.

Sobre o tema, Luiz Guilherme Marinoni aponta que a despreocupação com a coerência em relação aos precedentes judiciais “… decorre da falsa premissa de que a norma jurídica seria antecedente à intepretação do enunciado normativo” (2017, p. 2307). É dizer que, a partir disso, surge a suposição de que o órgão jurisdicional apenas extrai a interpretação que decorre da lei, não existindo uma função interpretativa em relação à legislação (2017, p. 2307-2308).

A mesma questão parece surgir em relação aos próprios precedentes judiciais, exteriorizados (caso da repercussão geral e dos recursos repetitivos) na forma de teses, que a partir de então passam a ser aplicadas a posteriori pelos demais juízes e tribunais. Da mesma forma, não se pode relegar ao segundo plano que, também nesse caso, existe uma função interpretativa, ou mesmo criativa, em relação ao próprio precedente judicial.

De qualquer forma, o que parece restar claro também aqui é que, também de acordo com as normas fundamentais do processo civil, o recurso interposto pela parte na hipótese deve impugnar, objetivamente, a decisão recorrida. E, assim, deve o litigante observar os limites da recorribilidade da decisão, conforme o caso, sendo que no caso do agravo interno, interposto em razão da decisão proferida nos termos do artigo 1030, I, ‘a” e “b” e III e em conformidade com o artigo 1030, § 2º. do CPC/2015, deverá buscar a reforma do julgado, apontando para a existência de distinção ou de superação.

É nesse contexto que deve ser analisada a recorribilidade da decisão, prolatada nos termos do artigo 1030, I, “a” e “b” e III, § 2º. do Código de Processo Civil.

2.1 PRECEDENTES JUDICIAIS E TUTELA JURISDICIONAL: A INTERPRETAÇÃO E A IMPOSIÇÃO DOS PRECEDENTES JUDICIAIS NO CONTEXTO DO NOVO PROCESSO CIVIL

É importante destacar, desde logo, que no common law, tradicionalmente, a lei escrita não constitui a base da sociedade, formada a partir do direito consuetudinário (Dantas, 2011, p. 65-66). O que não significa que, também nos países afiliados ao common law, principalmente na atualidade, a legislação escrita não exerça papel de destaque (Pinto, 1992, p. 45). De fato, esse fenômeno vem sendo notado atualmente com mais intensidade nos países afiliados à tradição do common law; assim como os precedentes judiciais vem ganhando destaque nos países afiliados à tradição do civil law, principalmente em cenário de maior tensão entre as funções do poder público, sendo dizer, entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

O que acontece, em relação aos precedentes judiciais, nos países tradicionalmente afiliados ao common law, é que o princípio de direito aplicado no caso concreto (posteriormente reconhecido como precedente judicial) é, via de regra, estabelecido a partir do processo de interpretação realizado em torno do costume. É desse modo que os precedentes judiciais exercem papel de destaque no common law, sendo a razão pela qual surge, nesse cenário, a sensação de que os juízes possuem mais liberdade no processo decisório, questão problemática e que levaria, de outro lado, a sociedade mais facilmente ao tema do ativismo judicial (Nery Junior; Nery, 2015, p. 1836).

Já nos países tradicionalmente afiliados à tradição do civil law, a legislação escrita possui papel de destaque, sendo o instrumento de trabalho, por excelência, dos magistrados, que devem analisar a questão sempre com base nessa realidade. Nesse cenário, surge o já citado dogma de que, por meio do uso e amplitude dos precedentes judiciais, o sentido da lei in abstrato é tão somente extraído in concreto, não havendo função interpretativa (Marinoni, 2017, p. 2307-2308).

É por esse motivo que o uso de precedentes judiciais nas nações tradicionalmente afiliadas ao civil law, historicamente, não exerce papel de destaque, a não ser com características persuasivas e para fins de isonomia na prestação da tutela jurisdicional, prevalecendo o entendimento de que o magistrado deve gozar de absoluta independência funcional e sendo submetido unicamente ao império da lei como posta pelo legislador. Da mesma forma, reconhecido que o Judiciário não pode usurpar a função que lhe foi reservada, não sendo possível, portanto, estabelecer regras em abstrato a serem observadas pelos demais juízes em casos futuros na mesma questão de direito.

