REVISTACIENTIFICAMULTIDISCIPLINARNUCLEODOCONHECIMENTO

Revista Científica Multidisciplinar

Pesquisar nos:
Filter by Categorias
Administração
Administração Naval
Agronomia
Arquitetura
Arte
Biologia
Ciência da Computação
Ciência da Religião
Ciências Aeronáuticas
Ciências Sociais
Comunicação
Contabilidade
Educação
Educação Física
Engenharia Agrícola
Engenharia Ambiental
Engenharia Civil
Engenharia da Computação
Engenharia de Produção
Engenharia Elétrica
Engenharia Mecânica
Engenharia Química
Ética
Filosofia
Física
Gastronomia
Geografia
História
Lei
Letras
Literatura
Marketing
Matemática
Meio Ambiente
Meteorologia
Nutrição
Odontologia
Pedagogia
Psicologia
Química
Saúde
Sem categoria
Sociologia
Tecnologia
Teologia
Turismo
Veterinária
Zootecnia
Pesquisar por:
Selecionar todos
Autores
Palavras-Chave
Comentários
Anexos / Arquivos

Dilema de participação da comunidade local na compensação dos serviços ambientais: caso dee 20% das taxas de exploração florestal e faunística – Moçambique

RC: 89766
239
3.5/5 - (4 votes)
DOI: ESTE ARTIGO AINDA NÃO POSSUI DOI
SOLICITAR AGORA!

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

CAMANGUIRA, André [1], CHAIMITE, Augusto Checue [2]

CAMANGUIRA, André. CHAIMITE, Augusto Checue. Dilema de participação da comunidade local na compensação dos serviços ambientais: caso dee 20% das taxas de exploração florestal e faunística – Moçambique. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 06, Vol. 15, pp. 166-181. Junho de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-sociais/local-na-compensacao

RESUMO

O trabalho traz a reflexão sobre os diferentes mecanismos de participação comunitária na canalização e utilização dos vinte por cento do valor das taxas consignadas a favor das comunidades locais, cobradas ao abrigo da legislação florestal e faunística para o desenvolvimento local. Os fundos são distribuídos as comunidades residentes nas áreas onde se localizam os recursos naturais. Em termos metodológicos, procedeu-se à revisão bibliográfica sobre assuntos com relevância para o desenvolvimento do tema, ao nível nacional e internacional. E ainda, complementado com o recurso a fontes documentais, das Direções Nacionais de terras e de Florestas, Governos provinciais e distritais, bem como planos de maneios dos operadores florestais. O estudo constatou que os legítimos “donos do fundo” são meros expectadores e cumpridores de reuniões que o governo local convoca quando o valor é canalizado. O processo participativo genuíno para a implementação dos programas destinados ao desenvolvimento local, não raras vezes, é antecedido por conselhos consultivos para a discussão antes de serem tomadas as decisões.

Palavras-Chaves: Comunidade, Desenvolvimento local, Florestal e Faunística, Taxas.

1. INTRODUÇÃO

Moçambique é um país situado na África Austral e banhado pelo oceano indico com uma diversidade biológica de 14 regiões ecológicas compostas por uma vasta diversidade de ecossistemas terrestres, marinhos, costeiros e aquáticos. Sem fundos adequados, os ecossistemas e Biomas poderão sofrer alteração no concernente, a sua degradação acelerada, devido as atividades antrópicas. Assim sendo, as comunidades locais para a sua subsistência criam pressão sobre estes recursos.

De acordo com Global Forest (2005), O desmatamento intensivo e indiscriminado das florestas tropicais, além de diminuir o estoque madeireiro, tem causado perdas irreversíveis da biodiversidade. Desse desmatamento, cerca de 17,5 milhões de hectares foram transformados em pastagens e, segundo estimativas existentes, acredita-se que metade dessas áreas se encontra degradada ou em estado de degradação. Para Ferreira, (1987), Agropecuária, as queimadas e a erosão têm sido apontadas como responsáveis pela degradação de enormes superfícies terrestres.

As florestas da África subsaariana estão desaparecendo a um ritmo quatro vezes maior do que a média mundial. No entanto, vários países africanos introduziram ou fizeram emendas em leis para fortalecer os direitos das comunidades sobre a terra entre eles Angola, Camarões, República Democráticas de Congo, Gâmbia, Moçambique, Níger, Sudão e Tanzânia (RRI, 2009).

