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Análise da violência doméstica e familiar e a religião

RC: 147256
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencia-da-religiao/domestica-e-familiar-e-a-religiao

CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

GUERRA, Kellen Margareth Peres Pamplona[1],

GUERRA, Kellen Margareth Peres Pamplona. Análise da violência doméstica e familiar e a religião. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 08, Vol. 01, pp. 147-160. Agosto de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/ciencia-da-religiao/domestica-e-familiar-e-a-religiao, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencia-da-religiao/domestica-e-familiar-e-a-religiao

RESUMO

Mesmo que a literatura enfatize a predominância de discursos autoritários e repressivos, as igrejas buscam atuar no desenvolvimento de ambientes e na manutenção da vida, colaborando até mesmo na organização de movimentos femininos e feministas. Dessa forma, é possível a elas suprimirem demandas fundamentais à vida de homens e mulheres, tais como alimentos, saúde, educação e lazer, visto que uma parcela significativa delas possuem cargos importantes ou mesmo possuem a propriedade de instituições de ensino, de saúde, atuam na organização de eventos, dispondo ainda de programas de assistência social. Este trabalho trouxe como objetivo geral analisar quais os impactos provocados pela religião nas relações em que predomina a violência doméstica e familiar. Para elaboração do trabalho foi feita uma revisão de literatura baseada principalmente em livros de diversos autores da área envolvendo a temática proposta. Para tanto foi realizado um levantamento de informações sobre o tema em revistas, artigos, documentários, relatórios, periódicos, entre outras fontes de dados.

Palavras-chave: Violência, Doméstica, Familiar, Igreja, Feministas.

1. INTRODUÇÃO

A violência doméstica se faz presente existente nas mais diversificadas dimensões do cotidiano da sociedade, se fazendo presente também em variados contextos religiosos do Brasil, ainda que minimamente debatida na literatura da área. A religião e a teologia cristã vivenciaram um relevante papel ao longo de toda a história, tanto na construção como na afirmação de sistemas patriarcais opressores, pautados na subjugação das mulheres e hierarquização dos gêneros.

Os discursos pautados na religião tendem a legitimar a dominação do sexo masculino, contribuindo para que sejam controladas as atitudes e comportamentos dos seres humanos. Tal cenário tende a contribuir para a elevação da violência doméstica. Frente a esse cenário levantou-se o seguinte questionamento: qual a influência da religião nos contextos que envolvem a violência doméstica e familiar?

Se sob determinado ângulo as religiões, enquanto instituições ou discursos, promovem operações como mecanismos opressores, em contrapartida é importante dar destaque à possibilidade de serem ocupados espaços de proteção social e individual em decorrência da não atuação do Estado.

Este trabalho trouxe como objetivo geral analisar quais os impactos provocados pela religião nas relações em que predomina a violência doméstica e familiar. Como objetivos específicos buscou-se compreender a luta das mulheres contra as diversas formas de opressão social, realizar uma análise sobre a violência contra mulher e suas consequências e verificar a violência doméstica e familiar no que tange à religião

Esta pesquisa se justifica pela influência de seu tema frente à sociedade. Dos diversos motivos que envolvem a violência contra mulheres pode ser realçada a religião ao atua no reforço de valores pautados na hierarquia dos papéis masculinos e femininos juntamente com a submissão feminina. Sua atuação, contudo, não se limita à contribuição para a perpetuação dos relacionamentos violentos, o que pode ser um obstáculo às denúncias em órgãos competentes, pois também possuem a capacidade de proporcionarem auxílio, uma maneira de tratamento dos resultados e sofrimentos psíquicos e físicos decorrentes do abuso. Tal cenário destaca como a religião é capaz de se constituir em paradoxo nas relações envolvendo a violência contra a mulher.

Para elaboração do trabalho foi feita uma revisão de literatura baseada principalmente em livros de diversos autores da área envolvendo a temática proposta. Para tanto foi realizado um levantamento de informações sobre o tema em revistas, artigos, documentários, relatórios, periódicos, entre outras fontes de dados.

2. A LUTA DAS MULHERES CONTRA AS DIVERSAS FORMAS DE OPRESSÃO SOCIAL

A opressão sexista continuou por séculos como um fenômeno universal sem evidências das reais razões pelas quais ela ocorre em diferentes contextos históricos e culturais. Por outro lado, a história das lutas das mulheres ao longo das décadas esteve intimamente relacionada com movimentos sociais, desenvolvimento contínuo e mudanças operativas nas sensibilidades sociais para problemas e reflexões causadas por práticas, que por sua vez levantam novas questões e convidam outros sujeitos a reverem seus paradigmas (CANDIOTA, 2020).