Outrossim, ciente dos desafios que a vida moderna reclama, o legislador reconhece que a fragmentação do sistema é problema a ser combatido, razão pela qual mais recentemente passou, no contexto de uma nação afiliada à civil law, a reconhecer força vinculante às decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade e na forma dos enunciados de súmula vinculante (102, § 2º. e 103-A, §§ 1º.-3º. da Constituição da República; e Emenda Constitucional 45/2004). Trata-se, assim, da gênese do dever de observação de precedentes judiciais pelos juízes e tribunais, em sentido amplo, no Brasil, com efeito vinculante e eficácia erga omnes.

A partir de então, ainda que não isento de críticas, o legislador reconheceu ser necessário dar mais um passo na missão de estabilização da sociedade, em especial para evitar o que se chamou de causa de intranquilidade e perplexidade da sociedade (Comissão de Juristas, 2015, p. 27). Assim surgiu a previsão do artigo 926 do CPC/2015 e a previsão do artigo 927 do CPC/2015.

É nesse sentido que o legislador ordinário parece querer dar a necessária ênfase aos precedentes judiciais que são formados nos demais tribunais superiores, a exemplo do entendimento do STF e do STJ no caso de julgamento de recurso repetitivo. No caso específico do artigo 1030, I, “a” do CPC/2015 e para os fins do tema abordado no presente estudo direcionado ao tema em questão, também no que diz respeito entendimento do STF firmado sob o regime da repercussão geral (ou inexistência de repercussão).

O objetivo é adequado aos novos tempos e às expectativas do jurisdicionado. No entanto, sendo certo que devem ser assegurados ao litigante os instrumentos não apenas para a construção democrática do precedente judicial que será imposto aos juízes, aos tribunais e à sociedade de modo amplo, mas também devem ser assegurados os instrumentos para, objetivamente, buscar a reforma do julgado, em especial no caso em que seja apontada a existência de distinção ou de superação do precedente invocado pelo tribunal de origem para a negativa de seguimento ao recurso extraordinário e/ou especial.

É interessante a crítica de Georges Abboud, que defende que “apostar em decisões dos Tribunais com efeito vinculante consiste em realizar a mesma forma de aposta ingênua que foi feita na Revolução Francesa”, quando “acreditava-se que a lei conteria a infinidade de solução dos casos” (Abboud, 2016, p. 402-403). É dizer, da mesma forma não se pode acreditar que o precedente judicial contenha a solução completa e pronta para o futuro, em especial nos casos em que apontada distinção ou superação da tese vinculante com o caso posterior. O direito ao devido processo legal ganha destaque nesses casos, devendo ser assegurado o direito da parte em acessar os tribunais superiores.

Sobre o tema, também Lenio Streck aponta sobre o uso de precedentes judiciais como elemento de imposição da tutela jurisdicional célere e isonômica que “dois elementos […] revelam a sua incompatibilidade com o que de mais contemporâneo se fez e faz na teoria do direito pós Kelsen e pós-Hart: a) a aposta na vontade do intérprete das cortes de vértice e b) a cisão entre interpretação e aplicação” (Streck, 2016, p. 1). E, prossegue, esclarecendo que a problemática exposta evidencia uma “divisão de funções” entre juízes e tribunais ordinários em relação aos tribunais superiores, cuja função seria interpretar a norma pela elaboração de uma tese, supostamente pronta e acabada, que seria apenas e tão somente aplicada futuramente, não sendo, aqui, necessária qualquer função interpretativa (Streck, 2016, p. 1).

É dizer que, de fato, existe uma atividade interpretativa realizada pelos juízes e tribunais ordinários em relação aos precedentes judiciais estabelecidos pelos tribunais superiores, razão da possibilidade de se alegar distinção ou superação em um dado caso. É essa a razão da norma do artigo 489, IV do Código de Processo Civil, segundo a qual o juiz não pode deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou mesmo a superação do entendimento estabelecido no precedente judicial em questão.

