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Neuroarquitetura: como o ambiente construído influencia o cérebro humano

RC: 146646
4.333
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/arquitetura/neuroarquitetura

CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

SANTOS, Viviane Cristina Marques dos [1]

SANTOS, Viviane Cristina Marques dos. Neuroarquitetura: como o ambiente construído influencia o cérebro humano. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 07, Vol. 03, pp. 96-113. Julho de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/arquitetura/neuroarquitetura, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/arquitetura/neuroarquitetura

RESUMO

A neurociência aplicada na arquitetura surge para compreender como o ambiente influencia o cérebro e o comportamento humano. Essa disciplina tem a finalidade de melhorar a qualidade dos espaços para as pessoas, como por exemplo, melhorar a produtividade em ambientes de trabalho, aumentar a concentração e capacidade de aprendizagem dos alunos, ao até mesmo melhorar a saúde e bem-estar aos usuários. A justificativa desse estudo ocorre pelo fato que, os seres humanos passam mais de 87% tempos em ambientes fechados, não somente pela necessidade de trabalhar e estudar, mas também pelo estilo de vida moderno que proporciona-os realizar outras atividades em ambientes internos. Visto que, as pessoas passam uma quantidade de tempo significativo em espaços fechados, a neuroarquitetura busca projetar ambientes mais saudáveis e que proporcione experiências positivas aos usuários. Esse estudo tem como objetivo discutir a importância e estratégias da neuroarquitetura, e apresentar experiências sensoriais humanas em ambientes construídos. Para o desenvolvimento desse trabalho foi utilizado a revisão bibliográfica como metodologia. Conclui-se que a neuroarquitetura é uma abordagem promissora para criar ambientes que melhoram a produtividade, o bem-estar, saúde e o desempenho cognitivo, uma vez que, os edifícios não acolhem somente o corpo humano, mas também as memórias, desejos, e estado subconsciente do cérebro humano. Desta maneira, a arquitetura transforma-se em um principal elemento capaz de modificar nossas emoções, pensamentos, tomadas de decisões, estado fisiológico e saúde de forma inconsciente.

Palavras-chave: Neuroarquitetura, Experiência sensoriais na arquitetura, Espaços saudáveis em ambientes construídos.

1. INTRODUÇÃO

A neuroarquitetura refere-se ao estudo interdisciplinar em que vincula as áreas de neurociência, psicologia e arquitetura, com o propósito de aprimorar espaços construídos para gerar efeitos positivos sobre a saúde física e mental do ser humano. Essa linha de pesquisa é importante, pois as pessoas passam mais de 87% do seu tempo em ambientes fechados, e talvez esses espaços não são apropriados para elas (FAJARDO, 2018).

A neurociência pode mapear o cérebro para entender como, quando, e o porquê é estimulado. Nesse sentido, a neuroarquitetura traz estratégias de projeto para estimular a criatividade, produtividade, bem-estar, recuperações mais aceleradas, efeito colaborativo etc. Alguns dessas estratégias podem incluir o uso de cores, altura do pé direito, iluminação natural, formas arquitetônicas, texturas, o uso de materiais naturais e a disposição dos móveis e objetos (SOLÍS; HERRERA, 2017; PAIVA; JEDON, 2019; SHAABAN, KAMEL, KHODEIR, 2023).

De acordo com a pesquisa de Kellert e Calabrese (2015), o uso de cores mais claras e suaves pode proporcionar um ambiente mais tranquilo e calmo. Além disso, o uso de luz natural pode melhorar o humor e aumentar a produtividade. A disposição dos móveis e objetos também pode influenciar na interação social e colaboração entre as pessoas no espaço (DÜZENLİ; EREN, AKYOL, 2017; CHO; KIM, 2018). Esses são apenas alguns exemplos de estratégias de projeto que a neuroarquitetura utiliza para alcançar seus objetivos.

