REVISTACIENTIFICAMULTIDISCIPLINARNUCLEODOCONHECIMENTO

Revista Científica Multidisciplinar

Pesquisar nos:
Filter by Categorias
Administração
Administração Naval
Agronomia
Arquitetura
Arte
Biologia
Ciência da Computação
Ciência da Religião
Ciências Aeronáuticas
Ciências Sociais
Comunicação
Contabilidade
Educação
Educação Física
Engenharia Agrícola
Engenharia Ambiental
Engenharia Civil
Engenharia da Computação
Engenharia de Produção
Engenharia Elétrica
Engenharia Mecânica
Engenharia Química
Ética
Filosofia
Física
Gastronomia
Geografia
História
Lei
Letras
Literatura
Marketing
Matemática
Meio Ambiente
Meteorologia
Nutrição
Odontologia
Pedagogia
Psicologia
Química
Saúde
Sem categoria
Sociologia
Tecnologia
Teologia
Turismo
Veterinária
Zootecnia
Pesquisar por:
Selecionar todos
Autores
Palavras-Chave
Comentários
Anexos / Arquivos

O ensino religioso nas escolas públicas e o princípio da laicidade

RC: 143467
1.007
5/5 - (19 votes)
DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencia-da-religiao/principio-da-laicidade

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

MELO, Márcia Luz de [1]

MELO, Márcia Luz de. O ensino religioso nas escolas públicas e o princípio da laicidade. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 04, Vol. 04, pp. 113-125. Abril de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/ciencia-da-religiao/principio-da-laicidade, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencia-da-religiao/principio-da-laicidade

RESUMO 

O sistema educacional brasileiro nunca esteve alheio aos muitos movimentos da sociedade, assim, não poderia, também, estar distanciado do fenômeno religioso, uma vez que a escola é uma parcela da comunidade e todas as expressões de uma sociedade se encontram nela, mesmo que em menor proporção. O presente artigo em questão busca realizar uma discussão acerca da importância de respeitar as diversas crenças religiosas existentes no país. No desenvolvimento desta pesquisa, que foi construída através da análise de bibliografias e análises das legislações que legitimam o ensino religioso, discute-se a seguinte questão: o docente da disciplina de ensino religioso, participante de uma formação integral, poderia ministrar aulas dessa disciplina sem ser tendencioso, considerando o contexto da diversidade religiosa e a legislação existente no país? Por fim, entende-se que, embora criticado pelo risco de poder se transformar num violador do direito humano, o ensino religioso, obedecendo aos critérios estabelecidos nas legislações, inclusive criando legislações que favoreçam a formação de educadores para esse fim, pode converter-se num importante mecanismo de aperfeiçoamento da convivência pacífica e de respeito às pluralidades que formam as identidades dos sujeitos que compõem a sociedade brasileira.

Palavras-chave: Ensino religioso, Laicidade, Formação.

1. INTRODUÇÃO 

O presente artigo aborda o tema da inserção do ensino religioso nas escolas públicas diante do princípio constitucional do Estado Laico, os desafios e a importância da formação dos docentes.

Seu objetivo principal é realizar uma discussão acerca da importância de respeitar as diversas crenças religiosas existentes no país. Desse modo, busca responder a seguinte questão: o docente da disciplina de Ensino Religioso, participante de uma formação integral, poderia ministrar aulas dessa disciplina sem ser tendencioso, considerando o contexto da diversidade religiosa e a legislação existente no país?

O tema “ensino religioso nas escolas públicas do Brasil” têm sido fruto de muitas pesquisas acadêmicas, em especial nas últimas décadas.

Foi comum, no desenvolvimento desta pesquisa, que foi construída através da análise de bibliografias e de análises das legislações que legitimam a existência do ensino religioso na grade escolar, encontrar estudos que tratam sobre o desenvolvimento da disciplina, mas poucas produções que tratam de aspectos relacionados à formação dos docentes, o que motivou o estudo sobre o assunto.

No decorrer deste estudo, foi possível, ainda, acessar literaturas e autores que defendem a relação do Estado laico e a existência do ensino religioso na escola pública, bem como o conhecimento daqueles que ponderam e posicionam-se temerosos quanto possíveis contradições à legalidade desse ensino, salientando, inclusive, que esta disciplina coloca em risco o direito do cidadão de livre manifestação de religião e credo.