No caso de Moçambique, por forma a proteger os mesmos e a envolver todos os intervenientes (Comunidade Local, Sector Privado e Associações) foram criados os Conselhos Locais de Gestão dos Recursos, que visam assegurar a participação das comunidades locais na exploração dos recursos florestais e faunísticos e nos benefícios gerados pela sua utilização. Pelo que, para uma óptima implementação das políticas de proteção deste recurso, foram implementadas taxas pelo acesso a utilização dos mesmos.

Nesta senda Rech (2002, p. 184) discorre, “princípio do protetor-recebedor busca o Pagamento por Serviços Ambientais, como uma forma mais eficaz de multiplicar agentes motivados a preservar a natureza, para que ela continue prestando serviços indispensáveis à preservação da biodiversidade e da própria dignidade humana”.

Portanto, o presente trabalho analisa os mecanismos de integração no “lugar” do homem designado por homo situs, o princípio do Protetor-Recebedor que visa estimular e não apenas impor obrigações na proteção, conservação, prática de agro florestamento e ecoturismo, mas contribuindo no desenvolvimento comunitário, o que evidenciaria uma mudança de paradigmas no país como Moçambique no enfoque socioambiental.

Tratando-se de um trabalho científico – pedagógico assume-se indispensável, a investigação de conceitos teóricos, é essencial a realização da revisão da literatura existente sobre os conceitos gravitacionais à problemática em estudo. Deste modo, os conceitos que merecem ser esclarecidos são duas: o de “comunidade versus homo situs”, e a “injunção do desenvolvimento comunitário”. As duas serão aplicadas à realidade política moçambicana contemporânea. Desta forma, abordam-se os termos com o intuito de situar e de obter justificação para as afirmações e ainda para orientar os leitores, delimitando o âmbito conceptual.

2. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO PROTETOR-RECEBEDOR COM MECANISMO PARA A MATERIALIZAÇÃO DA JUSTIÇA ECONÔMICA

A Constituição moçambicana de 2004 é a bússola do nosso ordenamento jurídico, serve com elemento impulsionador na aplicação dos princípios democráticos e na materialização dos objetivos do Estado. Entre os objetivos do estado moçambicano encontra-se a construção de uma ordem econômica que proporcione aos cidadãos uma vida digna, busca pela justiça social e o respeito ao meio ambiente. Portanto, o princípio protetor-recebedor surgiu como um marco inovador no ordenamento jurídico moçambicano, uma nova abordagem sobre a gestão ambiental, buscando a interdependência entre a economia e a ecologia, um assunto atinente a todos e incentiva a participação de toda comunidade.

Este princípio se encontra previsto nos diversos instrumentos de proteção ambiental, notadamente: na lei de floresta e fauna e o seu respectivo regulamento. A sua aplicação é fundamentada, sobretudo, na necessidade de estimular a participação efetiva das comunidades locais na proteção ao meio ambiente, criação de uma consciência ecológica pautada nas diretrizes sustentáveis, permeando as condutas ambientalmente sustentáveis e protetoras como mecanismo de incentivo ou compensação financeira as comunidades locais pelo fato deste praticarem atos que beneficia o meio ambiente.

De acordo com Mauricio Andrés Ribeiro,

O princípio Protetor-Recebedor incentiva economicamente quem protege uma área, deixando de utilizar seus recursos, estimulando assim a preservação. Sua aplicação serve para implementar a justiça econômica, valorizando os serviços ambientais prestados generosamente por uma população ou sociedade, e remunerando economicamente essa prestação de serviços porque, se tem valor econômico, é justo que se receba por ela. A prática desse princípio estimula a preservação e incentiva economicamente quem protege uma área, ao deixar de utilizar os recursos de que poderia dispor (RIBEIRO, 2009, p. 125).

O maior objetivo da aplicação deste princípio jurídico é a busca constante pela justiça econômica e social tendo em conta o trabalho generoso e voluntário que as comunidades locais prestam na preservação do meio ambiente. Atualmente, existem em Moçambique muitas comunidades locais que prestam serviços de preservação e conservação ambientais sem nenhuma contrapartida, beneficiando em grande medida os exploradores dos recursos florestais e faunísticos que se aproveitam dos recursos, sem, no entanto, criar condições para a sua preservação ou contrapartidas as para as comunidades.  Entretanto, é através de políticas de proteção, conservação e incentivos a utilização racional dos recursos ambientais que se poderá preservar o meio ambiente para as gerações futuras.