O ambiente construído é percebido inicialmente através das emoções, um sistema instintivo e eficiente que julga o que é bom ou ruim, seguro ou perigoso, para se manter vivo. O cérebro humano pode fazer distinções sobre os materiais, relações espaciais, proporções, escala, conforto etc. de forma instantânea (MINISTERIO DE DISEÑO, 2020). Paiva e Jedon (2019), afirma que os indivíduos em uma sala quente, por exemplo, podem suar, sentir-se desconfortável, incapacitando-os de concentrar-se. Outro exemplo, seriam os sentimentos de medo, ansiedade e alerta que podem ser gerados em ambientes escuros e desconhecidos. Portanto, de algum nível, o espaço sempre afeta os usuários, mantendo ativa a interação entre ambiente e pessoa (EBERHARD, 2009; PAIVA; JEDON, 2019).

Essa interação, entre ambiente e pessoa, pode acontecer sem que percebamos, pelo fato de algumas sensações são captadas de forma inconsciente pelo cérebro (EBERHARD, 2009). Pode resultar em mudanças no estado fisiológico como, alterações dos níveis hormonais, frequência cardíaca, condutância da pele, pressão arterial, temperatura corporal e tensão muscular. Podem ainda modificar o estado emocional, o comportamento, as tomadas de decisões e a saúde mental (PAIVA, 2018; PAIVA; EDON, 2019; KHALEGHIMOGHADDAM, et al., 2022). Conforme afirma Villarouco et. al (2021, p.20) “o ambiente fornece estímulos constantemente – de maior ou menor intensidade, que são captados pelo corpo como sensações para que a mente as processe, gerando percepções e consciência, o que pode desencadear uma resposta comportamental”.

Em outras palavras, as características do ambiente causam reações fisiológicas que podem ampliar ou reduzir a capacidade mental para realizar uma determinada tarefa. Portanto, é necessário criar espaços que possam estimular o ser humano melhorar seu desempenho. Com a neuroarquitetura é possível projetar ambientes que geram mais produtividade, bem-estar, e recuperação mais acelerada de pacientes em caso de ambientes hospitalares. Pode-se produzir ambientes agradáveis ​​e confortáveis para o corpo, e saudáveis ​​e estimulantes para o cérebro (EBERHARD, 2009, PAIVA; JEDON, 2019).

A Academy of Neroscience For Architecture (ANFA), é uma organização de pesquisa criada de forma interdisciplinar focada em compreender como o cérebro humano age em um determinado ambiente. No ANFA, investiga-se como o ambiente construído afeta a estrutura e o funcionamento do cérebro, como o cérebro interpreta tal informações, e reconstrói o espaço (LEI XIA, 2020). Villarouco et al. (2021) determina que o conceito de espaço é uma “[…] organização tridimensional, que é vista e sentida, logo, experienciada a partir do tempo. Entender as experiências no espaço equivale a compreender as operações mentais realizadas nesse processo […]” (VILLAROUCO et al., 2021, p.151).

Desta maneira, para neuroarquitetura entende-se existe dois pontos essenciais; primeiro que um espaço modifica o estado mental do usuário, devido o contato direto entre ser-humano e o ambiente construído, podendo influenciar no resultando final das atividades que estão sendo desenvolvidas. E segundo, que o ser humano é capaz de criar diferentes percepções em um mesmo ambiente, devido suas crenças, culturas, genética, memórias, experiencias pessoais, frequência e duração da exposição ao meio ambiente físico. Essas variáveis vivenciadas anteriormente são fundamentais para determinar quais serão as respostas emocionais ao entorno (PAIVA, 2018; PAIVA; JEDON, 2019).

Em outras palavras, “concluiu-se que o senso de lugar do indivíduo também pode ser influenciado pelas memorias formadas em experiências anteriores, seja uma no mesmo local ou em um espaço semelhante” (VILLAROUCO et al., 2021, p.145). Deste modo, utilizar a neurociência aplicada na arquitetura proporciona novas possibilidades para a concepção do projeto arquitetônico, mas também surgem novos desafios de inserir soluções projetuais para pessoas com diferentes desejos e memórias que habitarem o mesmo ambiente (VILLAROUCO et al., 2021).