O feminismo ocorreu em meio a movimentos gerais que promoveram mudanças sociais. O movimento sufragista marca o período em que mulheres de todas as classes sociais participaram do movimento sufragista, lutando também pelos direitos das mulheres no local de trabalho. Defendia e lutava contra o fato de seu trabalho não ser tão valorizado quanto o dos homens porque recebiam muito menos do que os homens, além de desvantagens, como a jornada de trabalho (GOUGES; CARDOSO, 2020).

Em 8 de março de 1957, os trabalhadores têxteis de Nova York iniciaram uma greve exigindo jornada de 10 horas, salário igual ao dos homens e dignidade no ambiente de trabalho. Cerca de 130 mulheres foram trancadas na fábrica, elas foram incendiadas e todos os trabalhadores foram carbonizados até a morte. O sufrágio era uma demanda central das mulheres, no entanto, o movimento de libertação das mulheres foi além dos direitos oficialmente reconhecidos e expandiu a definição de direitos para incluir novas liberdades sexuais. Nasceu então o questionamento da moral religiosa e a culpa resultante, a luta contra a opressão, o questionamento da relação de poder entre homens e mulheres e o confronto com a dominação masculina (BERGÉS, 2022).

2.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O ADVENTO DA LEI 11.340/2006 (MARIA DA PENHA)

O princípio da dignidade da pessoa humana compreende não só os direitos individuais, mas também os direitos econômicos, sociais e culturais. Sarmento (2021) conceitua os direitos fundamentais como sendo os direitos relacionados a uma existência digna reconhecidos pela constituição, que impõem obrigações ao Estado de proteger o indivíduo ou a coletividade. Portanto, uma vez que os direitos fundamentais contêm “obrigações legais para com o Estado, eles são classificados como partes restritivas da constituição”. Assim, os direitos fundamentais fazem parte dos direitos humanos, que estão geralmente consagrados na ordem constitucional do país.

Portanto, é dever do Estado e da sociedade concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana, que é o fundamento mais importante de nossa constituição civil. Assim, não basta que o Estado se abstenha de violá-lo, mas também deve ser protegido contra o ataque de terceiros e promovido pela remoção de obstáculos à sua implementação e eficácia (BRASIL, 1988).

A violência doméstica contra a mulher é definida como qualquer conduta, ato ou omissão envolvendo discriminação, agressão ou coerção, simplesmente porque a vítima é uma mulher, e que resulta em dano, morte, confusão, contenção, violência física, sofrimento sexual, moral, psicológico, social, político, econômico ou perda de propriedade. Desta forma, a violência doméstica e familiar torna-se violência que ocorre com ou sem vínculo familiar, violência de pessoas que vivem sob o mesmo teto, que afeta os direitos das mulheres e a dignidade humana. A agressão é praticada em espaços domésticos onde as pessoas às vezes se encontram (GOUGES; CARDOSO, 2020).

A violência doméstica e familiar contra a mulher é um exemplo vivo de violação da dignidade humana e dos direitos fundamentais. Assim, se entendermos que a violência é uma violação dos direitos humanos, é possível perceber o quanto a violência é estruturada pela negação da dignidade humana do outro, ao mesmo tempo em que pela anulação da própria dignidade daquele que que se comporta com violência (GOUGES; CARDOSO, 2020).

O reconhecimento da violência contra a mulher como um problema social no Brasil gera um debate cuja lógica não se baseia somente em uma visão limitada de punir os agressores. Da mesma forma, o reconhecimento da violência contemplado nesta lei afirma, que a violência é um fenômeno sociocultural que pode ser modificado por meio de políticas públicas para prevenir novos crimes, proteger os direitos das mulheres e coibir diversas formas de violência (GOUGES; CARDOSO, 2020).

O caso Maria da Penha, o qual trouxe-nos ao advento da Lei 11.340/2006, é uma homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, uma farmacêutica bioquímica. Depois de esperar mais de 15 anos pelo julgamento definitivo do ex-marido, que foi condenado na Justiça do Ceará por tentar matá-la em seu apartamento, em 29 de maio de 1983 Maria da Penha recorreu à CIDH – Congresso Internacional de Direitos Humanos, por meio do sistema de petição individual.