No contexto nacional de crescente desigualdade econômicas e a deficiente distribuição de renda, no qual ocorre a apropriação de recursos naturais de forma desenfreada, a compensação como incentivo financeiro na busca pela conservação do meio ambiente faz valer a justiça ambiental e econômica. Na medida, em que a comunidade exerce um papel fundamental na conservação do meio ambiente. Por isso, ela merece um incentivo como forma de pagamento pelo trabalho que presta na preservação e conservação deste recurso. Esta compensação econômico-financeira pode servir para dinamizar o desenvolvimento ecologicamente equilibrado dentro da comunidade como o reflorestamento das áreas desmatadas ou na supressão das necessidades coletivas da comunidade.

Neste contexto, foi criada a Lei 10/99, de 7 de julho, que estabelece os princípios e normas sobre a proteção, conservação e utilização sustentáveis, o regime de compensação financeira dos serviços ambientais prestados pelas comunidades que residem nas zonas de exploração[3]. Segundo o Regulamento da LFFB, “Vinte por cento de qualquer taxa de exploração florestal ou faunística destina-se ao benefício das comunidades locais da área onde foram extraídos os recursos, nos termos do n. 1 do artigo 105 do Decreto n. 12/2002, de 6 de junho que regulamenta a Lei de Floresta e Fauna Bravia.” (MOCAMBIQUE, 2002).

No entanto, para uma comunidade receber a compensação, deve estar representada por associações, que deve estar registado nas Autoridades Governamentais distritais, responsável pela área onde a associação das comunidades foi criada[4], contando maioritariamente com o apoio de muitas ONG’s que atuam nas áreas dos recursos naturais e promoção do associativismo. A título de exemplo, o Governo do Distrito de Gorongosa procedeu no passado dia 27 de outubro à consignação de 88.623,95 Meticais (na razão de $1,00 USD = 55 Meticais, em 2021) a favor da comunidade de Nhangúo, representada pela Associação Ngaiwanwe Nhangúo, liderada pelo Comité de Gestão de Recursos Naturais local.

As comunidades locais são incentivadas a praticar o reflorestamento para a recuperação das áreas degradadas, de modo a favorecer a recuperação da biodiversidade, a captura de carbono e a regulação hídrica, contribuindo para a conectividade de áreas protegidas, os chamados corredores ecológicos. No entender de Born e Talocchi (2002), em muitos aspectos pode se comparar a um programa de compensação por serviços ambientais que podem ser de transferências diretas de recursos financeiros, preferências para obtenção de serviços públicos. Para efeito, a comunidade depois de ter os recursos é obrigada por poder público a escolher a construção de infraestrutura públicas como escola e centro de saúde.

Não obstante, o instrumento de compensação dos serviços ambientais a comunidade que seria um estímulo para a mudanças nas práticas de manejos, mostra-se débil porque não tem suporte técnicos e nem capacitação institucional que estimule o homo situs a engajar na construção de identidades funcionais que permite negociar as relações sociais com o poder público.

As comunidades não têm o real conhecimento do que significa e para que serve os 20% e de quem é a obrigação deste pagamento, pois, muitas vezes quando os 20% são alocados a comunidade são realizadas obras que são da obrigação do Estado que deveriam ser efetuadas através de concretização de políticas públicas, por exemplo: construção de escolas, hospitais, furos de água etc. Deste modo, os 20% devem ser aplicados para o fim a que foi criado, e que, dos 80% que ficam a favor do Estado seja aplicado para construção de equipamentos sociais na área onde foi extraído o recurso, pois, em alguns casos, esta obrigação é atribuída a privados, facto que é questionável pois não se percebe para onde é canalizado o valor do imposto pago (SERRA et al, 2012).

Para Nhacale (2020), as decisões são tomadas ao nível dos conselhos consultivos distritais, ou seja, o governo decide tudo; desde a gestão até a definição do que deve ser prioridade para a sua efetivação, tanto que, o problema assenta no cooptação dos órgãos locais, na gestão do fundo em detrimento dos donos que são as comunidades. Os recursos provenientes de pagamento de compensação dos serviços ambientais mostram que os legítimos donos do fundo são meros expectadores e cumpridores de reuniões que as autoridades distritais locais convocam quando o valor é canalizado e é investido preferencialmente para a obtenção de serviços públicos como a construção de escolas e centro de saúde, muito embora a lei é clara ao consagrar que cabe a comunidade decidir o que fazer com o recurso.

3. COMUNIDADE VERSUS HOMO SITUS

Partimos de pressuposto que um dos primeiros que conceituou a expressão comunidade foi o filósofo alemão Ferdinand Tönnies. Afora isso há, também, questões de ordem político-conceitual que precisam ser corajosamente enfrentadas: como indagam Duffy e Hutchinson (1997), o que é a “comunidade”, quem a constitui?  “Comunidade”, em inglês como em português, é um conceito problemático, e o termo se presta admiravelmente a manipulações ideológicas.

