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Análise do impacto da Covid-19 nas operações logísticas de entrega no Brasil

RC: 126876
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

GENEROSO, Letícia Morelli [1], SILVA, Pedro Marinho Sizenando [2]

GENEROSO, Letícia Morelli. SILVA, Pedro Marinho Sizenando. Análise do impacto da Covid-19 nas operações logísticas de entrega no Brasil. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 09, Vol. 03, pp. 42-55. Setembro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-sociais/operacoes-logisticas

RESUMO

Durante o período de quarentena do vírus Covid-19, ainda que flexibilizado, os comércios foram duramente afetados pelas restrições impostas aos mesmos. Outra modalidade ganhou ainda mais força, o e-commerce, isto é, o comércio online. Consequentemente, o número de entregas também cresceu neste mesmo período. Logo, com o intuito de responder à principal pergunta que seria acerca do impacto da Covid-19 nas operações logísticas de entrega no Brasil, o presente artigo tem como objetivo geral, analisar e buscar compreender como a crise decorrente da pandemia de Covid-19 afetou diretamente nas operações logísticas de entrega, mais especificamente no Brasil nos anos de 2020 e 2021. O artigo também busca contribuir para um melhor entendimento de uma situação real acerca das mudanças provocadas pela pandemia no que se refere ao comércio brasileiro e setores como operações de última milha, além de analisar outras formas de entrega muito utilizadas no período pandêmico, como bicicletas, veículos autônomos, as tradicionais vans, entregas por aplicativos e até mesmo drones e pequenos droids. Utilizou-se de dados secundários e análise de trabalhos já publicados como metodologia para alcance dos objetivos propostos. Foi possível observar que o uso de modais alternativos mais sustentáveis, tecnológicos e práticos é uma tendência real para o mercado atual e futuro, tais como a substituição de automóveis de grande porte por veículos menores e mais ágeis.

Palavras-chave: logística, comércio, pandemia, Covid-19, e-commerce.

1. INTRODUÇÃO

A pandemia viral de Covid-19 teve seu início na China em dezembro de 2019 e seu pico ocorreu entre os meses de março a agosto de 2020 ao redor do mundo. A doença que assolou toda a esfera terrestre, apresentou como uma das principais medidas de proteção, a quarentena, a fim de evitar sua propagação. No Brasil, por exemplo, apenas no final do ano de 2020 a vacina começou a ser aplicada nos cidadãos.

A Covid-19 é uma infecção respiratória aguda causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, potencialmente grave, de elevada transmissibilidade e de distribuição global (BRASIL, 2021). Em dezembro de 2019, vários casos de pneumonia foram relatados na cidade de Wuhan, China. Tratava-se de uma nova cepa (tipo) de coronavírus que não havia sido identificada antes em seres humanos. No fim de janeiro de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que o surto do novo coronavírus constituía uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) e em fevereiro, foi confirmado o primeiro caso de coronavírus no Brasil. A partir disso, a OMS define o Coronavírus como uma pandemia e as primeiras mortes passam a ocorrer no mundo todo (LANA et al., 2020).

Sob tal cenário, os comércios foram duramente afetados pela impossibilidade de abertura, bem como a escassez de clientes em espaço físico, o que tornou a venda pela internet ou e-commerce como uma das principais alternativas para o setor de vendas. Houve um crescimento nas vendas de 68% em comparação com 2019, elevando de 5% para mais de 10% a participação do e-commerce no faturamento total do varejo (ABCOMM, 2020).

Essa tendência de migração para os meios digitais influenciou diretamente nas operações logísticas das empresas, sobretudo nos processos da última milha. Este processo compreende a etapa final da entrega de encomendas, ou seja, os processos de quando a mercadoria sai do centro de distribuição em direção ao seu ponto de entrega ao consumidor final.

Os custos logísticos com o processo de última milha são decorrentes das características das entregas realizadas nesta etapa que compreende pedidos pequenos, distribuição em ampla área geográfica, curto prazo de entrega, variações diárias dos locais de entregas, exigências referentes a qualidade e flexibilidade de horários e o uso de veículos de pequeno porte (SAITO; MONTEIRO; GOMES, 2006). O valor para manter essas operações pode impactar de forma negativa na competitividade das empresas, em razão desses custos serem repassados aos clientes que, por sua vez, esperam das organizações uma experiência diferenciada, almejando entregas que sejam cada vez mais rápidas, com prazos flexíveis e que atendam às suas necessidades, o que torna as operações ainda mais complexas.

