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O ensino religioso no Brasil: desafios contextuais para a formação docente

RC: 143244
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencia-da-religiao/o-ensino-religioso

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

GONÇALVES, Andreia Soares [1]

GONÇALVES, Andreia Soares. O ensino religioso no Brasil: desafios contextuais para a formação docente. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 04, Vol. 03, pp. 78-88. Abril de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/ciencia-da-religiao/o-ensino-religioso, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencia-da-religiao/o-ensino-religioso

RESUMO

O artigo discute a formação docente para o Ensino Religioso no Brasil. À luz das questões legais que permeiam esse tema, enfatiza-se as tensões conceituais sobre o Ensino Religioso laico. Investiga-se a garantia da legitimidade da diversidade religiosa e do fenômeno do pluralismo religioso no contexto nacional. Analisa-se o cenário religioso brasileiro a partir de sua composição religiosa complexa e diversa, considerando os desafios que emanam para a formação docente em Ensino Religioso. Procura-se, com isso, superar a racionalidade técnica a partir de um referencial teórico cujos elementos assumem a perspectiva humanizadora da complexidade e da multirreferencialidade. Depreende-se que a formação docente para o Ensino Religioso pode promover ambientes de convivência pacífica, em que predominam a tolerância, a fraternidade e o respeito à liberdade de pensamento e de crença nas escolas públicas brasileiras.

Palavras-chave: Ensino Religioso, Diversidade Religiosa, Pluralismo Religioso, Formação Docente.

INTRODUÇÃO

No Brasil, a trajetória do Ensino Religioso (ER) é marcada pela hegemonia da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) e sua relação com o Estado, através do regime de padroado, que foi extinto com a Constituição de 1891 (BRASIL, 1891). Outra característica é que o debate sobre a presença do ER nas escolas públicas é frequentemente polêmico. Enquanto a ICAR insiste na defesa da permanência do ER, outro grupo argumenta que a laicidade do Estado impossibilita o estabelecimento de vínculos com a igreja.

Mas as polêmicas nunca se encerraram, até que a Lei nº 9.475/97, que revisou a redação do artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), definiu que o ER, como disciplina curricular nas escolas públicas, deveria garantir o respeito à diversidade religiosa (BRASIL, 1997). Essas alterações legais culminaram na remuneração pelo ensino e no caráter não confessional do ER, sem proselitismo e com respeito à diversidade religiosa. Consequentemente, exige-se uma formação adequada para os docentes de ER do Ensino Fundamental.

O reconhecimento da diversidade é uma questão social contemporânea que envolve as escolas públicas brasileiras e desafia os modelos tradicionais de ensino-aprendizagem. Por isso, a formação docente é um assunto recorrente, pois é um elemento indissociável da qualidade da educação e das ações políticas que projetam a consolidação de um sistema educacional mais inclusivo. Os processos de democratização da Educação Básica nacional tornam possível o acesso de diversos grupos sociais às escolas públicas. Isso torna o ambiente escolar mais heterogêneo, pois os alunos ingressam nele com suas diferenças relativas à composição social, à religião, aos valores etc.

O fenômeno do pluralismo religioso é uma máxima no Brasil, que possui uma diversidade religiosa marcante. Por isso, a pergunta-problema que norteia o artigo é a seguinte: quais são os principais desafios e alternativas que surgem para a formação docente no ER no cenário brasileiro? A formação docente no ER solicita um novo olhar, especialmente sobre a diversidade humana, porque considera-se que as diferentes expressões religiosas, em paralelo com as perspectivas fundamentalistas da religião, podem limitar a vida social. Destarte, a relação entre a formação docente no ER e a diversidade religiosa, num cenário marcado pelo pluralismo religioso, pode lançar novas luzes para superar os desafios e pavimentar caminhos para a atuação docente na Educação Básica no Brasil.

DIVERSIDADE RELIGIOSA E FORMAÇÃO DOCENTE NO ER 

Há complexidade na formação docente para o ER no Brasil, devido às influências sociais, econômicas, políticas, históricas e culturais. Essa complexidade desafia a reflexão sobre uma educação que envolva a diversidade religiosa, a fim de dar significado aos processos formativos e contextualizá-los em contextos singulares. A formação docente deve considerar as configurações sociais atuais, marcadas pelo reconhecimento da diversidade religiosa, cultural e social, entre outras, em conjunto com a crise de paradigmas na educação como um todo. Isso aponta para a necessidade de repensar a formação docente, a fim de superar os limites da racionalidade técnica que está presente nos processos de formação, orientando as práticas de ensino-aprendizagem em todo o território nacional.