Por estar implicada com a formação da consciência de crianças e adolescentes, bem como com o exercício desses e de outros direitos, a questão do ensino religioso nas escolas públicas é um dos pontos mais sensíveis na defesa da laicidade do Estado brasileiro e de direitos fundamentais da cidadania brasileira, bem como dos direitos humanos. (FISCHMANN, 2008, p. 9).

Em contrapartida, teve-se acesso a autores como  Lafer (2007) e Martins (2009), que admitem e entendem que o Estado laico não inviabiliza a existência do ensino religioso na escola pública, uma vez que, na perspectiva escolar, entendem esses autores, o Estado laico é aquele que não obriga o seguimento a uma religião, mas, propõe o conhecimento das diferentes culturas religiosas, como o que foi proposto pelas Diretrizes Curriculares (BRASIL, 1998) e pelas Orientações sobre o Ensino Religioso (BRASIL, 2010), do Ministério da Educação e Cultura (MEC).

Sobre a relação do Estado laico com a educação, tem-se, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, o seguinte posicionamento:

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular (ONU, 1948).

Assim, percebe-se que a multiplicidade de opiniões sobre o ensino religioso no sistema educacional brasileiro provém da polissemia de conceitos que abarcam o entendimento do que é Estado laico e das sucessivas legislações sobre o ensino religioso no Brasil.

A resposta encontrada, foi, sobretudo, o investimento na formação do corpo docente, entendida, em grande parte das literaturas, como responsável pela qualidade de ensino que se propõe realizar.

Outrossim, para a lecionar essa disciplina, é necessário que o educador tenha uma bagagem cultural e conceitual, que inclua temáticas que fortaleçam conceitos confluentes ao tema.

2. COMPREENDENDO A QUESTÃO 

A palavra “laico” vem do grego laikós, que significa “povo” (LAICO, 2020). Na antiguidade, mais especificamente na Idade Média, o termo era cunhado para representar aqueles que, apesar de pertencerem a igreja, não pertenciam ao clero.

O princípio da laicidade é um dos primados dos Estados modernos, e atribui-se o início das discussões a seu respeito ao Estado Francês, sendo sua construção histórica datada de mais de um século. A laicidade é um conceito nascido da separação entre Estado e Igreja, a concepção de um Estado laico nasceu de um longo processo de laicização, de uma emancipação e construção progressiva, através de um afastamento dos dogmas, do clero e, sobretudo, do poder da Igreja Católica, ideais filosóficos e iluministas, ganhando vulto sob movimentos da época, como a Reforma Protestante.

Nas constituições brasileiras, a palavra “laico” aparece como um princípio a ser seguido, e representa/sinaliza a separação entre as coisas da igreja e do Estado. Esse processo se iniciou sobre a influência francesa, tendo seu início em 1882, com a sugestão de Ruy Barbosa de se ter liberdade de ensino. Cabe lembrar que, antes disso, o sistema religioso era massivamente influenciado pela Igreja Católica, sendo modificado no decorrer dos movimentos políticos e econômicos, até chegar no que se tem nos dias atuais, com a Constituição de 1988, o conceito incisivo, constante no artigo 5º da CF/88: 

Artigo 5º, inciso VI, que dispõe ser “inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias” (BRASIL, 1988).

Acerca do princípio da laicidade, Debray (2002, p.23) diz que seu princípio tem lugar na liberdade de consciência, ou seja, ela “não se apresenta como uma opção espiritual entre as demais, ela é o que torna possível sua coexistência, porque aquilo que é comum em direito a todos os homens deve ser a medida sobre o que separa de fato”.

Rios (2006, p. 3466) acrescenta que “se a escola pretende formar o cidadão consciente, precisa ajudar os educandos na leitura da cultura de seu país, precisa ensiná-las a dar coerência ao mundo. Isto apresenta-se como uma responsabilidade de todos”.

Nesse sentido, a escola, entre outras atribuições, tem o dever de mediar as construções culturais criadas a partir das relações humanas nos mais diversos contextos sociais e, nesse sentido, proporcionar espaços para o conhecimento sobre as diversidades.

Para Amaral Júnior (2008, p. 14), a relação entre o Estado laico e o ensino está inserida no campo dos direitos humanos, ele pontua que: “Neste contexto, o tema ensino religioso guarda estrita relação com a problemática dos direitos humanos e à preservação da liberdade em um mundo essencialmente plural.”

