ARTIGO ORIGINAL
GUERRA, Kellen Margareth Peres Pamplona [1]
GUERRA, Kellen Margareth Peres Pamplona. A igreja protestante e a violência doméstica contra as mulheres. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 06, Vol. 01, pp. 32-43. Junho de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-sociais/domestica, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-sociais/domestica
RESUMO
Existe uma associação antiga e popular da religião com a paz, o sentimento de amor, o cuidado com aqueles indivíduos desfavorecidos. É possível a colaboração dos tabus religiosos com a manutenção das mulheres que são alvo de violência em seus relacionamentos. A ausência de preparo teológico para tratativa de situações envolvendo violência doméstica também é capaz de colaborar e incentivar a perpetuação dos mitos religiosos que condescendem com essa realidade. O trabalho teve como objetivo geral compreender o papel da igreja frente à violência doméstica sofrida pelas mulheres. Para elaboração do trabalho fez-se uma revisão de literatura baseada, principalmente, em livros de diversos autores da área envolvendo a temática proposta. Ainda se realizou um levantamento de informações sobre o tema em revistas, artigos, documentários, relatórios, periódicos, entre outras fontes de dados. Tem-se como resultado o entendimento de que um dos principais desafios da igreja envolve a criação de um panorama histórico, cultural e social baseado na ideia de um líder espiritual, seja ele pastor ou padre, capaz de explicar a violência sofrida e causada, de forma que não influencie de modo direto as mulheres a terem que “passar por cima ou aceitar” a violência sofrida com base no que prega a religião, analisando todas as consequências que possam surgir dessa situação, visto que um conselheiro não deve estar limitado aos ensinamentos bíblicos ou baseando-se apenas na fé. Sendo assim, é possível perceber a ausência, na sociedade, de certo aconselhamento espiritual informatizado e preparado com base na legislação, para lidar com os desafios envolvendo o tema em questão, propiciando uma sensação de real segurança às vítimas de violência doméstica.
Palavras-chave: Violência doméstica, Religião, Agressão.
1. INTRODUÇÃO
Desde a sua criação, a religião se encontra vinculada à ideia de paz, ao bem de toda a população mundial e aos sentimentos de amor e proteção, dificultando a identificação dos níveis de violência que predominam em seu discurso e prática, especialmente no que tange às mulheres. Tabus de cunho religioso, grande parte das vezes, atua na colaboração para manutenção das mulheres que sofrem violência em seus relacionamentos.
O fato de inexistir um adequado preparo teológico na atuação em cenários nos quais predominem a violência doméstica contra as mulheres tende a colaborar com a perpetuação e propagação dos mitos baseados na religiosidade, que se coadunam com a referida realidade. Um dos principais maiores mitos existentes na religião cristã é a manutenção do lar como ambiente seguro e sagrado, o qual necessita ser mantido, independentemente de qualquer coisa. As famílias vivenciam experiências religiosas e podem também ser impactadas pela violência doméstica (BOURDIEU, 2019).
É comum que mulheres em situação de violência busquem a religião para tentar compreender o porquê as sofrem, buscando um maior entendimento das motivações de seus sofrimentos e de suas permanências nessas relações pautadas na violência. Diante desse cenário, procuram na religião respostas para as transformações vivenciadas por seus companheiros que, anteriormente, haviam jurado amá-las e respeitá-las, mas, que agora, as agridem violentamente e de forma sistemática. Dessa forma, levantou-se o seguinte questionamento: qual a influência da religião nos cenários de violência doméstica vivenciados pelas mulheres?
O trabalho teve como objetivo geral compreender o papel da igreja evangélica frente à violência doméstica sofrida pelas mulheres. Como objetivos específicos buscou-se verificar a importância da Lei Maria da Penha, conhecida como Lei nº 11.340/06, no combate à violência contra as mulheres; analisar a violência de gênero sob uma perspectiva cristã reformada, ou seja, protestantes e a violação dos direitos das mulheres; e examinar a influência da igreja no processo de enfrentamento à violência doméstica.
Para elaboração do trabalho foi feita uma revisão de literatura baseada, principalmente, em livros de diversos autores como: Aquino (2018), Baragatti (2018), Camargo (2021), Bourdieu (2019), Veiga (2020), dentre outros, envolvendo a temática proposta. Para tanto foi, ainda, realizado um levantamento de informações sobre o tema em revistas, artigos, documentários, relatórios, periódicos, entre outras fontes de dados.