Neste contexto, a presente pesquisa procura identificar, como objetivo geral, as principais dificuldades enfrentadas pelos setores de logística de entrega e comércio brasileiro no cenário pandêmico devido ao fechamento dos segmentos pela quarentena obrigatória estipulada pelo governo, pretendendo facilitar e esclarecer acerca do assunto através de situações reais analisadas por diferentes artigos e reportagens. Além disso, tem o intuito de pesquisar os principais impactos no processo de última milha das empresas referentes às mudanças impostas pela pandemia da Covid-19, e quais as estratégias adotadas para encarar as dificuldades. Os objetivos específicos podem ser definidos como:

  1. Pesquisar os diferentes modais de entrega utilizados na etapa de última milha, bem como apontar possíveis soluções para os problemas enfrentados atualmente, de acordo com os referenciais teóricos analisados.
  2. Investigar as tendências para os setores de comércio e logística após a crise do vírus SARS-CoV-2 e explicar o novo normal de tais setores.

Como metodologia, foi utilizada a pesquisa explicativa com dados secundários, a fim de melhor compreender o cenário apresentado e sugerir alternativas para os problemas identificados.

Tendo em vista tal cenário, se mostra relevante uma pesquisa que busque informar e facilitar o entendimento da situação, principalmente por se tratar da análise de uma possível projeção de comportamento do comércio brasileiro e melhor compreensão de como isso afeta os consumidores em geral.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 LOGÍSTICA E ÚLTIMA MILHA

O transporte de mercadorias é uma atividade imprescindível para o desenvolvimento da população, considerado essencial para o crescimento da sociedade. Nenhum centro ou área urbana poderia existir sem um sistema confiável e adequado do fluxo de mercadorias que abastecesse a sua população. Neste contexto, a área logística das organizações tem se desenvolvido continuamente de forma a gerar vantagens competitivas e prover soluções eficientes e de qualidade para o transporte de mercadorias. O termo logística pode ser definido como:

(…) o processo de planejamento, implantação e controle do fluxo eficiente e eficaz de mercadorias, serviços e das informações relativas desde o ponto de origem até o ponto de consumo com o propósito de atender às exigências dos clientes (CSCMP, 2022).

As atividades logísticas compreendem o vínculo entre os locais de produção e mercados separados por tempo e distâncias. O processo logístico pode ser caracterizado como uma cadeia de suprimentos em que todas as atividades são de suma importância, reunindo processos de movimentação, deslocamento, controle de materiais e pessoas de forma integrada a fim de mitigar erros e promover a eficácia. Isto possibilita a entrega do produto/serviço ao cliente no momento certo, e, além disso, o recolhimento dele, quando necessário, através da logística reversa (BALLOU, 2006).

Neste contexto, os custos logísticos chegam acerca de 10,6% do PIB brasileiro e ocupam 8,5% da receita líquida das empresas, sendo a última milha, a etapa mais custosa (MURÇA, 2013).

O termo “última milha”, do inglês “last mile”, se refere à última etapa de entrega ao consumidor final. É definida como a distância entre o centro de distribuição mais próximo e o endereço do consumidor (DIGITAL, 2021). É uma etapa extremamente importante pois é principalmente nessa fase final em que o consumidor irá avaliar a entrega, seja em tempo, valor de frete ou condições de sua encomenda. Desta maneira, é preciso que as empresas identifiquem e antecipem possíveis falhas e potenciais riscos a fim de desenvolver planos de ação que os evitem ou minimizem.

Alguns dos desafios para o gerenciamento da última milha são o alto custo do atendimento dos pedidos, entregas gratuitas, expectativas elevadas dos clientes em relação ao prazo de entrega, janelas de horários de entrega, rastreabilidade e personalização da remessa. A última milha ainda enfrenta maiores dificuldades em áreas de grandes centros urbanos, tais como: congestionamento, regulamentação de movimentação cada vez mais rigorosa e falta de infraestrutura logística dedicada, dificuldades de características topológicas, má qualidade da infraestrutura de transportes, com dificuldade de acesso para veículos maiores, e a segurança.