Desta forma, ao se afirmar a importância do ensino religioso e suas perspectivas teóricas e práticas na educação pública, implica-se, também, a retomada do debate crítico sobre as religiões e os significados culturais que fundamentam a origem histórica da diversidade religiosa. Para Silva (2004, p.2):

[…] as religiões são parte importante da memória cultural e do desenvolvimento histórico de todas as sociedades. Desse modo, o ensino de religiões (e não de uma religião) na escola não deve ser feito para defesa de uma delas, em detrimento de outras, mas discutindo princípios, valores, diferenças e tendo em vista – sempre – a compreensão do outro.

Contudo, tem-se aí uma questão que está presente em quase todas as literaturas utilizadas para construção deste artigo: como fazer com que o educador religioso mantenha distância de suas crenças e convicções ao ministrar aulas dessa disciplina, observando, inclusive, preceitos dos direitos humanos? 

3. O PERCURSO HISTÓRICO DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL

O ensino religioso sempre se fez presente nas escolas brasileiras. A primeira ideia de ensino religioso na educação pública brasileira apareceu no contexto da colonização do país, quando os jesuítas conduziram um projeto missionário e recorreram à educação a fim de inculcarem dogmas católicos. (SAVIANI, 2008).

Esse modo de educar permaneceu até meados do século XVIII (1759), modificando-se somente após a expulsão dos Jesuítas, por Marquês de Pombal, quando foi trazida uma nova perspectiva educacional para o país, uma educação laica e com uma perspectiva, filosofia educacional, que visava a implantação da tradição humanista na educação, abrindo, mais tarde, para a evolução trazida pela família real, que, em 1808, chega ao Brasil e amplia essas estratégias, em especial para o atendimento das necessidades da corte.

Tão somente a partir da proclamação da república e da elaboração da primeira Constituição é que surge um movimento de organização do sistema educacional brasileiro, no qual as províncias passam a assumir a educação primária e secundária, enquanto o ensino superior é assumido pelo poder central. O ensino religioso, nesse período, apesar de precário, começava a ser delineado, em especial, com apoio da maçonaria e de seus ideais liberais.

Nesse contexto, a Constituição de 1824 selou a união entre coroa e religião, e as relações entre Estado e Igreja se acentuaram, também, no campo educacional, uma vez que a Lei de Instrução de 1827 aborda o ensino religioso nos seguintes termos: “Art. 6º – Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética […] e os princípios de moral cristã e da doutrina católica e apostólica romana […]” (BRASIL, 1827, online).  Essa forma de organização da escola imperial se manteve de forma inconstante até a Proclamação da República, em 1889.

Somente com o advento da república e com forte influência positivista e dos militares é que se criou uma nova realidade educacional: a laicização do ensino brasileiro. Esse movimento foi muito questionado pela Igreja, no entanto, a Constituição de 1891 regulamentou a separação entre as referidas instituições e proibiu a subvenção, restrição e manutenção de cultos pelo Estado (BRASIL, 1891). Com essa determinação, entre 1889 a 1930, a Igreja ampliou a criação de colégios próprios por meio das congregações religiosas.

A partir de 1930, com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, a igreja volta a ter um pouco mais de influência, em especial com os movimentos de pressão, que fizeram com que, na Constituição de 1934, a disciplina de ensino religioso tivesse o seu retorno oficial à grade das escolas públicas do país. A legislação estabeleceu que a oferta da disciplina fosse obrigatória e facultativa para os alunos, tendo como novidade a inclusão dessa disciplina também nas escolas de ensino profissional (BRASIL, 1934). Tem-se aí, como nos primórdios, uma nova aliança entre Estado e Igreja.

Contudo, essa aliança é rompida a partir de 1937, com a adoção de uma postura ditatorial por parte do governo, que suspende os dispostos da Constituição, dentre eles, os que se referem às liberdades individuais e os que se referem à obrigatoriedade da disciplina nos currículos escolares.

Em 1945, no contexto do Estado novo, tem-se uma proposta que enfraqueceu ainda mais a inserção do ensino religioso enquanto disciplina curricular, uma vez que essa se tornou uma disciplina não obrigatória e que poderia ser oferecida fora dos horários escolares.