Para efeito, a comunidade é o ‘nervo central’ para a sustentabilidade da construção de alternativas de desenvolvimento dos territórios, capaz de gerar sinergias criativas localizadas no envolvimento do homo situs. O homem rural africano se mostra múltiplo e diverso. Isto mostra a variedade simbólica das situações vividas e dos percursos. Nesse contexto, o pensamento dos sítios associa os mundos simbólicos e morais dos homens às suas práticas cotidianas. Como refere Zaoual (2006), são relações, geralmente, ocultas que a noção de homo situs redescobre: o homem concreto em seu espaço vivido, isto é, em seu sítio simbólico, é o homem do local.

Acredita-se que a legitimidade e o reconhecimento dos territórios do homo situs é uma maneira de repensar os “lugares”, que nesse trabalho designar-se-á por situs, em sua especificidade, levando-se em conta os sistemas de representação dos atores para o desenvolvimento local. Não há dúvidas que o instrumento de compensação de serviços ambientais, consagrado na Lei da Florestas e fauna, poderia impulsionar e galvanizar as habilidades e valores comunitários para o desenvolvimento local. E implementado mediante a cobrança de uma taxa sobre a prática de ecoturismo, agro florestamento, conservação e proteção de ecossistemas e biodiversidade vitais. O que evidência uma mudança de cultura e paradigma em relação ao enfoque socioambiental.

4. A INJUNÇÃO DO “DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO”

Nas zonas rurais africanas as delimitações internas e externas do território são reconhecidas socialmente, daí que nesses territórios predominam os laços solidários de ajuda mútua que regulam sobre as regras que regem sobre o uso e serviços dos ecossistemas existentes no território. Para Almeida (2004, p. 10) nas comunidades rurais o controle de recursos não está na mão de um indivíduo ou grupo doméstico, mas se dá através de normas especificas que combinam “uso comum de recursos e apropriação privada de bens”. A mesma tese é corroborada por Silva (1964) onde assevera que: o desenvolvimento da/para comunidade parte das necessidades sentidas pela população e sobre elas constrói o plano de ação contando, desde o começo, com a iniciativa, a responsabilidade e liberdade de escolha por partes dos interessados.

Para Nguiraze (2013, p. 54), a novidade do processo de descentralização, em Moçambique, deve ser entendida como lutas culturais sobre o significado das noções recebidas de “cidadania”, “direitos humanos”, “fórum” e “conselhos consultivos”. Para efeito, a mudança de perspectiva quanto a definição do que é ou não aspiração de uma comunidade num território envolvem uma complexidade de processo que só podem ser efetivados plenamente por próprio homo situs.

Paradoxalmente, a prevalência dessa situação de criação de redes clientelistas locais pelo Poder Público, pode manter a resistência em desenvolver os princípios participativos, cooptando politicamente as mais diversas formas de participação e consequentemente seriam a forma de exercer um controle político do território do homo situs. Pois, o homo situs, possui características semelhantes às da noção de pessoa, tal como descrita por Mathieu (1997): a pessoa tem (dentre outras) uma dimensão indenitária, altruísta e econômica. Ela se afirmar pela sua autonomia, sua capacidade universal de escolha refletida e dispõe de igual dignidade. Afirma-se não somente por si própria, mas em função dos outros.

Não obstante, a promoção de “participação” das comunidades locais pelos agentes externos que separam os que sabem daqueles que são supostos ignorantes, tal enfoque exclui, de fato, o homem da situação – homo situs. Para Anjos e Leitão (2009), em situações em que os atores sociais dispõem de recursos desiguais para a apresentação de suas propostas, o diálogo tende quase sempre a ser distorcido. O mediador de políticas de desenvolvimento (agente do Estado ou de ONGs) quase sempre dispõe, mais do que o homo situs, de capital simbólico e autoridade para a imposição de sua visão de desenvolvimento.

Mas aqui entra um pormenor importante. Saber o que fazer no espaço reproduzido, o que evidência uma mudança de cultura e paradigma em relação ao enfoque socioambiental.  Só faz sentido se você tem noção das (SPINK, 1993), modalidades de conhecimento prático orientadas para a comunicação e para a compreensão do contexto social, material e ideativo em que vivemos.  Deste modo, De Souza (2001, p. 171) assevera “o importante é não permitir que as diferenças de natureza entre o ‘saber local’ dos cidadãos leigos e o saber técnicos – científicos venham a nutrir hierarquias e um discurso hierárquico”.