2. A IMPORTÂNCIA DA LEI MARIA DA PENHA NO COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES
Ao longo dos séculos, a nossa sociedade cultural construiu um discurso ideológico que definiu o comportamento e a identidade das mulheres. Ao longo da história, mulheres e homens tiveram papéis sociais muito diferentes. Essas atividades e comportamentos variam de acordo com diversos fatores como classe social, posição na divisão do trabalho, escolaridade, crenças religiosas e gênero (CANDIOTA, 2020).
A violência doméstica e familiar contra a mulher é um problema grave no nosso país. Algumas mulheres sentem-se vulneráveis à violência e, muitas vezes, são tidas como responsáveis pelas agressões que sofrem. A morosidade da justiça e o tratamento oferecido às vítimas, antes da promulgação da Lei nº 11.340/06, foram alguns dos fatores que contribuíram para a falta de atenção e a consequente descriminalização da violência privada. Mesmo nos dias de hoje, a sociedade ainda perpetua a mentalidade machista que influencia o “domínio” dos homens sobre as mulheres e, como resultado, as mulheres precisam de leis especiais para apoiá-las, diante de uma situação limitada pelo medo e vergonha perante o Estado e o tribunal (AQUINO, 2018).
A Lei nº 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, foi sancionada em 7 de agosto de 2006. Este nome é uma homenagem à farmacêutica bioquímica, Maria da Penha Maia Fernandes que, em 1983, enquanto dormia, recebeu um tiro desferido por seu ex-marido, Marco Antônio Heredia Viveros e, em consequência disso, ficou paraplégica. Após se recuperar e retornar para casa foi mantida em cárcere privado por quinze dias, quando sofreu uma nova tentativa de feminicídio, enquanto estava tomando banho, desta vez, por eletrocussão. Além da violência física, Maria da Penha também sofreu com violência psicológica manifestada através do isolamento e ameaça (PENHA, 2014).
A violência viola os direitos humanos, que são princípios que garantem a dignidade humana. A violência doméstica contra a mulher é um fenômeno global e não se limita a determinados grupos étnicos, classes econômicas, idade ou crenças religiosas. Essas agressões são divididas em física, psicológica, moral, sexual e patrimonial (INSTITUTO MARIA DA PENHA, 2018).
A violência física é um ato intencional ou repetido causador de dano físico. É a forma de violência mais perceptível, pois é aquela que, quando cometida, deixam marcas físicas no corpo. A violência psicológica inclui comportamentos destrutivos que prejudicam negativamente a competência social de um indivíduo, no caso deste estudo, são comportamentos que causam danos emocionais e diminui a autoestima da mulher. A violência moral é aquela configurada por condutas que caracterizam calúnia, difamação ou injúria. A violência a sexual é toda conduta que constranja a mulher a ter ou participar de relações sexuais indesejadas por meio de ameaças, intimidação, coerção ou uso da força. Já a violência patrimonial é entendida como toda conduta que caracteriza retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos e/ou instrumentos de trabalho, bens, documentos pessoais ou valores, recursos econômicos da mulher (INSTITUTO MARIA DA PENHA, 2018).
Segundo Baragatti (2018), a violência doméstica nunca recebeu atenção suficiente da sociedade, do parlamento e, tampouco, do judiciário, até a entrada em vigor da Lei Maria da Penha. A situação da violência doméstica contra a mulher é ainda pior pelo fato de que, muitas mulheres estão arraigadas em seu pensamento de que devem se submeter a seus maridos. A referida lei de proteção à mulher agredida possui basicamente quatro garantias: prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher; criação de juizados especiais para a violência doméstica e familiar contra a mulher; e aprovação de medidas de auxílio e estabelecimento de medidas de proteção.
Apesar de a referida lei ter revolucionado a forma de lidar com a violência contra a mulher, a questão decisiva a seu respeito é, justamente, seu suposto conflito com a Constituição Federal da República do Brasil de 1988 (CFRB/1988). Costuma-se dizer que, apenas uma parte da sociedade é respeitada, na qual, uma pessoa vítima de violência é deixada sob algum tipo de tratamento ou cuidado por parte do poder público. Os acalorados debates, nunca terminam quando o assunto é a adequação da lei no ordenamento jurídico pátrio. É justamente nessa discussão que aparecem as chamadas ações positivas (BARAGATTI, 2018).