Após o período pós-ditatorial (1946-1964), o país foi marcado pela organização de uma nova Constituição, caracterizada pelos princípios liberais, devido ao alinhamento do país aos EUA. Essa influência ideológica liberal e democrática fez com que a disciplina de ensino religioso fosse mantida como obrigatória nas escolas públicas, sendo fornecida de acordo com a confissão religiosa do aluno, garantido a liberdade religiosa, contudo sua matrícula seria facultativa.

A Constituição brasileira de 1988 faz referência ao ensino religioso, contudo, repetem-se as características das constituições anteriores, de uma disciplina a ser ministrada dentro da carga horária escolar do ensino fundamental e de matrícula facultativa, sem ônus para o Estado (BRASIL, 1988).

A presença dessa temática na Constituição abriu possibilidades para que essa disciplina também fosse considerada na Lei nº 9394/ 96, que trata das Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Nela, o ensino religioso deve ter um caráter ecumênico, matrícula facultativa e deve ser fundamentado no respeito à liberdade religiosa, merecendo tratamento igualitário no processo global de ensino-aprendizagem (BRASIL, 1996).

Mas, apesar desse novo marco, ainda persistiram os problemas, visto que a frase “sem ônus para o Estado” implicava a aplicação das aulas por voluntários, o que dificultava a aplicabilidade da disciplina.

I. As denominações poderiam encontrar brechas para ministrar a disciplina em formato de catequese, sem respeitar a diversidade religiosa que apresenta uma sala de aula.

II. Os educadores, uma vez sendo voluntários, não teriam condições financeiras para assumir uma formação continuada.

Contudo, devido a esses entraves da efetivação da disciplina, foram elaboradas, pelo congresso nacional, propostas de alteração da LDB, em especial ao artigo 33, que trata do ensino religioso, assim, esse artigo, após essas propostas, foi alterado para a seguinte forma:

Art.: 1º – O art. 33 da Lei nº 9.394, de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 33 – O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica de cidadão, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer forma de proselitismo.

Parágrafo 1º – Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores.

Parágrafo 2º – Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do Ensino Religioso. (BRASIL, 1996).

A nova redação da LDB reafirma a disciplina como integrante do currículo das escolas de ensino fundamental e a coloca no mesmo patamar das demais disciplinas, contudo, ainda não regulamenta fatores importantes, como os conteúdos que deveriam ser ministrados e a normatização de habilitação desses educadores.

O Conselho Nacional de Educação (CNE) se manifestou e instituiu as diretrizes curriculares, reconhecendo o ensino religioso como área de conhecimento, mas não houve consenso com a Câmara de Educação Superior (CES/CNE), em especial quanto à formação acadêmica do docente.

Partindo dessa situação conflituosa, organizou-se o Fórum Permanente de Ensino Religioso (FONAPER), que elaborou, em parceria com especialistas, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Religioso (PCNER), que trouxeram como proposta a capacitação profissional para o ensino religioso. Nessa proposta, estava contemplada a realização de cursos, seminários e congressos, de modo a fomentar e trazer discussões que dessem subsídios à docência. 

4. A LEGISLAÇÃO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM ENSINO RELIGIOSO

Muitas têm sido as transformações, em especial no campo educacional. As licenciaturas, como, por exemplo, a em Pedagogia, modificaram seus conteúdos, diversificam-se e abarcaram conhecimentos históricos, filosóficos, antropológicos, econômicos e culturais. Nesse contexto educacional, também está o ensino religioso.

Essa disciplina, desde sua implantação, foi alvo de polêmicas e controvérsias de variadas naturezas. É fato que alguns estados brasileiros relegam a disciplina de ensino religioso, deixando-a em segundo plano quando se trata da questão de currículo e de conteúdo, e que outros mantêm, ainda, o modelo confessional.

Como explanado anteriormente, essa disciplina foi garantida, pela Constituição Federal de 1988, como componente curricular. A LDB, Lei nº 9394/96, a assegurou no ensino fundamental (Artigo 33, com nova redação dada ao referido artigo pela Lei nº 9475/97) (BRASIL, 1996) e o Conselho Nacional de Educação, pelos seus Pareceres 4/1998 e 4/2010, estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, nas quais definiu o Ensino Religioso como uma das dez áreas de conhecimento (BRASIL, 1998, 2010).