Para tanto, subentende-se que a participação da comunidade se efetua mediante a expectativa de uma taxa institucionalizada sobre a prática de ecoturismo, agro florestamento, conservação e proteção de ecossistemas e biodiversidade vitais, quando a instituição e seus agentes se colocam diante do demandante como objeto de satisfação: “eu sou a resposta à necessidade gerada por tua carência”. Portanto, “não existem carentes, o que existe é uma subjetividade de sujeitos carentes” (PEREIRA, 2008, p. 150).

Economicamente, baseia-se na suposição de que existe mercado de compensação dos serviços de ambientais que pode beneficiar a comunidade. Mas para Laraña (1994) enaltece: “o que as pessoas demandam de forma coletiva é o direito de realizar sua própria identidade: a possibilidade de dispor da sua criatividade pessoal, sua vida afetiva e sua existência biológica” (p. 17).

5. DEMANDAS VERSUS COMPENSAÇÃO DA COMUNIDADE LOCAL

Um dos maiores desafios nas comunidades rurais é o propalado desenvolvimento sustentável para conciliar o princípio do protetor-recebedor, o que para Furlan (2010) está relacionado ao princípio da participação na medida em que, ao estimular um comportamento social útil incentiva-se uma maior participação das comunidades locais. De acordo com Serra, Carlos Manuel et al (2012), o desenvolvimento sustentável é entendido como o sistema de liderança assenta num modelo institucional que aglutina a gestão sustentável dos recursos florestais, e o acesso à justiça e à equidade na partilha dos benefícios decorrentes do uso de tais recursos.

Na definição das demandas das comunidades locais, na gestão de recursos, deve-se realizar uma abordagem sistêmica, pois existem interdependências entre as demandas pensadas que estaria relacionada com a melhorias da qualidade de vida. A base conceitual dessa forma de abordagem metodológica foi apresentada por Morin (1989), ao descrever os conceitos de “sistema”, “interação”, “organização de sistemas” e “ação holistas”. Não obstante, diferentemente das abordagens que são planejadas e definidas pelos órgãos de Autoridade distrital, que Maricato (1999, p. 121) designou “as ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias”.

A abordagem, em contextualização metodológica, na gestão dos recursos, reveste de meio imprescindível de subsistência das comunidades, deve-se adotar como estratégia a identificação de expectativa dos indivíduos relacionadas com a ampliação das suas escolhas para desenvolvimento local, por meio de um processo cognitivo em acordo com as experiências histórico-culturais e as influências externas de carácter social, político e económico.

Para Brasil e Gomes (2006), deve-se considerar também o processo de composição das externalidades, pois nas comunidades, essa variável tem sido um importante componente nas tentativas de geração de trabalho e renda. E, na percepção de Nhacale (2020), a forma como é canalizado o fundo de compensação de serviços ambientais sugere a ideia de que seja proveniente do Orçamento do Estado, porque os métodos para a sua utilização obedecem a lei de procurement, logo se trata de um fundo destinado a comunidade que é gerido por outrem.

No entanto, convém salientar a opinião em torno duma comunidade beneficiada das taxas de compensação de serviços ambientais, a título de exemplo manifestado por Presidente do comitê de Gestão de Recurso de Comunidade Tiphedzeni Kumala Ucherengue de Gorongosa Timóteo Mirione, de 54 anos:

Com o dinheiro a organização vai comprar uma indústria moageira para ajudar a comunidade a deixar de percorrer longas distâncias como sete quilómetros para moer os seus cereais e a construção de centro de saúde. […], vamos comprar igualmente bicicletas para os agentes polivalentes elementares da Saúde visando facilitar as deslocações para prestação de assistência. Vamos mandar colocar uma fonte de abastecimento de água, porque temos problemas sérios de água no tempo de seca. (Timóteo Mirione, 23 jun./ 2015).

Pode se aferir, que os itens de indústria de moagem a semelhança das escolas e postos de saúde, tornam-se num recurso comunitário. Estes benefícios são improváveis que tenham impacto abrangente sobre aos demais membros da comunidade local. De acordo com Tenner e Baleira (2009), a realidade é que todas essas categorias são extremamente difíceis de quantificar em termos do seu impacto sobre o melhoramento nos indicadores sociais do homo situs e tanto, para gerar novas opções de modos de vida.

O “impacto” tem que, em todos os casos, ser visto em duas vertentes. Por um lado, será que os recursos e a infraestrutura transferida para a comunidade são capazes de aumentar os rendimentos ou oferecer escolhas de meios de vida reais? E, por outro, será os recursos disponibilizada como compensação de retorno, são uma troca justa pelos recursos naturais conservados e protegidos?