Sabe-se que, a Lei Maria da Penha simboliza marco importante da sociedade, como também um manifesto avanço da justiça, pois proporia mais segurança e êxito a todas as mulheres violência doméstica e familiar que procuram por justiça e a efetivação de seus direitos. Vale ressaltar que, o enfrentamento a violência contra a mulher não se restringe somente ao combate, mas também, às medidas de prevenção, assistência e garantia dos direitos das mulheres (AQUINO, 2018).
É uma lei importante e abrangente que, além de violar os protótipos legais tradicionais, se opõe a todas as formas de violência contra a mulher. Contudo, as mulheres precisam de apoio para criar independência e restaurar a autoestima para sair de uma situação de violência. Para isso, precisamos de mais políticas públicas e divulgação de leis de proteção à mulher, esclarecimentos sobre seus direitos e, principalmente, uma mudança na ideologia da parcela da população que, ainda, mantém preconceitos enraizados.
3. A VIOLÊNCIA CONTRA MULHER SOB UMA PERSPECTIVA RELIGIOSA E A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DAS MULHERES
O Instituto Maria da Penha (IMP), criado para monitorar a violência doméstica contra a mulher e conscientizar a população, conceitua a violência doméstica como qualquer tipo de violência praticada na família, que pode ocorrer entre seus membros, havendo relação de sangue ou não. A forma mais comum de violência doméstica é a violência cometida por um homem (namorado ou marido), especificamente, quando um homem agride sua parceira ou ex-companheira restringindo sua liberdade ou fazendo ameaças baseadas em gênero que podem causar danos físicos, sexuais, patrimoniais e/ou emocionais. As formas mais simples de violência, as mais comuns e silenciosas, ocorrem em ambientes onde as vítimas deveriam se sentir confortáveis e seguras, como a própria casa.
Em um contexto geral, os tabus religiosos como por exemplo, “ a mulher tem que ser submissa ao homem”, “o amor tudo suporta”, “Deus não agrada de divórcios”, tendem a cooperar com a persistência das mulheres em situações de violência em continuarem casadas e tentar restaurar o casamento. De fato, a religião desempenha um papel direto e indireto na vida cotidiana das pessoas, promovendo leis e ensinamentos que têm o efeito de desvalorizar as mulheres e torná-las inferiores aos homens e, inconscientemente encoraja os homens a agir contra as mulheres, cedendo a um papel dominante (VEIGA, 2020).
Diante desse cenário, é importante ressaltar que, a religião existe como um dos componentes socioculturais e as religiões monoteístas confirmam a inferioridade do sexo feminino. Embora alguns dogmas tenham deixado de considerar a liberdade de pensamento e ação é possível que, a redefinição da estratégia geopolítica e econômica do mundo facilite seu afastamento da sociedade por meio do radicalismo religioso. O posicionamento inferior das mulheres propicia a legitimação de toda a discriminação por elas sofrida, sendo inviável a opção pela denúncia de violência (VEIGA, 2020).
No contexto familiar e no desenvolvimento dos papéis femininos existem diferenças importantes na forma como a família participa da esfera religiosa, seja em conjunto ou sozinha. Uma vez “convertido” o casal, esse segmento religioso tem a capacidade de abrir brechas para que o gênero seja “redefinido”, exigindo e permitindo a conformidade com o comportamento masculino ditado pela ordem patriarcal (BECKER, 2019).
A religião pode influenciar na forma com que a mulher compreende suas vivências. Eles se encontram “lutando” por uma causa que acreditam ser baseada em garantir a salvação e “unir” a família. Confiam na fé e esperança de que a intervenção divina trará as mudanças em sua história de vida, o que as mantêm em um relacionamento abusivo, na esperança de que seus maridos superem as dificuldades e mudem suas vidas (VEIGA, 2020).
Mulheres que levam os ensinamentos bíblicos ou conselhos religiosos tendem a se sentirem presas e precisam de ajuda para entender que, a separação é uma alternativa para terminar um relacionamento abusivo e não um pecado em si absoluto. As ligações entre patriarcado, violência, religião e seu impacto sobre as mulheres são, geralmente, identificadas pela prevalência da violência doméstica. O patriarcado, como regra do poder masculino sobre as mulheres, refere-se a uma forma específica de violência que resulta de seu efeito sobre o valor e o status das mulheres na sociedade (HANNAH, et al., 2023).