Dessa forma e desde logo, deve ser afastada a hipótese de irrecorribilidade da decisão de negativa de seguimento ao recurso extraordinário e/ou especial, pelo respetivo órgão colegiado e na forma de agravo interno interposto em conformidade com o disposto no artigo 1030, I, ‘a” e “b” e III, em conjunto com o § 2º., todos do CPC/2015. A reclamação, por sua vez, também polêmica e em especial no caso de recurso especial repetitivo, ainda que seja admitida, não afasta a necessidade de previsão de meio de impugnação específico e até mesmo em razão do artigo 988, § 5º., I do CPC/2015.

2.2 A NEGATIVA DE SEGUIMENTO COM BASE NO ARTIGO 1030, I “A” E “B” E III DO CPC/2015 E OS LIMITES DA RECORRIBILIDADE DA DECISÃO (1030, § 2º., CPC/2015)

Dessa forma, com o estabelecimento de regra pela qual determinados precedentes judiciais devem ser observados na prestação da tutela jurisdicional, faz sentido que a tutela jurisdicional seja exercida de forma adequada a essa nova realidade, bem como a recorribilidade das decisões judiciais, de forma geral, esteja da mesma forma adequada a essa nova realidade, de observação de precedentes judiciais.

A decisão judicial, em razão do exposto, não se considera fundamentada quando deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento (489, § 1º., VI, CPC/2015); e da mesma forma, quando deixar de impor sobrestamento determinado de acordo com a sistemática dos recursos extraordinários e/ou recursos especiais repetitivos. Nesses casos, é assegurado à parte o direito de requerer o prosseguimento da lide específica pela demonstração da distinção entre a questão a ser decidida no caso concreto e aquela a ser julgada pelo STF ou pelo STJ no recurso extraordinário ou no recurso especial afetado (1037, §§ 9º.-13º., CPC/2015) sob o rito dos recursos repetitivos (Bueno, 2017, p. 984-985).

Trata-se de questão lógica no contexto dos precedentes judiciais, já que demonstrada a superação ou a distinção do procedente judicial com a hipótese posterior, a imposição do precedente judicial ao caso concreto restará prejudicada. É nesse contexto que deve ser assegurado à parte o devido processo legal na sua integralidade.

Sobre o tema da fundamentação das decisões judiciais, Teresa Arruda Alvim ensina que se trata de ato de inteligência e de vontade, de acordo com o princípio do livre convencimento motivado inserido no artigo 371 do Código de Processo Civil (Alvim, 2017, p. 432). Assim, na hipótese de decisão que aplica determinado precedente judicial (ou impõe sobrestamento ou entendimento de inexistência de repercussão geral), deve ser assegurado o direito de interposição de recurso para além do próprio órgão que aplicou o entendimento – esse firmado no âmbito dos tribunais superiores.

Portanto, a partir da decisão proferida nos termos do artigo 1030, I e III, e na forma do § 2º. do mesmo dispositivo legal, no recurso de agravo interno, previsto na hipótese, deverá o litigante exatamente se ater aos limites objetivos do meio de impugnação em questão, demonstrando a razão pela qual, na visão do recorrente, o caso específico em pauta deve prosseguir mediante recurso extraordinário e/ou recurso especial, conforme interposto na hipótese. É evidente que, à parte é imposto o ônus de apresentação das razões de reforma da decisão recorrida, para os fins de direito (ENFAM, [s.d.], p. 1).

E isso porque, sendo o caso de mera irresignação, trata-se de recurso que não terá razão de reforma da decisão recorrida, proferida nos termos da legislação em vigor e apontado que o recurso extraordinário e/ou o recurso especial não devem ter seguimento, em razão de precedente judicial na forma do artigo 1030, I, “a” ou “b” do CPC/2015 ou no caso de sobrestamento em razão de controvérsia repetitiva pendente (1030, III, CPC/2015). Tratando-se, assim, de decisão proferida exatamente nos termos da legislação (1030, I e III do CPC/2015) e em razão de recurso extraordinário sobre tema em relação ao qual o STF não tenha reconhecido repercussão geral ou contra acórdão proferido conforme entendimento do STF no regime da repercussão geral; bem como no caso de recurso extraordinário ou recurso especial contra acórdão que seja em conformidade com o entendimento do STF ou do STJ, conforme o caso, exarado sob o rito dos recursos repetitivos; ou ainda no caso de sobrestamento de recurso sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida pelo STF ou pelo STJ, conforme a hipótese específica.