Maria sofreu anos de violência, mas temendo por sua vida e de sua filha, não reagiu. Somente depois das várias tentativas de homicídio realizadas por seu marido que Maria da Penha decidiu denunciar estes ataques. Diante toda situação ocorrida, o Brasil permaneceu em silêncio após todas as indagações e cobranças da OEA e em 2001 foi responsabilizado internacionalmente por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres (PENHA, 2014).

Diante desse cenário houve a criação de uma legislação específica. Deste modo, em 7 de agosto de 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, com o objetivo de inibir, punir e erradicar toda e qualquer violência doméstica e familiar contra a mulher. Todas as formas de violência previstas na lei fazem deste, um marco histórico e uma conquista significante para todas as mulheres que há anos têm sido vítimas de todo tipo de violação de seus direitos. Contudo, apesar de todos os avanços refletidos no texto da lei, ainda se sabe que ela não é absolutamente efetiva, as mulheres vítimas de violência às vezes não denunciam o agressor porque temem por suas vidas ou têm vergonha de se revelar como vítimas.

3. UMA     ANÁLISE    SOBRE    A    VIOLÊNCIA   CONTRA    MULHER    E    SUAS CONSEQUÊNCIAS

No Brasil, pode-se afirmar que tanto a sociedade civil organizada quanto às iniciativas estatais de enfrentamento à violência contra a mulher passaram por diversas etapas. Em termos de lei e legislação, a aprovação da Lei Maria da Penha em 2006 foi um marco no combate à violência doméstica contra a mulher no Brasil. Mudando suas ferramentas, para processar e punir agressores, o que desqualifica as organizações do Juizado Especial Criminal (JECRIM) por praticarem crimes menos ofensivos. Condenada por violência física, a mulher também não pode mais cancelar o registro na delegacia, porque a renúncia à representação passou a ser aceita apenas em audiência marcada para o juiz (BBC, 2019).

Preocupado com a eficácia da lei Maria da Penha, o legislador criou mecanismos de assistência social às vítimas de agressões, além de proteção e primeiros socorros. A lei fornece diretrizes específicas para uma política pública abrangente de combate à violência. No relatório sobre a aplicação da Lei 11.340/06, os desembargadores apresentaram os resultados de um estudo realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que incluiu informações sobre a estrutura das pessoas jurídicas competentes para lidar com a violência contra a mulher (BRASIL, 2006).

Becker (2019) declara que muitas mulheres permanecem em silêncio, não ousando enfrentar ou sair de uma situação de risco. Muitos conseguem se mobilizar contra a situação em que sofrem, apenas quando há agressão, ameaça à sua vida ou ameaça à vida de seus filhos. Darby (2022) entende que existe um padrão entre as mulheres em situação de violência doméstica. Para ele, o ciclo de violência pode ser constatado em três etapas: a) Construção da Tensão: onde é iniciado com pequenos incidentes, considerados aceitos; b) Ataque violento: O ofensor agride fisicamente e psicologicamente a vítima, perde o controle e as agressões são intensificadas. c) Lua de mel: é a fase em que o casal reconstrói o relacionamento abalado pelas agressões e o ofensor demonstra arrependimento, cobre a vítima de carinhos, dá atenção e promete mudança afirmando a esta que essa situação não mais se repetirá (DARBY, 2022).

Muitas mulheres não julgam o agressor porque foram levadas a acreditar que não são capazes de cuidar da casa e dos filhos, e o agressor destrói a autoestima da mulher a ponto de ela se submeter à sua vontade. No entanto, como forma de domínio sobre a vítima, tende a isolá-la do mundo exterior, distanciando-a da família, amigos ou qualquer outra pessoa a quem possa buscar ajuda. Vale ressaltar que o agressor costuma ser charmoso e respeitado socialmente, enquanto quando ocorre a agressão, ele justifica o descontrole culpabilizando a vítima, por isso muitas vezes fica acreditando que é o culpado (BARAGATTI , 2018).

Na maioria dos casos, quando ocorre a agressão, há remorso, o agressor pede perdão, grita e promete nunca mais repetir a ofensa, justificando seus atos como prova de amor. A rotina volta ao normal até que aconteça a próxima crise e o ciclo continua. Segundo Camargo (2021), a ferida pode sarar, os ossos quebrados se recuperarem, o sangue vir a secar, mas a perda da autoestima, a depressão e o sentimento de inferioridade são feridas que não cicatrizam.