Para a construção do mapa de demandas, é importante considerar o processo participativo, de acordo com os parceiros anunciados em Thiollent (1989), a observação unilateral deve ser substituída, em muitas ocasiões, por questionamento coletivo, por uma intercomunicação ou diálogo acerca das necessidades das comunidades para melhorar a qualidade de vida. A observação unilateral dos agentes externos a comunidade, desconhece da economia de reciprocidade interna à comunidade pode fazer com que as políticas públicas gerem mais problemas do que soluções. Na verdade, no território, segundo Anjos e Leitão (2009) o resultado de institucionalização dessas linhas arbitrária, e que a comunidade se vê, hoje, dividida e fragmentada pelos efeitos de desconfianças e dos ressentimentos gerados pela execução daquela política.

Para isso, em termos metodológico, o primeiro passo, na definição das demandas antes mesmos do encaminhamento das taxas de compensação dos serviços ambientais as comunidades, é a elaboração de uma agenda de trabalhos juntamente com todos os comitês de gestão dos recursos, autoridades tradicionais e outros participantes do processo. Para Brasil e Gomes (2006), num primeiro encontro, deve haver: uma breve contextualização do trabalho de conservação e preservação dos recursos naturais – educação ambiental, a descrição da sequência e da metodologia de condução dos trabalhos de definição das demandas. Um roteiro sugerido para a definição propriamente dita das demandas, pode ser: Quem somos? O que temos? O que queremos?

Em seguida, após a sistematização das demandas, deve-se realizar encontros na comunidade, para efeito de apresentação dessa sistematização, ratificação das demandas ou retificação de algumas informações mal interpretadas. Nesse momento, precisa ser priorizada a lista de demandas obtidas, com registro de nomes das organizações das comunidades e definição de um cronograma de execução, avaliação e monitoria dessas atividades. (BRASIL E GOMES, 2006),

O pensamento integrado, inter-relacionado, contextualizado e global deve substituir o pensar e fazer fragmentado, efetivados pelo Poder Público e das ONG’s. Pois, é preciso adotar os procedimentos técnicos-metodológicos a operar uma dialógica, de forma a desenvolver as habilidades, convivência e competências nas comunidades locais. E depois aferir, como alvo de avaliação, a forma como os projetos se desenvolveram resultantes das compensações dos recursos disponíveis na comunidade pelos agentes externos. A eficiência dos métodos e procedimentos empregados, as transformações sociais e impactos gerados pelas atividades, o retorno da ação no distrito, como um todo.

Para Fulan (2010), é necessário estimular e não apenas impor obrigações, para que as questões ambientais acontecem. Não há dúvidas de que instrumentos de compensação económica estimula a preservação. Em síntese, a comunidade assume o papel de sujeito do processo, propõe ações, oferece contraponto, enfim estabelece uma parceria concreta, afastando o que Brasil e Gomes (2006, p. 46) designou de “fantasma do assistencialismo”. Para efeito, caminha – se para um pacto efetivo entre as comunidades e os agentes externos, evitando os benefícios ínfimos que acabam conduzindo os membros da comunidade a cortar e negociar com os furtivos.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para tanto, pode se depreender que um olhar holística e integrada da comunidade e não num prisma meramente legal. A qualidade de debate aumentaria se o homo situs, a autoridade comunitária tradicional, os comitês de gestão de recursos, investidores e os órgãos do poder público, quando trazem à tona o conflito e aprendem a resolver os conflitos. A forma de resolução dos conflitos permite que os membros da comunidade encontrem suas soluções, e é neste exercício que eles se apropriam das ferramentas de influenciar uma decisão.

A promoção do processo de desenvolvimento, a partir dos recursos endógenos, as oportunidades de participação são possibilitadas à proporção que as responsabilidades de gestão e organização do novo espaço social são atribuídas aos sujeitos. As assembleias e reuniões passam a fazer parte da rotina da vida coletiva e, nesses espaços, o silêncio e a vergonha de se expor começam ser desfeitos, enquanto o exercício da fala e do poder de argumentação é valorizado, para a decisão dos destinos de suas vidas, o que contribuí para a reelaboração da interpretação do mundo, gerando comportamentos e condutas novas.