Com o advento de novas tecnologias no mercado, novos modelos de última milha também vêm sendo cada vez mais produzidos e procurados, em busca de um modelo com menor custo, que mantenha a qualidade do serviço e ainda com a preocupação com o meio ambiente. Os resultados da pesquisa realizada por (SHIBAO e SANTOS, 2020), indicaram uma tendência para o uso de veículos menores e mais leves para entregas na última milha em áreas urbanas, como por exemplo o uso de bicicletas, triciclos, motocicletas e Veículos Urbanos Comerciais (VUCs). Outra tendência observada foi a mudança de combustíveis fósseis para fontes alternativas de energia, principalmente com a utilização de veículos elétricos. Outras sugestões foram o uso do modelo crowdsourcing (contribuição colaborativa) e veículos elétricos ou híbridos nos grandes centros. Já para áreas de menor densidade demográfica, o uso de drones seria uma alternativa.

Para os comerciantes do e-commerce, a última milha representa uma oportunidade de demonstrar aos consumidores a qualidade dos seus serviços e, também, de evidenciar o compromisso que a empresa tem com seus clientes em manter a integridade da mercadoria no processo de entrega, pois esse processo representa uma experiência para o cliente. Sendo bem-sucedida pode gerar efeitos positivos para o seu negócio, como a fidelização, indicação e recompra.

Devido aos problemas existentes na última milha e na logística dos centros urbanos, encontrar formas de entregas economicamente viáveis na distribuição de mercadorias se torna um desafio.

2.2 SETOR COMERCIAL NA PANDEMIA

Ao que se refere ao cenário pré-pandemia, muitas empresas esperavam um crescimento moderado do e-commerce, com a possibilidade de ultrapassar a representatividade de vendas das lojas físicas. Porém, grande parte das previsões consideravam, no entanto, o aumento do fluxo digital do consumidor através do qual ele necessariamente realizaria a compra em si, mas utilizaria do ambiente digital usando ferramentas para melhorar sua experiência de compra (TAKAHACHI, 2020).

Todavia, devido à pandemia da Covid-19 ao redor do mundo, a demanda por compras e entregas online aumentou consideravelmente no período. As vendas online atingiram R$ 35,2 bilhões no 1º trimestre de 2021, o que representa um crescimento de 72,2% na comparação com o mesmo período do ano anterior (EXAME, 2021). Consequentemente, muitas empresas precisaram se adaptar de forma rápida ao uso de plataformas web para vendas e encomendas após o fechamento de seus estabelecimentos presenciais e à contratação de serviços de entrega last mile.

Cerca de 78% do faturamento do e-commerce brasileiro no primeiro semestre de 2020 foi referente à marketplaces, espécie de shopping virtual em plataforma colaborativa em que as lojas vendem no mesmo endereço, onde o processo de vendas fica sob responsabilidade do organizador (DIAS, 2020).

3. METODOLOGIA

A metodologia utilizada pode ser caracterizada como uma pesquisa explicativa qualiquantitativa, utilizando tanto dados secundários numéricos reais em relação à realidade estudada quanto reflexões e análise de sugestões por autores de artigos pesquisados. A escolha da pesquisa explicativa se deve à necessidade de tentar explicar as causas de mudanças do cenário nas áreas pesquisadas e as consequências geradas por elas. Segundo Gil (1999), a pesquisa explicativa tem como objetivo básico a identificação dos fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência de um fenômeno. É o tipo de pesquisa que mais aprofunda o conhecimento da realidade, pois tenta explicar a razão e as relações de causa e efeito dos fenômenos.

Os dados acerca dos impactos da pandemia de Covid-19 no comércio e na logística, sobretudo na etapa de última milha, foram obtidos através de um levantamento bibliográfico de artigos, bem como em pesquisa a portais do Governo Federal e instituições referência na área de pesquisa, como o SEBRAE. A pesquisa permitiu ponderar a respeito das principais dificuldades e oportunidades dos setores, além de levantar sugestões de possíveis soluções.

4. ANÁLISE DE RESULTADOS

Cerca de 522,7 mil empresas de 1,3 milhões encerraram as atividades na primeira quinzena de junho de 2020. O setor mais atingido foi o de Serviços, dividido em 49,5% (258,5 mil) no referido setor; 36,7% (192 mil) do comércio; 7,4% (38,4 mil) da construção e 6,4% (33,7 mil) da indústria (IBGE, 2020).