Segundo Hannah et al. (2023), mulheres agredidas constantemente procuram atendimento de saúde por problemas físicos ou mentais, mas muitas vezes os profissionais não conseguem identificar a verdadeira causa da lesão. Relativamente às consequências psicológicas da violência familiar e doméstica vivida, verificou-se um grande número de casos em que as vítimas referiram tristeza, menos vontade de fazer suas obrigações diárias, vontade de chorar com mais frequência, algumas até começam a beber ou bebem mais bebidas alcoólicas do que o normal.

Além de consequências psicológicas, várias mulheres sofrem também com a violência física, que pode deixar marcas visíveis no corpo da vítima. A expressão física da violência pode ser intensa e contínua, como bater, arranhar, puxar cabelos, arremessar objetos, chutar, socar, espremer, deixar traumas como ossos quebrados, ferimentos graves, feridas, traumas e muito mais.

O cristianismo, embora não tenha introduzido a subordinação da mulher ao homem, conservou o patriarcado que existia no seu início. Portanto, é inegável que a religião tem contribuído para a legitimação e assimilação do modelo familiar tradicional e dos papéis atribuídos a homens e mulheres. Os números aparentes apresentados por órgãos que atendem e acolhem mulheres em situação de violência mostram o quão alarmante é a participação das doutrinas religiosas nas estatísticas (CHIAVENATO, 2021).

A violência doméstica e familiar contra a mulher pode se apresentar de várias formas. Para Aquino (2018), as mulheres enfrentam, desde os tempos remotos, diversas formas de violências, tais como: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Sabe-se que a Lei nº 11.340/2006 (Maria da Penha), criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. O artigo 7ª da lei em questão faz menção aos tipos de violência doméstica e familiar que podem ser praticadas contra a mulher, sendo estas a violência física, violência psicológica, violência sexual, violência patrimonial e a violência moral (BRASIL 2006).

4. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR E A RELIGIÃO

Muitas mulheres lutam para entender os relacionamentos abusivos que sofrem por meio da fé. Eles tentam entender o motivo de seu sofrimento e de permanecerem em um relacionamento abusivo. Eles buscam respostas na religião para as mudanças no parceiro de que uma vez jurou amá-lo e respeitá-lo, mas agora o ataca violenta e sistematicamente. Muitas vezes, esta busca pode ser feita por meio da oração ou do diálogo com Deus. Em muitos casos, o aconselhamento religioso os direciona para a história do sacrifício de Jesus na cruz. Assim, através do sofrimento de Jesus cria-se uma espécie de conformidade com a situação de violência, porque não há sofrimento maior (VEIGA, 2020).

Os valores religiosos ensinados às mulheres têm grande influência a nível simbólico e subjetivo. A inferioridade da mulher mediada por discursos religiosos é uma forma de violência simbólica expressa por meio de performances sociais. Esse tipo de violência está tão arraigado na sociedade que muitas mulheres nem entendem o que está acontecendo (PIERRE, 2019).

Á vista disso, quando vemos o ensinamento religioso de que a mulher deve ser obediente, passiva e submissa, entendemos que de alguma forma contribui para o surgimento e disseminação de diversas formas de violência contra ela. Discursos religiosos, textos sagrados e suas várias interpretações, discriminações sexistas contra as mulheres na igreja, como caça às bruxas, discriminação biológica, negligência em casamentos violentos, têm contribuído para a discriminação da sociedade e da cultura contra as mulheres. “Igreja é um lugar para formar e influenciar pessoas que começam a funcionar socialmente” (VEIGA, 2020).

Enquanto a teologia tradicional considera que inclui a pessoa como um todo, ela deixa as mulheres de fora porque não aborda adequadamente as questões básicas que permeiam suas vidas, como a violência doméstica e sexual. “As mulheres não são respeitadas porque a teologia tradicional não reflete o sofrimento das mulheres. Pelo contrário, as mulheres assumem a culpa por trazer o pecado ao mundo”. A vida e a condição social da mulher hoje não são as mesmas de dez anos atrás, muito menos do que eram durante os séculos (HANNAH et al., 2023).

O discurso religioso, por outro lado, nunca acompanhou essa mudança nos paradigmas das mulheres. “É uma mistificação religiosa e cultural da mulher, da feminilidade, da mãe, da virgem, um culto da feminilidade sagrada e divinizada.” Em relação à família, o discurso religioso prega que ela é sagrada, inviolável e, portanto, não pode ser questionada em termos de estrutura, hierarquia e até relações violentas (CAMARGO, 2021).