Aqui, a racionalização técnica e o cientificismo são entendidos dentro da lógica moderna, criando narrativas com tendências homogeneizadoras e produtoras de uma subjetividade subserviente, impactando os processos de ensino-aprendizagem. Para Torres, tais elementos fazem com que a ciência produza verdades universais e de conhecimento, ancoradas na lógica moderna da objetividade, da experimentação, do reducionismo e da fragmentação. (TORRES, 2012). Além disso, esses processos relegaram a religião, os saberes populares e outras instâncias ao descrédito, por meio da abstração que lhes é inerente. Elas deixaram de ser reconhecidas como alternativas de conhecimento e compreensão da realidade, pois, na lógica moderna, não tiveram força para se adequar aos princípios da racionalidade técnica, uma vez que não eram passíveis de experimentação empírica. Torres (2012), ainda, reforça que essa racionalidade desemboca na desumanização dos agentes envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.

A formação docente no Brasil geralmente desenvolve-se a partir de cursos de licenciatura estruturados com campos disciplinares fragmentados e/ou desarticulados. Nela, predomina uma formação teórica dissociada da práxis, em que os profissionais da educação são formados com limitações para respeitar e entender a complexidade, as diferenças e a diversidade que compõem a realidade que os cercam. Os modelos de ensino-aprendizagem são, nesses termos, padronizados, passando a realidade passa a ser conceituada e apresentada numa perspectiva fragmentada e descontextualizada em relação à práxis.

Em geral, os cursos de licenciatura direcionados para a formação docente cumpriam o currículo mínimo com a oferta de disciplinas obrigatórias, enfatizando as áreas específicas com complementação pedagógica no final do curso. Eram cursos ainda estruturados no modelo 3+1, que ofereciam três anos de formação em disciplinas específicas e com abordagens cognitivas. Depois disso, ofereciam mais um ano de formação em disciplinas de didática, que eram requisitadas na colação de grau de licenciado (GATTI, 2009).

No caso da formação docente para o ER, essa situação é mais grave, porque o modelo exposto produz profissionais com poucas possibilidades de articulação entre as diferentes áreas do conhecimento com os saberes relativos às experiências diárias nas escolas. Assim, a formação docente não se enquadra em uma perspectiva mais humanizante, que focaliza a dignidade dos alunos.

Na lógica do cientificismo, o ato de educar é reduzido à prática de mudança da conduta dos alunos, pois opera a partir de padrões desejáveis de comportamento, e isso reduz a formação docente a esforços para localizar soluções para problemas técnicos do ensino. Nas palavras de Muñoz, a formação docente “se converteu automaticamente […] a encontrar soluções aos problemas técnicos do ensino […] e não em dar respostas às situações problemáticas da cultura do ensinar” (MUÑOZ, 2013, p. 495-496), que tornam possível a mobilização dos saberes e das experiências no desenvolvimento curricular.

A perspectiva eficientista na formação docente se baseia no modelo individual e de treinamento, em que o formador educacional apenas indica as atividades para que os docentes atinjam os resultados relativos à aprendizagem dos alunos. Com efeito, a formação docente para o ER – licenciatura em Ciências das Religiões – que não contempla no processo ensino-aprendizagem a participação discente, acaba assumindo a lógica da racionalidade técnica, que prioriza a teoria distanciada da práxis profissional. Ou seja, a práxis não emerge como espaço privilegiado para aplicação da teoria, sinalizando, assim, a falta de reconhecimento sobre a epistemologia e a importância de correlacionar os saberes com a prática.

Notavelmente, a ideia de um professor técnico limitado à aplicação de teorias e regras educacionais prevalece nas escolas públicas brasileiras. Essa ideia alude ao modelo de uma educação bancária, divorciada do contexto de prática e da diversidade que perpassa as escolas. A educação, nessa lógica, representa “um processo cumulativo e linear que mantém com o desempenho profissional uma relação meramente adaptativa, instrumental e funcional” (CANÁRIO, 2001, p. 154).