Tem-se, assim, uma abertura gradativa, para Estados e Municípios, para a criação de cargos de professor de ensino religioso, contudo, entre a sua implantação e efetivação como disciplina, houveram omissões e muitas lacunas, que envolveram, principalmente, ações governamentais que assegurassem uma formação específica nessa área aos professores nos seus diferentes níveis.

A própria LDB, Lei Nº 9394/96, no tocante à formação de professores, diz, em seu artigo 62:

A formação de professores para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal. (BRASIL, 1996).

Percebe-se que a LDB dá ênfase na formação do professor, seja em curso na modalidade normal, seja em curso de licenciatura, mas não determina, nem impede, que seja oferecido um curso específico para formação de professores de ensino religioso. Contudo, a nova redação dada ao artigo 33 da LDB, pela Lei nº 9475/97, normatiza os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelece as normas para a habilitação dos professores.

Afirmando, agora, que qualquer oferta de curso de formação para professores de ensino religioso deve observar este embasamento legal dado pelas constituições, pela LDB e por pareceres e resoluções dos sistemas de ensino (resoluções federais, estaduais e municipais).

A partir dessa legislação, tem-se um direcionamento legal de que a oferta de qualificações em ensino religioso não pode conduzir a qualquer forma de proselitismo, e devem assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa, não sendo restrita a uma determinada religião.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Religioso (PCNER) foram construídos visando a compreensão dos diferentes significados dos símbolos religiosos na vida e convivência das pessoas e grupos, para isso, estabeleceu eixos de abordagens (culturas e tradições religiosas, escrituras sagradas e/ ou tradições orais, teologias, ritos e ethos). Vê-se aí um esforço de se trabalhar a disciplina numa perspectiva multicultural, demonstrando-a como um fenômeno religioso e parte integrante da cultura de diversos povos.

Nesse sentido, sabendo que os professores podem interpretar e tecer representações sobre uma mesma questão de forma diferenciada, como garantir a realização da docência de acordo com as prescrições legais, garantindo o respeito perante todas as religiões representadas em sala de aula, se não através de uma formação que contenha argumentos que favoreçam essa cultura?

A resposta que pode ser vislumbrada, por meio do entendimento da situação do ensino religioso e da formação de professores para essa disciplina, é que, antes de qualquer julgamento, necessita-se compreender as disputas tanto no campo político quanto no religioso, principalmente no que diz respeito à atuação de setores da Igreja Católica e dos múltiplos segmentos religiosos que têm os protestantes como maioria, e seus reflexos no campo educacional e até moral. É reconhecível os avanços das últimas décadas, mas registra-se, também, os recuos que culminaram na perda da autonomia para os campos político e religioso. Atualmente, vive-se uma onda conservadora, e que admite apenas uma verdade, que é a sua.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Historicamente, a concepção de ensino religioso tem se modificado no país, em especial após a promulgação da nova redação do artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Para o ensino religioso, essa nova redação foi um marco, pois veio favorecer o trabalho pedagógico, de organização da disciplina e suas metodologias, e propiciar ao aluno o conhecimento e a compreensão do fenômeno religioso como fator cultural e social.

Contudo, essa história é permeada de equívocos, pois, apesar de haver previsão em lei, registra-se, ainda, muitos problemas com relação a esta disciplina, em especial no que se refere aos estados do Brasil, nos quais se adota o ensino confessional, interconfessional ou de história das religiões como prática, causando ainda constrangimentos e violações.

O que se pode ver nas bibliografias pesquisadas é que a trajetória do ensino religioso, até se constituir em disciplina escolar, assim como sua permanência no currículo, é permeada, também, pela construção social e histórica, pelas relações de poder e pelos interesses do país.

Embora seja predominantemente cristã, a população brasileira é permeada por uma pluralidade de crenças religiosas de matrizes diversas. Dados do Censo 2010 indicam que 86% da população brasileira se declarava cristã (católicos e protestantes), mas também identificaram, entre os 14% restantes, cerca de 40 grupos religiosos de outras matrizes no país (IBGE, ano).

Ao passo que essa existente pluralidade é capaz de viabilizar o respeito à diferença, também é um catalisador de violência e intolerância, ainda mais considerando a crescente ampliação de vertentes religiosas e, consequentemente, do surgimento de uma radicalização e fundamentação de um mercado que disputa fiéis, obrigando a religião a se fundamentar discursivamente, inclusive de forma agressiva com relação a outras vertentes.