Enfim, os fundos de compensação criados têm uma natureza apenas compensatória para ações voluntárias, de altruísmo ou idealismo de poucos, e plasmado pela política exclusiva do Estado, o que não resolve o universo do home situs e da necessidade de desenvolvimento das suas habilidades e para pôr em pratica o desenvolvimento local.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, A.W.B. de Terras tradicionalmente ocupadas: processos de territorialização e movimentos sociais. In: Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Belém, v. 6, n.1 pp 9-32, maio 2004.

ABRIC, J. C. A abordagem estrutural das representações sociais. In: MOREIRA, A. S. P.; OLIVEIRA, D. C. (Org.). Estudos interdisciplinares de representação social. 2. ed. Goiânia: AB, 2000. p. 27-37.

ADVOGADOS, Sheila de Menezes. Análise do impacto da reforma legal no sector florestal. In: Relatório do País, 2007.

 ANJOS, J. C. LEITAO, L. Etnodesenvolvimento e mediações políticos-culturais no Mundo Rural, Porto Alegre: UAB/UFRGS, 2009.

ARRUDA REIS, Sebastiana Lindaura de, e BELLINI, Marta. Acta Scientia rum. Human and Social Science Maringá, v. 33, n. 2, p. 149-159, 2011.

BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: busca por segurança no mundo atual, Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2003.

BORN, Rubens Harry.; TALOCCHI, Sergio. Compensações por serviços ambientais: sustentabilidade ambiental com inclusão social. In: BORN, Rubens. Harry.; TALOCCHI, Sérgio. (Org.). Proteção do capital social e ecológico: por meio de compensações por serviços ambientais (CSA). São Paulo: Petrópolis; São Lourenço da Serra: Vitae Civilis, p. 27-45, 2002.

BORDENAVE, Juan, E. Diaz. O que a participação. Editora São Paulo: Brasiliense, 89p.

BRASIL, D. F & GOMES, R. de C. da. Programa Trilhas Potiguares: trabalhando com pequenos municípios. In: ANJOS, José. Carlos dos e LEITAO, Leonardo. Etnodesenvolvimento e mediações políticos-culturais no Mundo Rural, Porto Alegre: UAB/UFRGS, 2009.

CASTRO CRUSOÉ, Nilma Margarida de. A Teoria das representações sociais em Moscovici e sua importância para a pesquisa em educação. Aprender – Cad. de Filosofia e Pisc. da Educação. Baia, Ano II, n. 2 p. 105-114, 2004.

DUFFY, Katherine e HUTCHINSON, Jo. Urban policy and the turn to Community. Town planning review, 68 (3), pp. 347-362.

FERREIRA, Manuel. Prospects for sustainable development in mountain area in Portugal: conceptual and poly-related issues. Centro de Estudos de Geografia, Nova Lisboa, serie de estudo, n, 2, 1987.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda., 1975. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.

FURLAN, Melissa. Mudanças climáticas e valoração econômica da preservação ambiental: pagamento por serviços ambientais e o princípio do protetor-recebedor. Curitiba: Juruá, 2010.

GLOBAL FOREST RESOURCES ASSESSMENT – 2. Inventário Nacional de Florestas 140 -196p, 2005.

JOVCHELOVITCH, S. Representações Sociais: para uma fenomenologia dos saberes sociais. Psicologia e Sociedade, v. 10, n. 1, p. 54-68, 1998.

LARAÑA, Enrique Rodríguez-Cabello. Los nuevos movimentos sociales: de la ideologia a laidentidade. Madried: Centro de Investiciones Sociológicas, 1994.

MAHIEU, F. R. Une anthropologie économique de la survie. C3ED, Polycopié, maio, 1997 [s/l].

MARICATO, Ermínia. As ideias fora do lugar e o lugar for a das ideias: planejamento urbano no Brasil, São Paulo, 1999.

MINAYO, M. C. S. O conceito de representações sociais dentro da sociologia clássica. In: GUARESCHI, P.; JOVCHELOVITCH, S. (Org.). Texto em representações sociais. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1995.

MOÇAMBIQUE. Lei nº 10/99. Boletim do República. Boletim da República. I Série número 22. Suplemento, 6 de junho, 2009. Dispõe sobre a Lei de Florestas e Fauna, 2009.

MOCAMBIQUE. Decreto n. 12/2002, de 6 de junho. Boletim da República. I serie n. 22

MOÇAMBIQUE. Diploma Ministerial nº. 93/05, de 4 de maio de 2005. Dispõe consignação de vinte por cento do valor das taxas a favor das comunidades locais, 2005.

MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004.

MOSCOVICI, Serge. A representação social da psicanálise. Tradução de Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

NGUIRAZE, André Camanguira. Identidade e participação da comunidade rural nos processos de desenvolvimento local: desafios e competências do regulado de Nhambita – Moçambique, 2013. Tese.216f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Departamento de Ciências Sociais. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2013.