Podemos identificar, atualmente, alguns esforços para superar a concepção racional do conhecimento, e isso pode ser refletido na educação e na formação docente. Um bom exemplo são as contribuições da teoria sistêmica e da termodinâmica, que fragilizam os fundamentos da ciência moderna e acabam impondo a necessidade de repensar os critérios e as certezas outrora absolutas e imutáveis.

Outro exemplo é o pensamento complexo de Morin (1999), que traz implicações relevantes para a formação docente. No pensamento desse autor, a complexidade se estabelece no contraponto do reducionismo e da fragmentação do conhecimento. O pensamento complexo distingue e agrupa, num movimento oposto à fragmentação, separação e redução do conhecimento. O pensamento complexo “se esforça para unir, não na confusão, mas operando diferenciações. […] A necessidade vital da era planetária […] é um pensamento capaz de unir e diferenciar” (MORIN, 1999, p. 32).

A habilidade de unir, distinguir e de contextualizar os conhecimentos se revela uma demanda hodierna. O cultivo do pensamento complexo na educação e na formação docente é uma maneira de abrir caminhos para superar a ótica reducionista e fragmentária na formação, podendo culminar em práticas pedagógicas relevantes.

O reconhecimento da diversidade e a importância dos contextos acabam impondo à formação docente a exigência da inclusão dos saberes e das experiências que perpassam a prática escolar. Segundo Muñoz (2013), a formação auxilia na reconstituição do equilíbrio dos esquemas práticos que predominam nas ações institucionais, nas aulas e nos esquemas teóricos que embasam esse equilíbrio. Mas, isso pressupõe o protagonismo docente na elaboração do conhecimento pedagógico, o que sugere mudanças nos modelos e nas metodologias de formação (MUÑOZ, 2013, p. 496-497).

De acordo com Magalhães (2013), os cursos de licenciatura também deveriam comprometer-se com a formação docente numa ótica humanística e científica, envolvendo certo domínio da disciplina e competência didática e pedagógica. A expectativa está na formação de um profissional docente reflexivo e autônomo, uma formação superior “integrada, cumprida num ambiente laboratorial de exigência e de isomorfismo, e traduzida num profissional cultural e pedagogicamente reflexivo” (MAGALHÃES, 2013, p. 111).

No cenário brasileiro, marcado pela diversidade cultural e pelo fenômeno do pluralismo religioso, o ER representa “um marco estruturado de leitura e interpretação da realidade, essencial para garantir a possibilidade de participação do cidadão na sociedade de forma autônoma” (JUNQUEIRA, 2022). O ER pode ajudar na construção de uma sociedade humana, fraterna e solidária, desde que objetive educar para humanizar. Por isso, é mister formar docentes para desenvolver práticas pedagógicas relevantes em relação ao ensino da religião. O corpo docente precisa e pode tornar possível a aprendizagem numa perspectiva respeitosa, crítica e reflexiva em relação às diversidades brasileiras, mormente a religiosa.

A perspectiva da formação docente nos cursos de licenciatura para o ER – Ciências das Religiões – precisa abarcar toda a complexidade do fenômeno religioso, numa ótica multidisciplinar e multirreferencial, enquanto processo social que participa na edificação de subjetividades e expande os referenciais de mundo, formando sujeitos sociais livres e autônomos. O processo social acontece no ambiente escolar, contribuindo para o acesso dos sujeitos e para a interação dos referenciais de leitura do mundo e de relacionamento com esse mundo (BURNHAM, 1998, p. 37).

A formação docente para o ER, uma vez estruturada na lógica da complexidade e da multirreferencialidade, pode expressar a riqueza do fenômeno religioso e superar as fronteiras das abordagens fragmentárias e reducionistas. Com isso, a formação docente desponta como alternativa de acesso e articulação da pluralidade das referências e dos saberes que se manifestam na vida social e contextos formativos.

Trata-se de uma formação docente mais porosa quanto às várias referências de conhecimento, com vistas a construir uma sociedade mais humanizada. A formação docente para o ER é pertinente para uma melhor compreensão da realidade e do fenômeno religioso, uma vez que este último não poderá ser ensinado e aprendido como uma verdade universal e absoluta, possibilitando, assim, outras abordagens e interpretações mais inclusivas.