Há, no sistema de ensino, uma miscelânea de conteúdos que são ministrados pelos professores, dentre eles o ensino religioso. Percebe-se, através das diversas literaturas, o quanto é difícil compreender e traduzir de forma compreensível a dimensão teórica e conceitual do fenômeno religioso, o qual carece ser compreendido como uma ciência com princípios e métodos.

Há necessidade de um maior investimento, tanto na formação inicial quanto na continuada, pois existe carência de professores habilitados e de uma política educacional menos confusa em relação à epistemologia dessa área de conhecimento, além de aspectos ligados a estabilidade desses educadores, que, em muitos estados, são professores temporários.

Por fim, entende-se que, embora criticado pelo risco de poder se transformar num violador do direito humano, o ensino religioso, obedecendo aos critérios estabelecidos nas legislações, inclusive criando legislações que favoreçam a formação de educadores para esse fim, pode converter-se num importante mecanismo de aperfeiçoamento da convivência pacífica e de respeito às pluralidades que formam as identidades dos sujeitos que compõem a sociedade brasileira.

REFERÊNCIAS

AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Direitos humanos e a Constituição brasileira de 1988. In: FISCHMANN, Roseli. (Org.). Ensino religioso em escolas públicas: impactos sobre o Estado Laico. São Paulo: Factash, 2008.

BRASIL. Lei de 15 de outubro de 1827. Manda crear escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império. Rio de Janeiro: Chancellaria-mór do Imperio do Brazil, 1827. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM..-15-10-1827.htm. Acesso em: 29 mar. 2023. 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de fevereiro de 1891). Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos em Congresso Constituinte, para organizar um regime livre e democrático, estabelecemos, decretamos e promulgamos a seguinte. Rio de Janeiro: Sala das Sessões do Congresso Nacional Constituinte,1891. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm. Acesso em: 29 mar. 2023.

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934). Nós, os representantes do povo brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico, decretamos e promulgamos a seguinte. Rio de Janeiro: Sala das Sessões da Assembléia Nacional Constituinte, 1934. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm. Acesso em: 29 mar. 2023.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.  Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 29 dez. 2019.

BRASIL. Resolução CEB nº 3, de 26 de junho de 1998. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. 1988. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rceb03_98.pdf. Acesso em: 29 mar. 2023.

BRASIL. Ministério da Educação. Resolução nº 4, de 13 de julho de 2010. Define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. 2010. Disponível: http://www.prograd.ufu.br/sites/prograd.ufu.br/files/media/documento/resolucao_cneceb_no_4_de_13_de_julho_de_2010.pdf. Acesso em: 29 mar. 2023.

DEBRAY, Regis. L’Enseignement du fait religieux dans l’école laïque. France: Ministère de l’éducation nationale, 2002.

LAFER, Celso. Estado laico. O Estado de São Paulo, p. 1-2, 2007.

LAICO. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2020. Disponível em: https://www.dicio.com.br/laico/. Acesso em: 27 fev. 2023.

ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração universal dos direitos humanos. 1948. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_ inter_universal.htm. Acesso em 10 de dez de 2019.

RIOS, Denise Cristiane. Ensino religioso e a realidade brasileira: identidade e formação docente. In: VI EDUCERE – Congresso Nacional de Educação da PUCPR – PRAXIS, Curitiba: Champagnat, 2006. Disponível em: http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2006/anaisEvento/docs/CI-250-TC.pdf. Acesso em: 31 dez. 2019.

SAVIANI, Dermeval. Da nova LDB ao FUNDEB: por uma outra política educacional. 2ª ed. Campinas: Editora Autores Associados, 2008.

[1] Graduação em pedagogia na FAVI, pós graduação em ensino religioso na FABRA, pós graduação em séries iniciais no CESAP, pós graduação em educação infantil e séries iniciais com ênfase em alfabetização na UNIVES, em curso mestrado de ciências das religiões na faculdade unida de vitória. ORCID: 0000-0002-0830-5736. Currículo Lattes:  https://lattes.cnpq.br/0218203925572219.

Enviado: 23 de Janeiro, 2023.

Aprovado: 09 de Março, 2023.

5/5 - (19 votes)
Marcia Luz de Melo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pesquisar por categoria…
Este anúncio ajuda a manter a Educação gratuita