NHACALE, Camilo. Indústria extrativa comunidades continuam vítimas de cabra-cega na gestão dos fundos, In: Jornal Zambeze, Economia, Ano XIV, n. 887, Maputo, 16 de jan. 2020.

NUNES VIVEIROS, Albino Luís. O Desenvolvimento Local e a Animação Sociocultural. Uma comunhão de princípios, 2008. Disponível em https://comum.rcaap.pt/. Acesso em 13 de julho 2020.

PAIVA, Irene Alves. Os ganhos da participação em ações coletivos. In: ANDRADE, Ilza, Araújo de. Metodologia do Trabalho Social: a Experiencia de extensão universitário, Natal: EDUFRN, 2006.

PEREIRA, W. C. C. Nas trilhas do trabalho comunitário e social: teoria, método e prática. 3ª ed. Belo Horizonte: PUC, 2008.

RIGHTS AND RESOURCES INITIATIVE (RRI). Tropical Forest Tenure Assessment: Trends, Challengues and opportunities, p- 1-31, 2009.

REDFIELD, Robert. The Little Community and Peasant Society and Culture. Chicago: University of Chicago Press, 1971.

RECH, Adir Ubaldo. O valor econômico e a natureza jurídica dos serviços ambientais. ORBIS: Revista Cientifica. V. 3, n.1, p. 182-202, Rio Grande do Sul, mar. 2012. Disponível em: http://www.cidp.pt/revistas/ridb/2012/02/2012_02_1043_1071.pdf . Acesso em: 22 de julho de 2020.

SILVA, Maria Manuela da. Oportunidades do desenvolvimento comunitário em Portugal. Portugal: Instituto de Ciências Sociais, 1964.

SERRA, Carlos Manuel et al. 1.º Relatório de Boa Governação na Gestão Ambiental e dos Recursos Naturais em Moçambique 2010–2011. Maputo: Centro Terra Viva, p. 30, 2012.

SOUZA, Marcelo Lopes de. A Prisão e a agora: Reflexões em torno da democratização do planejamento e da Gestão das cidades. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.

SPINK, Mary Jane. The Concept of Social Representations in Social Psychology. Cad. Saúde Pública., Rio de Janeiro, 9 (3): 300-308, jul/sep, 1993.

TENNER, C. BALEIRA, S.  O quadro legal de acesso aos recursos naturais em Moçambique: o impacto da nova legislação e das consultas comunitárias sobre as condições de vida local. Centro de Formação Jurídica e Judiciário, v.1, n.1, 2009.

THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez editores, 1989.

UNDP. Poverty Alleviation and Sustainable Development: Maputo: Goals in Conflict, 1992.

WITTGENSTEIN, L. Phylosophical Investigations. Oxford: Basil Blackwell, 1953.

ZAOUAL, Hassan. Nova economia das iniciativas locais: uma introdução ao pensamento pós-global. Rio de Janeiro: DP&A. Consulado Geral da França: COPPE/UFRJ, 2006

APÊNDICE – REFERÊNCIA DE NOTA DE RODAPÉ

3. Neste sentido, vide: o n. 5 do artigo 35 da Lei n. 10/99, de 7 de julho, (LFFB).

4. Vide: o Diploma Ministerial n. 93/2005 de 4 de maio. Disponível em: http://www.biofund.org.mz/biblioteca_virtual/diploma-ministerial-n-o-932005-de-4-de-maio-consignacao-de-vinte-por-cento-do-valor-das-taxas-a-favor-das-comunidades/. Acessado em 26/12/2020.

[1] Docente na Universidade Zambeze – Moçambique, doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande de Norte – UFRN, mestrado acadêmico em Geografia pela Universidade Estadual do Ceará – UECE, graduado em Ensino de Geografia pela Universidade Pedagógica – Moçambique.

[2] Doutorando e mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), graduado em Direito pela Universidade Zambeze-Moçambique, colaborador do Centro de Estudo, Inovação e Formação Avançada (CEIFA-UNIZAMBEZE).

Enviado: Maio, 2021.

Aprovado: Junho, 2021.

3.5/5 - (4 votes)
Augusto Checue Chaimite

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

POXA QUE TRISTE!😥

Este Artigo ainda não possui registro DOI, sem ele não podemos calcular as Citações!

SOLICITAR REGISTRO
Pesquisar por categoria…
Este anúncio ajuda a manter a Educação gratuita