A estimativa é de que o país tinha, na primeira quinzena de junho, 4 milhões de empresas. Entre elas, 2,7 milhões (67,4%) estavam em funcionamento total ou parcial, 610,3 mil (15%) fechadas temporariamente e 716,4 mil (17,6%) encerradas em definitivo. Cerca de 70,7% das empresas alegaram queda nas vendas ou nos produtos comercializados durante a pandemia. Os dados são de março de 2020, período em que as medidas de isolamento estavam no início e mais fortes. Aproximadamente 17,9% disseram que houve pouco impacto e 1,6% alegaram aumento nas vendas. Ainda segundo a pesquisa, cerca de 32,9% das empresas mudaram o método de entrega de seus produtos ou serviços, e passaram a fazer também serviços online. Deste total, 20,1% passaram a comercializar novos produtos desde o início da pandemia (IBGE, 2020).

Os setores mais afetados devido a pandemia da Covid-19 no país, levando em consideração a relevância do setor na economia (por Valor Agregado – VA e por Pessoal Ocupado – PO), a variação do faturamento do setor de acordo com a Receita Federal e a margem de cada setor, foram (BRASIL, 2020):

  1. Atividades artísticas, criativas e de espetáculos;
  2. Transporte aéreo;
  3. Transporte ferroviário e metroferroviário de passageiros;
  4. Transporte interestadual e intermunicipal de passageiros;
  5. Transporte público urbano;
  6. Serviços de alojamento;
  7. Serviços de alimentação;
  8. Fabricação de veículos automotores, reboques e carrocerias;
  9. Fabricação de calçados e de artefatos de couro;
  10. Comércio de veículos, peças e motocicletas.

Cerca de 3,359 milhões de empresas foram abertas no Brasil no ano de 2020 e 1,044 milhão foram fechadas, o que mostra um saldo positivo de novos negócios abertos neste período, sendo o maior índice desde 2010. Além disso, cerca de 19,9 milhões das empresas abertas eram de Microempreendedores Individuais (MEI’s) (MARTELLO, 2021).

A Figura 1 apresenta a evolução da abertura e fechamento de empresas no Brasil entre os anos de 2010 e 2020, apresentando um pico nos fechamentos exatamente no período da pandemia.

Figura 1 – Abertura e fechamento de empresas no país

Abertura e fechamento de empresas no país
Fonte: MARTELLO (2021)

De acordo com painel desenvolvido pela KPMG (2020) organização global de firmas independentes que prestam serviços profissionais nas áreas de Audit, Tax e Advisory, o comportamento do consumidor foi favoravelmente alterado durante a pandemia de Covid-19. Especificamente sobre o setor de entregas, foi possível observar um aumento significativo no setor do varejo online. Desta maneira, o segmento se encontra em um cenário em que os investidores notaram seu potencial e estão aplicando capital para sua recuperação e crescimento.

Neste contexto, o desenvolvimento de novas soluções para entrega de mercadorias nos centros urbanos tem se tornado cada vez mais uma vantagem competitiva para as empresas. Embora a última milha represente um grande desafio para as vendas, por causa dos diversos aspectos que afetam seus custos, tais como: roubos, avarias e atrasos; essa etapa da logística pode apresentar oportunidades para aquelas empresas que, através da inovação e criatividade, estão dispostas a vencer esses obstáculos.

A etapa de última milha ainda enfrenta problemas como o congestionamento, emissão de gases poluentes e o uso de veículos de grande porte. Desta maneira, o painel desenvolvido pela KPMG (2020) sugere a utilização de modais alternativos como bicicletas e triciclos, elétricos ou a propulsão humana. Os veículos menores têm como vantagens uma maior capacidade de parada, isto é, estacionar e ocupar menos espaços nas ruas, diminuindo o congestionamento das mesmas; entregas mais dinâmicas e ágeis e menor custo para a empresa (ANDRADE, GUTH, KANITZ, 2020). Ainda de acordo com os autores, durante a pandemia da Covid-19, as entregas de última milha cresceram consideravelmente. Para o ano de 2021, cerca de 89% das empresas pretendiam ampliar seu volume de entregas por bicicleta e, para duas empresas, essa ampliação percentual seria estimada em 200%. Entretanto, como principais desafios para a adoção da bicicleta foram apontados a falta de entregadores ciclistas e a limitação da capacidade de carga das bicicletas. Em relação ao uso de bicicletas, todavia, foram identificados como barreiras o fato de que muitos clientes ainda pressupõem que se referem a empresas menores e muitas vezes, realizadas por freelancers. Além disso, é necessário se atentar à questão do excesso de peso transportado pela propulsão humana.