É comum que as mulheres se sintam culpadas pela violência que sofrem e, para algumas, a culpa é avassaladora, elevando os cenários de violência. Existem várias razões para o desconhecimento generalizado da violência doméstica. Se a violência doméstica não for abordada é provável que as vítimas não se aproximem de seus líderes religiosos, levando-os a acreditar que ela não existe em sua igreja (BOURDIEU, 2019).
A igreja tem um papel importante como instituição social e é responsável por contribuir para a formação da sociedade que, muitas vezes, é parte do problema e pode fazer com que essa violência aumente e se perpetue. O papel da religião no tratamento da violência contra mulheres é muito importante, mas também possibilita a discussão do assunto na sociedade, principalmente no que diz respeito às religiões cuja atuação e posicionamento são contra a violência doméstica (HANNAH, et al., 2023).
Bourdieu (2019) considera que a religião exerce um poder único no projeto de construção social e contribui para a formação e manutenção do comportamento social de homens e mulheres, de modo que, quando a tradição religiosa defende ou justifica atitudes violentas contra mulheres, caracteriza-se como violência simbólica.
A religião deve entender a violência contra a mulher como um problema, essencialmente, social e não apenas espiritual, sendo necessário seguir os conhecimentos dados por outras ciências e, assim, realizar um excelente aconselhamento pastoral, minimizando a violência doméstica.
Um dos principais objetivos da religião nos casos de violência contra mulher e violação de seus direitos é amparar as pessoas em situação de conflito, crise e sofrimento, para que assim, vivam a relação com Deus, consigo mesmas e o próximo de forma consciente e adulta, de modo que, as incentive a assumirem suas responsabilidades diante da sociedade, favorecendo, deste modo, a “melhoria das condições de vida dentro de uma sociedade livre, justa e democrática.
4. A INFLUÊNCIA DA IGREJA NO PROCESSO DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
A religião é uma instituição social, como toda a nossa sociedade, e, é por isso, que ela é parte do problema. Da aceitação ao silêncio, a igreja tem muitos papéis possíveis para enfrentar a violência contra a mulher. Mas, o caminho do silêncio não é o único possível nas religiões. Muitos grupos religiosos e igrejas entendem seu lugar como um espaço convidativo e o impacto que têm na vida das pessoas deve ser utilizado para apoiar as mulheres e combater a violência.
Muitas mulheres tentam entender a relação com a violência que sofrem por meio da fé. Tentam compreender o motivo de seu sofrimento e a persistência do relacionamento abusivo buscando respostas na religião para as mudanças comportamentais de seu parceiro que, antes, jurou amá-las e respeitá-las, mas com o passar dos anos as ataca de forma violenta e sistemática (DARBY, 2022).
Algumas igrejas aceitam a disseminação e preservação de mitos e violências contra as mulheres, quando se tornam cúmplices de uma cultura de silêncio e indiferença, recusando-se a condenar atos de violência e seus perpetradores, bem como estruturas institucionais e sociais injustas que perpetuam essa prática. Ignorar a violência doméstica e justificá-la na santidade é uma forma de negar-lhes seu lugar de direito na sociedade e nas igrejas (CHIAVENATO, 2021).
As mulheres que sofrem violência encontram frequentemente refúgio na igreja, onde procuram ajuda. Assim, sentem que seu sofrimento foi diminuído, banalizado e naturalizado, e entende que o sofrimento faz parte do ser mulher. Embora a teologia tradicional considere que inclui a pessoa inteira, ela deixa as mulheres de fora, porque não aborda adequadamente os problemas básicos que permeiam suas vidas, como a violência doméstica e sexual. As mulheres não são tão respeitadas porque, de acordo com a teologia cristã, as mulheres têm apenas duas escolhas: ser Eva, a pecadora, ou ser Maria, a santa, visto que segundo (1 Tim. 2: 14) “Não foi Adão que foi seduzido, mas a mulher é que, enganada, ocasionou a transgressão” (CAMARGO, 2021).
Em muitos momentos, as mulheres vítimas de violência, “pedem a Deus” que as livrem desse sofrimento, buscam na religião o apoio, não só para o casamento, mas também para o divórcio, quando o ciclo de violência se torna insuportável. No entanto, é importante entender que, somente a fé em Deus não é suficiente, a mulher também precisa ser encorajada e confiar que, além de Deus, ela pode ter uma rede de apoio disposta a ajudá-la a passar por esta situação desagradável.