A reforma da decisão de negativa de seguimento ao recurso extraordinário ou ao recurso especial poderá ser reconhecida pela demonstração da superação ou da distinção entre o caso em pauta e o precedente judicial invocado para negativa de seguimento ao recurso interposto ao STF e/ou ao STJ, sendo exatamente esse o limite objetivo das razões do recurso de agravo interno previsto na hipótese e nada além ou aquém.

Sabe-se que à parte é imposto o princípio da dialeticidade recursal, nos termos do artigo 1010, III do Código de Processo Civil e sob pena de não conhecimento do recurso (932, III, CPC/2015), sendo necessário demonstrar “sintonia entre as razões recursais invocadas para a reforma e os fundamentos do julgado recorrido” (Brasil, 2018b, p. 1). Nesse contexto, existindo meios para penalizar a parte que não observar o princípio da dialeticidade, quando restar demonstrado o abuso de direito na hipótese, pela imposição de multa em razão de litigância de má-fé (Brasil, 2018a, p. 1).

É importante dizer ainda que, nesse caso, inicialmente não cabe agravo ao STF e/ou ao STJ, nos termos do artigo 1042 do CPC/2015, e conforme previsão expressamente inserida nesse dispositivo, combinado com o artigo 1030, § 2º. do mesmo CPC/2015. A decisão que negar seguimento, com fulcro no artigo 1030, I e III do CPC/2015, ao recurso extraordinário e/ou ao recurso especial interposto pelo litigante deve ser questionada mediante agravo interno, nos termos do artigo 1030, § 2º. do CPC/2015 e na forma do artigo 1021 do mesmo código, sempre pela demonstração de que há distinção entre o caso em pauta e o precedente judicial, ou de superação do próprio precedente.

Com isso, resta analisar a possibilidade de interposição, após decisão no agravo interno interposto na hipótese, de agravo ao STF ou ao STJ, conforme o caso, na forma do artigo 1042 do CPC/2015, caso em que será necessário superar a literalidade do dispositivo em questão, que aponta que o agravo em questão (ao STF ou ao STJ) deve ser interposto contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial. Outrossim, deve ser analisada ainda a possibilidade de interposição de novo recurso extraordinário ou de novo recurso especial, conforme o caso, da decisão que denegar o agravo interno já interposto.

Já aqui, deve ser considerado que, a partir da negativa de provimento ao agravo interno interposto na forma do artigo 1030, I, “a” e “b” e II, § 2º. do Código de Processo Civil, deverá ser interposto o respectivo agravo do artigo 1042 do CPC/2015, ao STF ou ao STJ, conforme o caso, para a necessária demonstração de superação ou distinção.

3. O DISTINGUISHING OU A SUPERAÇÃO COMO FUNDAMENTO DO AGRAVO INTERNO INTERPOSTO NA FORMA DO ARTIGO 1030, § 2º. DO CPC/2015 E O CONSEQUENTE CABIMENTO DE AGRAVO AO STF E/OU AO STJ, A PARTIR DE ENTÃO NA FORMA DO ARTIGO 1042 DO CPC/2015

Sabe-se que por meio dos fundamentos da decisão, busca-se apresentar às partes a razão pela qual o magistrado aplicou o direito de determinado modo, decidindo a questão favoravelmente a um dos litigantes, e, portanto, desfavoravelmente em relação ao outro, não sendo, dessa forma, “fruto da sorte ou do acaso, mas de atuação da lei” (Nery Junior, Nery, 2015, p. 1153). E, da mesma forma, sendo efetivamente viabilizado o controle crítico da sentença (Nery Junior; Nery, 2015, p. 1153), nos termos do meio de impugnação específico previsto pelo legislador em determinado caso.

Trata-se, assim, de exteriorização da cooperação no processo civil, mais recentemente inserida no artigo 6º. do CPC/2015 e na qualidade de norma fundamental do processo civil, em conformidade com os princípios e regras constitucionais. Em especial nos termos da regra do artigo 93, IX da Constituição da República.

É por esse motivo que, além do próprio magistrado, as partes devem também demonstrar objetivamente, por meio do recurso de direito, as razões pelas quais a decisão questionada deve ser reformada. No caso de recurso em face de decisão tomada em razão de precedente judicial em sentido estrito, deverá esclarecer que o paradigma está superado ou que a situação concreta é distinta daquele (Cunha, 2017, p. 1374).