Shibao e Santos (2020) realizaram uma revisão sistemática da literatura com o objetivo de identificar os principais tipos de veículos que podem ser utilizados na etapa de última milha para distribuição de carga no ambiente urbano. Os autores identificaram que 63% dos textos analisados sugeriram o uso de veículos urbanos comerciais mais leves do que os caminhões normalmente utilizados. Entretanto, devido a fatores como congestionamento, superfície do solo e densidade populacional, 69% das pesquisas indicaram o uso de veículos menores como triciclos, bicicletas e motocicletas. Em relação à energia, 49% sugeriram o uso da energia elétrica, 28% de outras fontes de energia e 23% em propulsão humana. Alguns autores ainda propuseram o uso de veículos autônomos, como, por exemplo, os drones.

Outras alternativas também foram apontadas, como a utilização do modelo crowdshipping, que em tradução livre significa “entrega feita por multidões”. Tal modelo funciona a partir de uma plataforma onde os cidadãos organizam a entrega de mercadorias/encomendas ao longo de rotas de viagem planejadas. No Brasil, a maior parte das entregas feitas em tal modelo são enquadradas na terceirização, onde uma empresa realiza serviços específicos dentro do processo produtivo da empresa contratante. Como benefícios, é possível apontar o valor de frete mais barato, a possibilidade de viabilizar entregas expressas ao canal e-commerce e logística reversa nos casos de troca, além de ser uma fonte de renda extra aos cidadãos (PONTES et al., 2020). Drones também foram apontados como uma possível alternativa, contudo, entre os desafios para a implementação do uso dos drones estão a necessidade de garantir uma melhor segurança cibernética para evitar ataques de hackers e sequestro, conseguir a aprovação das agências de aviação, desenvolvimento de braços robóticos para recebimento e entrega de mercadorias e realização de várias entregas (KHOSRAVI, 2020).

Já no comércio, de acordo com o Ministério da Economia, o setor de atividades artísticas, criativas e de espetáculos foi o mais afetado durante a pandemia. Já os setores que permitiam venda online foram os que mais cresceram, sobretudo delivery e supermercados. Em média, os consumidores fizeram 8 compras online ao longo do ano de 2020, com gasto médio de R$ 266 no último pedido (ABCOMM, 2020).

Em 2019, a GMC – Divisão de caminhonetes e caminhões da General Motors –, executivos de logística e supply chain de grandes empresas, indicava que até 2024 já haveria mudanças operacionais associadas a omnicanalidade, isto é, a possibilidade de contato com a empresa através de diversos canais diferentes, como chats, telefone, e-mail, entre outros. Haveria descentralização de centros de distribuição, gestão preditiva de transportes e estoques e personalização de serviços e produtos.

Portais de e-commerce colaborativos, conhecidos como marketplace, também foram impulsionados durante o período pandêmico. Entre as vantagens para o uso do marketplace, estão a eliminação da necessidade de investimento de tempo e dinheiro para a divulgação e a facilidade em utilizar as estruturas já prontas para vendas, como a plataforma Mercado Livre. O processo de drop size também é indicado como uma tendência, onde as vendas são realizadas via marketplace, mas as entregas são feitas diretamente ao cliente, além de compras de startups ou parcerias com empresas especializadas em last mile (ZACHO, 2017).

Em janeiro de 2020, cerca de 30% das compras realizadas via e-commerce vieram de novos consumidores e 73% são estimados para continuar no formato online (KPMG, 2020). Entre os maiores desafios, é possível destacar a aceitação do público, a falta de confiança em novidades como o drone, por exemplo, e sua segurança, o preconceito com uso de veículos menores como a bicicleta, limitação de dimensões e peso de mercadorias a serem entregues, limitação de distância percorrida, restrição de velocidade, necessidade de infraestrutura urbana, área densamente povoada e limitação de segurança.

Em contrapartida, os benefícios em geral do uso de quaisquer dos modais apontados são redução no consumo de combustível, da emissão de Poluentes Atmosféricos (PA) e Gases do Efeito Estufa (GEE), da geração de ruído, de congestionamento, de viagens perdidas e do tempo de transporte. Outras vantagens estão relacionadas com a segurança viária, maior flexibilidade de contratação de motorista, maior flexibilidade de coleta e devolução por parte do cliente e maior flexibilidade de entrega por parte do transportador. Já para o caso dos drones, a rapidez na entrega é um dos atrativos. Para modelos como o crowdshipping, pode-se citar o valor de frete mais barato, a possibilidade de viabilizar entregas expressas ao canal e-commerce e logística reversa nos casos de troca, além de ser uma fonte de renda extra aos cidadãos. Contudo, para as últimas duas alternativas ainda se demanda regulamentação adequada (SOUZA et al., 2020).