A função docente consiste, também, na diferenciação da perspectiva pedagógica reduzida à mera transmissão de conhecimentos. O docente precisa superar tal perspectiva e emergir como mediador e organizador de aprendizagens. A educação formal tem um papel relevante no desenvolvimento humano e da sociedade. Por este motivo, o docente deve organizar situações de aprendizagens, para contribuir no desenvolvimento integrado das habilidades dos alunos: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser (DELORS, 2010). Nas escolas, as práticas pedagógicas devem promover a socialização entre as diferentes perspectivas e expressões religiosas, em benefício de uma convivência harmoniosa e da alteridade.

Não seria inútil afirmar que a formação docente deve contemplar os cenários sociais contemporâneos atravessados pela diversidade cultural, étnica e religiosa. Para o ER, o corpo docente precisa lidar com a diversidade religiosa numa atitude de respeito e numa perspectiva não confessional/proselitista. É necessário aprender a plasmar-se com o universo de crenças e abandonar a perspectiva tecnicista.

A racionalidade técnica precisa ser superada, pois é desumanizadora e não integra a dimensão espiritual do ser humano. Na formação docente para o ER, é importante adotar uma postura intelectual crítico-reflexiva (PIMENTA, 2002), confluindo teoria, práxis e reconhecendo os professores sujeitos de sua formação. Depreende-se que isso ajudará com que as experiências com a diversidade religiosa sejam tomadas como referências no processo de construção do conhecimento.

A FUNÇÃO DOCENTE E O ER

A religiosidade é um elemento constituinte do ser humano, e ela pressupõe uma busca humana pelo sentido da vida. Entende-se que qualquer esforço de humanização sem religião seria a construção da tragédia humana e, certamente, tornaria o ser humano profundamente desumano. Esse aspecto confere relevância à presença do ER nas escolas públicas brasileiras, porque contribui para o resgate do humano em sua integridade, ampliando as possibilidades de se relacionar consigo mesmo, com as outras pessoas, com a natureza e com o transcendente. O ER é fundamental no contexto de uma sociedade individualista e caracterizada pela relativização dos valores essenciais do ser humano.

O Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER) define que o ER objetiva a ideia de uma educação plena e integral, envolvendo as diferentes dimensões do conhecimento, isto é: sensorial, intuitiva, afetiva, racional e religiosa (FONAPER, 2006). Essa definição insere a escola como lugar privilegiado da construção e socialização dos conhecimentos, porque “todo conhecimento humano é sempre patrimônio da humanidade, [com efeito] o conhecimento religioso deve também estar disponível a todos os que a ele queiram ter acesso” (FONAPER, 2006, p. 21).

Como um elemento da cultura, a religião torna necessária a introdução do ER nas escolas públicas brasileiras, especialmente pela magnitude e diversidade do patrimônio cultural brasileiro. No Brasil, o “substrato religioso presente […] é um dado significativo, de norte a sul” (FIGUEIREDO, 1995, p. 71). Além disso, por intermédio da religião, as pessoas procuram por respostas e acabam significando suas experiências de vida.

Para estabelecer uma proposta didático-pedagógica para o ER na educação nacional, é necessário considerar que a religião é um elemento cultural importante na formação dos alunos. A religião não pode ser reduzida à experiência de fé.

O ER, como área do conhecimento, ajuda na compreensão do pluralismo religioso e pode promover uma convivência harmoniosa face à diversidade religiosa. Contudo, ainda não há consenso acerca da presença do ER nas escolas públicas acerca do conteúdo e dos procedimentos didáticos-avaliativos. Os Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Religioso (PCNER), propostos pelo FONAPER, são os melhores referenciais para a formação docente, até o momento, embora não sejam documentos oficiais.

Os conteúdos programáticos propostos pelo FONAPER para abordagem do fenômeno religioso procuram responder às questões relativas à busca pelo sentido da vida. Nas diversas vertentes religiosas, costumam surgir explicações sobre ressurreição, reencarnação, ancestralidade, entre outros. Por isso, os PCNERs têm sido referência para “organização e seleção dos conteúdos e objetivos do Ensino Religioso” (FONAPER, 2006, p. 32).

A proposta é que a religião seja perscrutada como um fenômeno, dividindo-a nos seguintes eixos temáticos de conteúdos: Culturas e Religiões; Escrituras Sagradas, compreendidas como o conjunto dos textos considerados sagrados nas diferentes tradições religiosas; teologias; ritos; e ethos. O conteúdo desses cinco eixos temáticos é disponibilizado em quatro ciclos de formação – PCNER de ciclos. Essas etapas aludem aos níveis de faixa etária dos alunos (FONAPER, 2006).