É o caso do recurso de agravo interno, interposto nos termos do artigo 1030, § 2º. do CPC/2015 e em razão do sobrestamento ou da decisão de negativa de seguimento ao recurso extraordinário e/ou ao recurso especial, por sua vez prolatada conforme artigo 1030, I e III do CPC/2015. É dizer que o litigante deve, evidentemente, se pautar pelos limites objetivos do recurso em questão em razão da dialeticidade recursal.

E, da mesma forma, o órgão colegiado que examinará o recurso interposto pelo recorrente na hipótese, ao decidir se no caso existe questão de fato ou de direito não considerada pelo presidente ou pelo vice-presidente do TJ ou do TRF. Assim, em sendo decidido pelo órgão colegiado que o caso em pauta é distinto do paradigma invocado pelo presidente ou pelo vice-presidente para os fins do artigo 1030, I e III do CPC/2015, deverá ser assegurada a possibilidade de interposição de recurso ao tribunal superior.

A partir de então, se o colegiado confirmar a decisão do presidente ou do vice-presidente, sendo de fato estabelecido que se trata, na hipótese, de situação que demanda a mesma conclusão adotada ou a ser adotada pelo STF ou pelo STJ, conforme o caso, quais as possibilidades recursais asseguradas ao litigante?

É necessário, desde logo e como antecipado, afastar a hipótese de irrecorribilidade da decisão (Alvim, 2019, p. 1480). E isso porque a legislação ordinária deve ser interpretada em conformidade com a Constituição da República, assegurado o direito de ação (5º., XXXV) e na forma do direito ao devido processo legal (5º., LIV).

Sabe-se que no âmbito do CPC/1973 firmou-se entendimento em torno da questão, sendo estabelecido “… que o único recurso cabível para impugnação de possíveis equívocos na aplicação do art. 543-B ou 543-C, do CPC, é o agravo interno …”, esse julgado no âmbito do tribunal de origem na forma da legislação processual civil, “… não havendo previsão legal de cabimento de recurso ou de outro remédio processual” (Brasil, 2015, p. 1). Trata-se, no entanto, de entendimento não consolidado e que se baseou na literalidade da legislação, não sendo a questão analisada sob o enfoque do neoconstitucionalismo e no ensejo das normas fundamentais do processo civil, ponto que deve ser considerado relevante. Sendo que, ainda mais, recentemente, a tomada de precedentes judiciais pelo legislador para a finalidade de prestação da tutela jurisdicional adequada representa mudança de paradigma deve ser igualmente ser considerada.

Sendo importante considerar que não se admite reclamação proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada e nem proposta para garantir observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias (nos termos do que disposto no artigo 988, § 5º., I e II, CPC/2015). Nesse sentido, o STJ já se posicionou pelo não cabimento de reclamação na hipótese, após o advento da Lei 13.256/2016 (Brasil, 2020, p. 1).

De fato, o STJ já se posicionou sob o contexto do Código de Processo Civil de 2015 no sentido de que o agravo interno é o único recurso cabível contra a decisão que nega seguimento ao recurso especial ou ao recurso extraordinário em razão de estar o acórdão recorrido em consonância com tese firmada pelo tribunal superior sob o rito dos recursos repetitivos ou de acordo com a sistemática da repercussão geral (Brasil, 2023, p. 1). Novamente aqui, STJ, na forma da citada decisão, apenas reforçou a letra expressa do artigo 1030, § 2º. do Código de Processo Civil para fundamentar o julgado, de modo que a questão não está devidamente sedimentada, em especial no contexto dos precedentes judiciais e do devido processo legal a partir da Constituição da República.

Nesse contexto, tem sido defendido (Bueno, 2017, p. 972) que deve ser assegurado o direito de interposição de novo recurso extraordinário e/ou de novo recurso especial, após a dita negativa de provimento ao agravo interno interposto nos termos do artigo 1030, § 2º. do CPC/2015. Assim, nos exatos termos da regra do artigo 102, III, “a” e do artigo 105, III, “a”, ambos da Constituição da República, sendo que a interposição e o julgamento do recurso de agravo interno, nos termos do artigo 1030, § 2º. do CPC/2015 seria condição sine qua non para viabilizar o acesso ao STF e/ou ao STJ, mediante novo recurso extraordinário e/ou novo recurso especial, ou até mesmo pela propositura de reclamação nos termos do artigo 988, § 5º., II do CPC/2015 (Bueno, 2017, p. 972).