A violência torna-se institucionalizada, amparada por uma moral conservadora. Em muitas situações, as mulheres vítimas de violência pedem a Deus que as livre desse sofrimento, buscam na religião o apoio não só para o casamento, mas também para o divórcio, quando o ciclo de violência se torna insuportável. No entanto, é importante entender que simplesmente acreditar em Deus não é suficiente. Você tem que confiar que Deus também acredita em nós (BECKER, 2019).

As mulheres que vivenciam situações de violência costumam ter a autoestima tão fragilizada que têm tempo para perceber seus pontos fortes. Pouco a pouco recuperam a dignidade humana que lhes foi roubada e descobrem que são mulheres criadas por Deus para a felicidade, a solidariedade e uma vida plena. E aí você tem a liberdade de cultivar o amor próprio acima de tudo (BARAGATTI, 2018).

As soluções utilizadas pelas Igrejas não estão fazendo diferença no alto índice de violência doméstica e familiar, contra mulheres declaradas religiosas. Portanto, as estratégias utilizadas pelas igrejas devem ser diferentes, os sofrimentos dessas mulheres não podem ser justificados pelas teorias bíblicas sobre a volta de Jesus. Todo esse mal como fruto de má ação ou toda esperança na dimensão escatológica não reflete ações positivas contra a erradicação de qualquer violência (BARAGATTI, 2018).

A fé cristã influenciou significativamente a formação do modelo familiar e a definição dos papéis de marido e mulher. A família foi um dos meios mais importantes de transmissão dos valores religiosos, pois costuma ser o primeiro lugar onde uma pessoa está em contato com o mundo, ambiente onde se cria o contexto moral básico para a socialização de seus valores. É importante observar que a religião não apenas incentiva a submissão à violência sofrida, pois é comum entre as vítimas ouvir: “Tudo está nas mãos de Deus”, o que em suma não é apenas uma influência, mas uma profunda fé e devoção. Trata-se de corpos com cicatrizes, hematomas e tantos outros problemas de saúde de um cotidiano violento, sempre à margem da humanidade (VEIGA, 2020).

As mulheres que vivem em situação de violência enfrentam muitos desafios, costumam ter a autoestima tão fragilizada que não têm tempo de perceber seus pontos fortes. Com o apoio da família, igreja, líderes, pouco a pouco recuperam a dignidade humana que lhes foi roubada e descobrem que são mulheres criadas por Deus para a felicidade, a solidariedade e uma vida plena. E aí tem a liberdade de cultivar o amor próprio acima de tudo. Geralmente, nesse tipo de situação a igreja influencia a mulher a deixar o problema nas mãos de Deus, passando esta então a esperar por um “milagre” e ver o que Deus fará (CHIAVENATO, 2021).

Nota-se que alguns casos, os ex’s ou até mesmo atuais parceiros usam os papéis tradicionalmente impostos pela sociedade patriarcal onde as mulheres são a própria justificativa para serem agredidas. Ainda existe muita pressão exercida por familiares, amigos e pela igreja para a preservação do matrimônio, o que acaba por acarretar a preservação de um relacionamento violento. Assim, na tentativa de conservação deste relacionamento, ir em busca da fé e das práticas religiosas também são uma das alternativas que as mulheres procuram para lidar com a violência antes de ter a atitude de denunciar o agressor (BARAGATTI, 2018).

É justamente na construção dessa lógica do papel familiar que podemos observar os motivos que aparentemente provocam a violência e que muitas vezes são identificados na mediação de conflitos domésticos e familiares, quando as mulheres são as responsáveis por promover a reconciliação. Portanto, cabe a cada um praticar a sua fé de forma consciente e questionadora, para não voltar a ser vítima de ideias ultrapassadas, que exaltam um gênero em detrimento do outro e promovem a perpetuação da violência doméstica contra a mulher (DARBY, 2022).

5. CONCLUSÃO

A partir do estudo realizado para o desenvolvimento deste trabalho, concluiu-se que a violência contra a mulher possui características sistêmicas que evidenciam uma certa lógica de poder masculino, que inclui um conjunto de crenças que se fortalece a cada dia, que perpetua a supremacia da violência dos homens sobre mulheres, usando tradições relacionadas à cultura, política e religião. Assim, entende-se que a violência contra a mulher é uma violência que se “aprende” nos processos primários de socialização, passando para a esfera social nos contextos secundários da socialização e da vida adulta.