Os eixos temáticos estão distribuídos assim: fenômeno religioso à luz da razão humana, que abarca “função e valores da tradição religiosa, relação entre tradição religiosa e ética, teodiceia, tradição religiosa natural e revelada, existência e destino do ser humano nas diferentes culturas” (FONAPER, 2006, p. 33); escrituras sagradas e/ou tradições orais, em que o transcendente se comunica pela revelação materializada em textos sagrados, fazendo “conhecer […] seus mistérios e sua vontade, dando origem às tradições. […] ligados ao ensino, à pregação, à exortação e aos estudos eruditos” (FONAPER, 2006, p. 34); teologias como “conjunto de afirmações e conhecimentos elaborados pela religião e repassados para os fiéis sobre o Transcendente, de um modo organizado ou sistematizado” (FONAPER, 2006, p. 36); diferenciação entre ritos e rituais, uma “série de práticas celebrativas das tradições religiosas, formando um conjunto de rituais, símbolos e espiritualidade” (FONAPER, 2006, p. 36); ethos como “a forma interior da moral humana em que se realiza o próprio sentido do ser” (FONAPER, 2006, p. 37).

Os cursos direcionados à formação docente para o ER devem ser compatíveis com a LDB e com a legislação complementar: estadual, municipal ou federal. As instituições responsáveis pela formação docente precisam observar os aspectos da LDB, tais como: a laicidade do Estado e a proibição de práticas proselitistas (BRASIL, 1996).

A formação docente pressupõe uma postura respeitosa, neutra e sensível em relação ao fenômeno religioso. O respeito à diversidade religiosa em relação à fé dos alunos não pode ser violado. Deve-se agir em prol da formação integral dos alunos, para subsidiá-los para que eles desenvolvam um relacionamento pleno consigo, com o outro, com o mundo e com o transcendente. Inseridos na sociedade, que é diversa nas crenças religiosas, os alunos podem estabelecer relações harmoniosas e concorrer ao bem comum.

A formação docente para o ER deve contextualizar a pós-modernidade, à luz das mudanças significativas que afetam as estruturas sociais e influenciam “na estruturação e desenvolvimento da vida humana, que toma como característica principal o sentido de urgência e banalidade do cotidiano” (MOSQUERA, 2005, p. 125). Ou seja, deve-se lembrar que os alunos estão inseridos numa realidade sociocultural marcada pelo pensamento pós-moderno. Os docentes de ER podem trabalhar com conteúdos variados que envolvem: ethos, alteridade, transcendente, valores e limites, verdades de fé etc., cujos conceitos foram alterados e influenciados pela secularização, globalização e pelo fenômeno do pluralismo religioso.

Portanto, a formação docente para o ER deve contemplar a complexidade e a diversidade brasileira, face às inúmeras expressões religiosas provenientes de tradições distintas. A religião, além de constituir o campo religioso brasileiro, engloba tradições religiosas orientais, africanas, asiáticas, indígenas etc., constituindo o patrimônio cultural nacional digno de preservação. É um cenário sincrético e plural, que desafia a formação docente para o ER, uma vez que não há lugar para perspectivas fundamentalistas, intolerantes e exclusivistas da religião. Os docentes de ER não podem desprezar o princípio da alteridade, mas devem demonstrar atitudes de acolhimento em relação às diferenças de pensar, agir e crer dos alunos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cada vez mais, exige-se uma melhor compreensão sobre a formação docente para o ER no Brasil. É preciso lançar novas luzes sobre ela, privilegiando o respeito e a sensibilidade em relação à diversidade humana e às expressões religiosas. Os pressupostos da racionalidade técnica na formação docente para o ER devem ser superados, abrindo espaço para uma formação mais humanizadora. A formação docente deve preparar profissionais para atuarem como intelectuais crítico-reflexivos, de modo que os professores despontem como protagonistas na construção do conhecimento pedagógico, a partir das experiências e dos saberes desenvolvidos na escola.

A formação docente para o ER precisa ser relevante e sólida. As Ciências das Religiões oferecem instrumentos e recursos para que os professores assumam uma postura didática, a fim de que sejam capazes de contextualizar as temáticas articuladas nas salas de aula à luz da realidade dos alunos. É necessário, desse modo, abordar os conteúdos que envolvem os aspectos ético-moral, científico, cultural, teológico e transcendente, de modo que as pessoas sejam reconhecidas em sua integralidade.