De outro lado, defende-se que na hipótese em questão, após negativa de provimento ao agravo interno interposto nos termos do artigo 1030, § 2º. do CPC/2015, deve ser assegurado à parte a possibilidade de interposição do respectivo agravo em recurso especial, previsto no artigo 1042 do CPC/2015, apesar da literalidade do dispositivo em questão (Alvim, 2019, p. 1480). Trata-se de possibilidade questionável, ao menos em razão da literalidade da regra, porque o cabimento do agravo ao STF e/ou ao STJ apenas pode ocorrer quando a decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário e/ou ao recurso especial for prolatada pelo presidente ou pelo vice-presidente do tribunal de origem, sendo que aqui trata-se de decisão colegiada. Além disso, trata-se aqui de decisão de não seguimento de recurso extraordinário ou de recurso especial (1030, I, “a” e “b” e III) e não de juízo de inadmissibilidade (1030, V), sendo que, ademais disso e de acordo com a regra do artigo 1042, in fine, do CPC/2015, não caberá o agravo ao STF e/ou ao STJ quando a decisão prolatada estiver fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos.

É, com isso, questão controversa. No entanto e desde logo, considera-se para os fins do presente que a possibilidade de agravo ao STF e/ou ao STJ, a partir de então nos termos do artigo 1042, é adequada para o acesso aos tribunais superiores, sendo a legislação federal interpretada em conformidade com a Constituição da República.

É que deve ser considerado que a finalidade do dispositivo do artigo 1030, I, “a” e “b” e III, em conjunto com a regra do respectivo § 2º., é a de assegurar a razoável duração do processo e a prestação da tutela jurisdicional adequada, da forma do estabelecida em precedente judicial firmado no âmbito do STF ou do STJ. E no caso de entendimento pelo tribunal de origem de que o recurso extraordinário ou o recurso especial não deve ter seguimento, na forma do artigo 1030, I, “a” e “b” e III do CPC/2015, porém mediante razões objetivas e argumentação específica pelo recorrente de que a questão em debate é distinta do paradigma tomado por base pelo tribunal de origem, deve ser assegurado ao litigante o direito de acesso aos tribunais superiores, mediante agravo (1042, CPC/2015).

Em síntese, trata-se de questão que deve ser revista à luz das disposições do CPC/2015, em especial diante da ratificação das normas fundamentais do processo civil brasileiro e em vista da tomada de precedentes judiciais para a prestação da tutela jurisdicional adequada e célere, e em conformidade com a Constituição da República.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o que restou exposto, trata-se de relevante questão, já inicialmente para definição da própria recorribilidade da decisão colegiada que negar provimento ao agravo interno interposto pela parte em face da decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem que, por sua vez, negou seguimento ao recurso extraordinário e/ou ao recurso especial oportunamente interposto, nos termos do que disposto no artigo 1030, I, “a” e “b” e III do CPC/2015, em conjunto com o que disposto no § 2º. do mesmo dispositivo. É que, além do cabimento do próprio agravo interno na hipótese, não há definição expressa sobre a possibilidade de acesso aos tribunais superiores a partir de então, ainda que mediante argumento de distinção ou superação.

Nesse contexto, deve-se observar que a reclamação não é instrumento para reforma do julgado proferido no caso específico, se não para preservação da competência do tribunal, garantia de observância de enunciado de súmula vinculante e decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade, bem como para garantia de observância de acórdão em IRDR ou IAC. Desde logo, não sendo possível a propositura de reclamação para observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida e nem de acórdão proferido em recurso extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias. Ademais é importante ter em consideração o entendimento já firmado pelo STJ e pelo não cabimento de reclamação para controle de decisão proferida pelo tribunal superior em recurso especial repetitivo.

E, ainda mais, não sendo possível a propositura de reclamação após o trânsito em julgado da decisão reclamada, o que evidencia a necessidade de interposição do recurso de direito, e para reforma do julgado específico, ainda se o caso de reclamação.