As mulheres que vivem em situação de violência enfrentam muitos desafios, costumam ter a autoestima tão fragilizada que não têm tempo de perceber seus pontos fortes. Com o apoio da família, igreja, líderes, pouco a pouco, recuperam a dignidade humana que lhes foi roubada e descobrem que são mulheres criadas por Deus para a felicidade, a solidariedade e uma vida plena. Desse modo, tem a liberdade de cultivar o amor-próprio acima de tudo. Geralmente, nesse tipo de situação, a igreja influencia a mulher a deixar o problema nas mãos de Deus, passando a esperar por um “milagre” e ver o que Deus fará (CHIAVENATO, 2021).
Veiga (2020) destaca que, por acreditarem que o diabo está influenciando seus maridos, as mulheres se sentem culpadas quando passam a julgá-los, como se estivessem traindo a Deus e a comunidade religiosa, ou como se não tivessem fé suficiente para confiar em Deus no qual acreditam que irá realizar um milagre que mudará a realidade de suas famílias. Aqui vemos o sacrifício da mulher para preservar a família, mas a mulher só percebe que seu sacrifício é em vão, quando o agressor decide sair do relacionamento.
De maneira geral, quando o homem decide por terminar o relacionamento, sem outro lado a quem recorrer, as mulheres finalmente tentam recuperar seus direitos registrando queixa na delegacia dos abusos e violências ocorridas, visto que, apenas as soluções sobrenaturais usadas pela igreja não são capazes de romper ou mudar as atitudes violentas que uma mulher pode estar passando, tampouco, têm potencial de afetar a alta proporção de violência doméstica e familiar contra as mulheres.
As estratégias usadas pelas igrejas devem, portanto, ser diferentes. O sofrimento dessas mulheres não pode ser justificado pelas explicações bíblicas sobre o fim dos tempos ou a volta de Jesus. Todo esse malnascido da ação do mal, toda esperança na dimensão escatológica, não reflete ações positivas contra a erradicação de toda violência (BOURDIEU, 2019).
Portanto, pastores, padre, líderes e membros devem estar prontos, receptivos e dispostos a ouvir e acolher com empatia e atenção à mulher agredida. Segundo pesquisa realizada pela Revista Adventista, descobriu-se que pouco mais da metade das igrejas protestantes (52%) tem estrutura para oferecer ajuda. Os recursos mais mencionados foram: contato de conselheiros profissionais (76%), apoio financeiro (64%), local seguro para vítimas (61%), detalhes de contato de agências de assistência jurídica (53%) e disponibilidade de uma pessoa com experiência em ajudar e conversar com vítimas de violência (43%). No entanto, 45% delas ainda não têm um plano concreto para ajudar as vítimas de violência doméstica (REVISTA ADVENTISTA, 2023).
Ainda, segundo a pesquisa, a questão do divórcio é um obstáculo para as igrejas que querem ajudar as vítimas de violência doméstica. Quando um fiel relata o divórcio como a saída e cita a violência doméstica como o motivo, os líderes pastorais geralmente reagem com ceticismo. Três em cada cinco disseram que investigariam as alegações (60%) (REVISTA ADVENTISTA, 2023).
No entanto, a segurança imediata da mulher é o principal aspecto da vigilância, portanto, ela deve estar ciente dos perigos que enfrenta. Isso geralmente requer a busca de recursos externos, como auxílio de conselheiros especializados, abrigos e a aplicação da lei. Por isso, a igreja deve ser um ambiente onde as mulheres em situação de violência recebam apoio constante, mesmo que estejam tentando escapar de um relacionamento violento. Nesse ponto, deve-se enfatizar que é uma luta da qual todos os participantes saem como vencedores: homens, mulheres, crianças, famílias, igrejas e sociedade. É uma luta por igualdade e respeito, que é uma exigência dos direitos humanos. Além disso, todos devem exercer sua fé de forma consciente e questionadora, para não se tornarem vítimas de mais outras ideias ultrapassadas que elevam um gênero em detrimento do outro (BOURDIEU, 2019).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dado o escopo e a complexidade que envolve o tema violência doméstica, uma análise definitiva não seria apropriada neste momento. No entanto, foi possível extrair alguns pontos importantes deste estudo. Este trabalho discutiu a importância da Lei Maria da Penha, a violência de gênero sob uma perspectiva religiosa e a violação dos direitos da mulher, como também a influência da igreja no processo de enfrentamento à violência doméstica e constatou que, a igreja tem um papel fundamental no combate a violência contra mulheres.