Depreende-se que a formação docente para o ER tornará o professor apto para traduzir, articular e confluir os conhecimentos científicos com as múltiplas experiências de fé dos alunos. Isso contribuirá no estabelecimento do diálogo e no respeito às diferentes expressões religiosas. Assim, será possível propor o conhecimento acerca da origem das vertentes religiosas, enriquecendo os conteúdos com as experiências discentes.

Diante do fenômeno contemporâneo do pluralismo religioso, é preciso discernir e equilibrar as relações com a religião e suas diversas manifestações. É importante mostrar-se aberto ao outro e evitar uma religiosidade excludente. É mister estimular um ambiente de convivência pacífica, tolerante, fraterna e respeitosa quanto à liberdade de pensamento e de crença dos seres humanos.

A docência no ER lida com a diversidade religiosa dos alunos. Por isso, mesmo com métodos e objetivos distintos, os professores de ER precisam proporcionar um ensino neutro e com respeito à diversidade religiosa. Mas, isso será possível somente com uma formação docente adequada, bem como com o devido reconhecimento que esses profissionais merecem.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. República do Brasil, Rio de Janeiro, 1891. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/
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BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Presidência da República, Brasília, 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em: 05 out. 2022.

BRASIL. Lei nº 9.475, de 22 de julho de 1997. Presidência da República, Brasília, 1997. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9475.htm. Acesso em: 05 out. 2022.

BURNHAM, Teresinha F. Complexidade, multirreferencialidade, subjetividade: três referências polêmicas para a compreensão do currículo escolar. In: BARBOSA, Joaquim G. (org.). Reflexões em torno da abordagem multireferencial. São Carlos: EdUFCar, 1998. p. 35-55.

CANÁRIO, Rui. O papel da prática profissional na formação inicial e contínua de professores. In: Congresso Brasileiro De Qualidade Na Educação Formação De Professores, n. 05, 2001. Anais… Brasília: MEC, 2001.

DELORS, Jacques. Educação um tesouro a descobrir: relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. 5ª Ed. São Paulo: Cortez, 2010.

FIGUEIREDO, Anisia P. O Ensino Religioso no Brasil: tendências, conquistas, perspectivas. Petrópolis: Vozes, 1995.

FÓRUM NACIONAL PERMAMENTE DO ENSINO RELIGIOSO – FONAPER. Parâmetros curriculares nacionais para o Ensino Religioso: PCNER. 8ª Ed. São Paulo: Ave Maria, 2006. 

GATTI, Bernadete A.; BARRETO, Elba S. S. Professores no Brasil: impasses e desafios. Brasília: UNESCO, 2009.

JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo. O Ensino Religioso: um componente do currículo da escola básica, São Paulo, 19 set. 2022. Disponível em: https://tribunapr.uol.com.br/noticias/
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MAGALHÃES, Justino. Os professores de novo pensados, em contexto de mudança. In: BEZERRA, Ada A. C.; NASCIMENTO, Marilene B. C. (orgs.). Educação e formação de professores: questões contemporâneas. Fortaleza: UFC, 2013. p. 103-115.

MORIN, Edgar. Por uma reforma do pensamento. In: PENA-VEJA, Alfredo; NASCIMENTO, Elimar. (orgs.).  O pensar complexo: Edgar Morin e a crise da modernidade. Rio de Janeiro: Garamond, 1999. p. 21-34.

MOSQUERA, Juan José Mouriño. Professores na pós-modernidade: reflexões sobre a cultura docente. In: BINZ, Jussara F.; BOCCHESE, Jocelyne. (orgs.). Ressignificando a prática do ensino de línguas: a valorização da docência. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2005.

MUÑOZ, Francisco. A formação dos professores e o desenvolvimento do currículo. In: SACRISTÁN, Jose Gimeno. (org.). Saberes e incertezas sobre o currículo. Porto Alegre: Penso, 2013. p. 494-507.

PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2002. p. 19-32.

TORRES, Mônica Moreira de Oliveira. Formação docente em pauta: tecnologias nos contextos formativos.  Salvador: Eduneb, 2012.

[1] Mestranda em Ciências das Religiões. ORCID: 0009-0005-0579-9506. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7845015918253893.

Enviado: 28 de Fevereiro, 2023.

Aprovado: 10 de Março, 2023.

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Andreia Soares Gonçalves

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