Sendo assim, desde logo deve ser afastado o uso individual da reclamação, sendo da mesma forma afastada a hipótese de irrecorribilidade da decisão proferida pelo órgão colegiado no agravo interno, interposto nos termos do artigo 1030, I, “a” e “b” e III do CPC/2015. Nesse ponto, a jurisprudência firmada no STJ a respeito do tema no âmbito do CPC/1973 deve ser necessariamente revisitada, não apenas porque o novo diploma é nesse ponto significativamente distinto do anterior, mas também porque o uso de precedentes judiciais em sentido estrito para a prestação da tutela jurisdicional adequada impõe profundas mudanças no tema dos recursos e meios de impugnação das decisões judiciais, e a partir das normas fundamentais do processo civil brasileiro.

Com isso, permanece o debate em torno do cabimento na hipótese de novo recurso extraordinário ou novo recurso especial, conforme o caso; ou ainda em torno do cabimento, nessas situações, do respectivo agravo ao tribunal superior, aqui nos termos do que disposto no artigo 1042 do CPC/2015. De acordo com o que restou exposto, consideramos a hipótese de agravo ao STF e/ou ao STJ adequada para essa finalidade.

É que, apesar da literalidade do dispositivo do artigo 1042 do CPC/2015, a sugerir que o agravo ao tribunal superior cabe em face da decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial, deve-se interpretar o dispositivo à luz das normas fundamentais do processo civil brasileiro, admitindo-se o agravo ao tribunal superior em face da decisão colegiada, em agravo interno (1030, I, “a” e “b” e III, CPC/2015), que negar provimento ao recurso em questão e confirmar a decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem, de negativa de seguimento ao respectivo recurso extraordinário ou especial.

Além disso, de acordo com a mesma literalidade da parte final do dispositivo do artigo 1042 do CPC/2015, não cabe o agravo ao tribunal superior quando a decisão recorrida estiver fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos. Sendo, no entanto, exatamente essa a questão, quando o recorrente, desincumbindo-se de seu ônus, demonstrar objetivamente que se trata de hipótese de distinção ou superação.

Em qualquer caso, deve-se ter em consideração os limites objetivos do recurso de agravo interno interposto da decisão que nega seguimento a recurso extraordinário ou a recurso especial, agravo interno esse interposto nos termos do artigo 1030, § 2º. do CPC/2015. É que, a partir de então, não se discute efetivamente o mérito da questão que levou o recorrente ao recurso extraordinário ou ao recurso especial, mas objetivamente a questão em torno da não incidência, no caso concreto, da hipótese do artigo 1030, I, “a” e “b” e III do CPC/2015, que permite a negativa de seguimento ou o sobrestamento daqueles recursos, conforme o caso, nos limites da legislação processual civil.

De modo que deve a celeridade e isonomia na prestação jurisdicional, exteriorizada a partir das normas fundamentais do processo civil, em especial no contexto do dever de boa-fé (5º., CPC/2015) e de cooperação (6º., CPC/2015) deve ser assegurada não pela limitação do devido processo legal e em vista da imposição de precedentes judiciais, sendo certo que também nesse caso existe função interpretativa exercida pelos juízes e tribunais. A efetividade jurídico-processual, de outro lado, deve ser assegurada a partir dos mesmos pressupostos, existindo meios para coerção das partes, se necessário.

REFERÊNCIAS

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[1] Doutorando e Mestre em Direito (Processual Civil) pela PUC-SP. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC-Campinas. Especialista em Direito Tributário pela FGV-SP e em Direito Internacional pela ESA-OAB/SP. Advogado. ORCID: 0009-0004-3650-7177. Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/2747291749732583.

[2] Orientador. Pós-doutoramento pelo Instituto Ius Gentium Conimbrigae/Centro de Direitos Humanos de Coimbra, associado à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – Portugal. Doutor em Direito Processual Civil pela Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. ORCID: 0000-0002-4464-0128. Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/7855142507591870.

Material recebido: 21 de outubro de 2024.

Material aprovado pelos pares: 21 de outubro de 2024.

Material editado aprovado pelos autores: 29 de outubro de 2024.

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Paulo Ricardo Stipsky

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