No que se refere ao uso de veículos elétricos e autônomos, as principais barreiras a serem superadas são o alto custo de investimento, aquisição, regulamentação do mesmo e pensamento de que entregas mais rápidas seriam uma vantagem pouco provável ou com nenhuma probabilidade de acontecer (SOUZA et al., 2020). Ainda de acordo com os autores, entretanto, as principais vantagens seriam o fato de não precisar limitar a jornada de trabalho a 8 horas por dia para um veículo autônomo, redução no número de funcionários e o fim da necessidade de treinar motoristas.

Diante das informações apresentadas, evidencia-se a ocorrência de mudanças no período da pandemia, das quais empresas, consumidores e entregadores tiveram que se adaptar a restrições impostas pelas autoridades, bem como pela utilização de novas formas de entrega.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A finalidade deste trabalho consistiu em analisar as mudanças ocorridas devido à crise surgida pela pandemia de Covid-19 na logística de entrega das empresas, e avaliar possibilidades alternativas para os problemas apontados. O método qualiquantitativo se mostrou adequado ao estudo realizado uma vez que permitiu flexibilidade no uso de dados numéricos e também quantitativos.

De modo geral, foi possível concluir que a pandemia contribuiu para mudanças nas empresas e nos hábitos dos consumidores, exigindo que as empresas aumentassem ainda mais sua participação em canais de vendas online e que os consumidores, de uma maneira forçada, através das restrições de circulação, evoluíssem a sua experiência de compra, passando a adquirir novos produtos em mercados digitais que em tempos pré-pandemia somente poderiam ser adquiridos em lojas físicas. Outras mudanças foram observadas, referente a entrega de mercadorias; houve uma maior visibilidade e importância desta atividade nesse período, como também aumento de demanda e transformações na forma das entregas.

Ainda foi possível identificar que o período de quarentena impactou nas operações logísticas de entrega no Brasil e que o uso dos modais como bicicletas e/ou triciclos, carros autônomos, drones e o modelo crowdshipping reduziriam a emissão de poluentes atmosféricos e GEE. Ainda pôde-se observar reduções de congestionamento nos centro urbanos, além de dificuldades logísticas como entregas não realizadas ou perdidas.

Com relação ao comércio, é notória a alta demanda do e-commerce e a tendência é de que o comportamento dos consumidores se mantenha por questões de praticidade de uso e flexibilidade de escolha.

As informações logradas em relação aos impactos da Covid-19 nas operações de última milha e no comércio brasileiro demonstram que as empresas, de forma geral, tinham conhecimento acerca dos benefícios e obstáculos em relação ao uso de modais alternativos de transporte, o que reforça a viabilidade da adoção destes, ainda que apresentem barreiras e desafios a serem superados para a aceitação.

Em suma, verificou-se que a pandemia da Covid-19 impactou na etapa de última milha das organizações brasileiras de forma a levar ao crescimento do setor de comércio, sobretudo o comércio online, contribuindo para o aumento da demanda de processos e modais que facilitem a etapa de entrega, por se tratar de uma parte em que o consumidor final tem mais acesso.

É importante salientar que o objetivo da pesquisa foi alcançado, todavia, como limitações a serem superadas, bem como oportunidades de desenvolvimento de trabalhos futuros, sugere-se a utilização de dados primários através, por exemplo, de uma pesquisa de campo para aprofundar a discussão e reforçar as conclusões alcançadas, uma vez que não foi possível ao longo desta pesquisa a análise de dados de fonte de pesquisa própria.

REFERÊNCIAS

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[1] Técnica em Administração. Bacharel em Administração. ORCID: 0000-0002-6509-8147.

[2] Orientador. Bacharel em Engenharia de Produção, Mestre em Engenharia de Produção, Doutor em Engenharia de Produção. ORCID: 0000-0002-6410-5544.

Enviado: Abril, 2022.

Aprovado: Setembro, 2022.

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Letícia Morelli Generoso

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