A violência doméstica contra mulheres deixou de ser um problema pessoal e se tornou um problema social, de responsabilidade de todos. A consciência coletiva deve ocorrer inicialmente no ambiente familiar, onde o silêncio é um inimigo muito perigoso que alimenta o ciclo vicioso da violência, permitindo que ela se repita e se espalhe no ambiente familiar e social. A violência repetidamente aceita ou ignorada torna-se uma prática comum, que se manifesta nas relações externas tanto da vítima quanto do agressor.
A importância da violência doméstica não pode ser subestimada, ela precisa ser repelida e severamente punida por lei. A visibilidade deste problema exigiu que o governo implementasse uma política integral de proteção e segurança que acolhesse as vítimas e as ajudasse a superar e combater a violência. Aos poucos, o Estado brasileiro vem implementando políticas públicas. Um destes avanços significativos do governo foi a introdução da Lei Maria da Penha no nosso ordenamento, que é considerada uma importante ferramenta, um valioso meio constitucional para combater e eliminar a violência.
Conclui-se que o grande desafio das igrejas protestantes é criar um panorama histórico, cultural e social a partir de um líder espiritual que explique a violência sofrida e de forma que não influencie de modo direto a mulher a ter que “passar por cima ou aceitar” a violência sofrida com base no que prega a religião, mas sim analisar todas as consequências possíveis desta situação visto que um conselheiro não deve abster-se apenas dos ensinamentos bíblicos ou basear-se apenas na fé. Por fim, considera-se que, falta na sociedade um aconselhamento espiritual informatizado e preparado legislativamente, para lidar com os desafios relacionados com o tema em questão, em que os mediadores religiosos, que propagam a fé, a esperança e o amor, tragam paz, consolação e uma sensação de real segurança às vítimas de violência doméstica.
REFERÊNCIAS
AQUINO, E. A realidade da violência contra mulher. 2018. Disponível em: http://projetoredomas.com/a-realidade-da-violencia-contra-mulher/. Acesso em: 11 de fev. 2023.
BARAGATTI, D. Y. Caminhos de mulheres em situação de violência na busca por serviço de apoio. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Universidade Estadual de Campinas, 2018.
BOURDIEU, P. A Dominação Masculina. Tradução Maria Helena Kuhner. 19. ed. São Paulo: Editora Bertrand Brasil, 2019.
BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em: 09 de fev. 2023.
CANDIOTA, F. Paixão e esperança: a violência contra a mulher. Editora In Media Res, Rio de Janeiro, 2019.
CÉSAR. M. C. O grito de Eva. 1 ed. Editora Thomas Nelson Brasil. São Paulo, 2021.
CHIAVENATO, J. A bastarda de Deus: a bíblia e a cultura da violência contra a mulher. Editora Noir, 2021.
DARBY. A. S. Desmascarando o abuso: um guia bíblico para ajudar as vítimas. Editora Fiel, 2022.
HANNAH, F. Refúgio bem presente: um guia sobre combate à violência doméstica para lideranças eclesiásticas. Tradução: Bianka Giovanna et al. 1. ed. Editora Thomas Nelson Brasil. São Paulo, 2023.
INSTITUTO MARIA DA PENHA – IMP. Tipos de violência doméstica. 2018. Disponível em: https://www.institutomariadapenha.org.br/lei-11340/tipos-de-violencia.html. Acesso em: 11 fev. 2023.
PENHA, Maria da. Sobrevivi… posso contar. 2ª ed. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2014.
REVISTA ADVENTISTA. Quando a violência doméstica chega à igreja. Disponível em: https://www.revistaadventista.com.br/marcio-tonetti/destaques/quando-a-violencia-domestica-chega-a-igreja/. Acesso em 10 de fev. 2023.
VEIGA, F. Anota, vai que esquece? como sobrevivi ao abuso espiritual na igreja evangélica. Aljava Editora, São Paulo, 2020.
[1] Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Faculdade Unida de Vitória, Especialista em Direito Penal e em Direito Processual Penal, pós-graduada em Gestão de Pessoas, em Educação a distância, em Docência do Ensino Superior, Direitos do consumidor aplicados à educação e doutoranda pela Faculdade Unida de Vitória. ORCID: 0000-0002-8885-6545. Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/2122826675027075.
Enviado: 02 de março, 2023.
Aprovado: 14 de abril, 2023.