O estudo permitiu uma análise da dimensão que a violência de gênero tem tomado ao longo dos anos. Mesmo diante do mais recente desenvolvimento social, evoluções tecnológicas e todos os avanços realizados no que se refere a violência contra mulher, ainda é presente em vários contextos sociais. Segundo Candiota (2020), essa busca constante rendeu algo notável. No entanto, ainda existem lacunas na proteção de tais direitos, pois essa discussão se faz necessária, visto que os direitos até aqui conquistados têm sido violados, o que gera novas demandas a cada dia.

A vigência da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) foi um marco importante no combate à violência doméstica no país. É uma das diretrizes mais avançadas no que diz respeito à proteção da mulher. Em conexão com os diferentes contextos de violência, a lei versa sobre um amplo sistema de proteção e assistência às mulheres vítimas de violência.

Contudo, o estudo também possibilitou a compreensão de quão o papel da religião é relevante diante do enfrentamento da violência de gênero. Dentre os diversos fatores que ocasionam a violência contra a mulher, encontra-se a religião, reforçando os valores hierárquicos dos papéis masculino e feminino e a submissão das mulheres. Além de contribuir para a conservação do relacionamento abusivo, pode atuar como barreira à denúncia às autoridades competentes. Mas também pode ser uma ferramenta, uma forma de lidar com as consequências do abuso e do sofrimento mental e físico. Dessa forma, analisa como a religião pode formar um paradoxo em relação à violência contra mulher.

REFERÊNCIAS

AQUINO, E. A realidade da violência contra mulher. Redomas, 2018. Disponível em: <http://projetoredomas.com/a-realidade-da-violencia-contra-mulher/>. Acesso em: 11 fev. 2023.

BARAGATTI, D. Y. Caminhos de Mulheres em Situação de Violência na Busca por Serviço de Apoio. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Universidade Estadual de Campinas, 2018.

BBC. Violência contra a mulher: novos dados mostram que ‘não há lugar seguro no Brasil’. BBC News, 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47365503>. Acesso em: 11 de fev. 2023.

BECKER, Palmer. Princípios essenciais anabatistas: dez marcas de uma fé cristã singular. Curitiba: Esperança, 2019.

BERGÉS, S. Olympe de Gouges. Editora Cambridge University Press; New edição. Jul. 2022.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. 1 p. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 22 fev. 20223.

BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 22 fev. 2023.

CAMARGO. Marilia. O grito de Eva. eBook Kindle. Editora Thomas Nelson Brasil; 1ª edição. São Paulo, 2021.

CANDIOTA, Felipe. Paixão e Violência: A violência contra a mulher. eBook Kindle. In Media Res Editora, Rio de Janeiro, 2020.

CHIAVENATO, Junior. A Bastarda de Deus: a Bíblia e a Cultura da Violência Contra a Mulher. Editora Noir, 2021.

DARBY. A. Strickland. Desmascarando o abuso: Um guia bíblico para ajudar as vítimas. Editora Fiel, 2022.

GOUGES, O.; CARDOSO, L. M. Avante, Mulheres! Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã e outros textos. Edipro; 1ª edição. Campinas, 2020.

HANNAH, F. et.al. Refúgio bem presente: Um guia sobre combate à violência doméstica para lideranças eclesiásticas. Editora Thomas Nelson Brasil; 1ª edição. São Paulo, 2023.

PENHA, Maria da. Sobrevivi… posso contar. 2. ed. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2014.

PIERRE, Bourdieu; MARIA, Helena Kuhner. A dominação masculina. Editora Bertrand Brasil, 19ª edição. São Paulo, SP, 2019.

SARMENTO, Daniel. Dignidade da Pessoa Humana: Conteúdo, trajetórias e metodologia. Editora Fórum; 3ª edição, São Paulo, 2021.

VEIGA, Fernanda. Anota, vai que esquece: Como sobrevivi ao abuso espiritual na igreja evangélica. eBook Kindle. Aljava Editora. São Paulo, 2020.

[1] Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Faculdade Unida de Vitória, Especialista em Direito Penal e em Direito Processual Penal, Pós-graduada em Gestão de Pessoas, em Educação a Distância, em Docência do Ensino Superior, Direitos do Consumidor Aplicados á Educação e Doutoranda pela Faculdade Unida de Vitória. ORCID: 0000-0002-8885-6545. Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/2122826675027075.

Enviado: 2 de março, 2023.

Aprovado: 22 de junho, 2023.

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Kellen Margareth Peres Pamplona Guerra

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