De forma geral, a neuroarquitetura aplica os conhecimentos da neurociência à arquitetura para entender os efeitos que o ambiente produz no cérebro humano e aprimorar os espaços construídos com o propósito de promover saúde, bem-estar e produtividade aos usuários (VILLAROUCO et al., 2021).

2. NEUROARQUITETURA COMO CONCEITO DE PROJETO

Utilizar a neuroarquitetura como conceito de projeto tem como proposito criar ambientes que contribua para o desenvolvimento das pessoas em termos de comportamento e bem-estar.  O cérebro dos seres humanos é biologicamente atraído pela natureza, portanto o ambiente natural auxilia na criação de ambientes construídos que possam desenvolver a produtividade, saúde e bem-estar para as pessoas (DÜZENLİ; EREN, AKYOL, 2017; KELLERT; CALABRESE, 2015; SHAABAN; KAMEL; KHODEIR, 2023).

Exemplos como ventilação e iluminação natural, a disposição dos mobiliários, variação de altura do pé, cores e formas arquitetônicas (PAIVA; JEDON, 2019; SHAABAN, KAMEL, KHODEIR, 2023). Outros elementos que pode influenciar o comportamento e bem-estar são aqueles que ativa os sentidos sensoriais como o tato pelas texturas dos mobiliários e paredes. A audição que pode ser estimulado por animais domésticos pequenos como pássaros; o contato com a vida animal deve incluir para criar conexão com a natureza. O paladar e olfato pode ser estimulado pelos frutos de plantas no interior do edifício. E a visão, inserindo elementos naturais como aquários, fontes com água e espaços verdes (KELLERT; CALABRESE, 2015).

A natureza no ambiente construído pode contribuir para o conforto, satisfação, prazer e desempenho cognitivo. A aplicação de plantas e vegetações em edifícios devem ser abundantes, caso contrário exercerá pouco impacto a percepção do cérebro humano (KELLERT; CALABRESE, 2015). A exposição à curto prazo, à natureza, pode diminuir os níveis de estresse, pressão arterial, ansiedade e tensão muscular, assim como à exposição de longo prazo pode ajudar no sistema imunológico, diminui o risco de doenças crônicas, como obesidade e diabetes e melhora o desempenho cognitivo (PAIVA; JEDON, 2019), e são capazes de estimulam a memória (CHO; KIM, 2018).

A iluminação natural para o ambiente construído também afetará a retenção de memória. Pesquisas mostram que, em salas de aula que apresentam grandes aberturas para a entrada de iluminação natural, foram encontrados maiores níveis de atenção e melhor aprendizado (EBERHARD, 2009). Além disso, estudos de Boubekri et al. (2014) demonstram que, exposto a iluminação natural pode melhorar a qualidade do sono e apresenta menor problemas físicos e mentais.

A luz do sol pode ser atribuída pelas janelas amplas, iluminação zenital, áreas externas, claraboias, vistas para o exterior, janelas operáveis, varandas, decks, varandas, jardins, paredes de vidro e clerestórios, entre outros (KELLERT, 2012; HUIBERTS, 2015; PAIVA, 2021;).  Kellert e Calabrese (2015) afirmam que a mudança da luz durante o dia pode ser alcançada através do contraste entre luz e sombra, esse movimento da luz, muitas vezes movem a emoções das pessoas (KELLERT; CALABRESE, 2015).

Outro elemento importante para criar emoções na arquitetura é a textura, pelo seu efeito visual e principalmente a possibilidade de palpar (ROTH; CLAR, 2018). O sentido do tato desempenha uma função relevante nas percepções, pois promove a ação de gerar e modificar as sensações. As texturas e emoções estão associadas e podem ser mensuradas a partir da temperatura, suavidade, rugosidade e no prazer que proporcionam ao indivíduo (IOSIFYAN; KOROLKOVA, 2019). A textura pode ser atribuída por materiais naturais com a madeira, pedras naturais, bambu, palha e argila, que trazem texturas e cores que remetem à natureza (KELLERT; HEERWAGEN; MADOR, 2008).

Já a altura do pé direito, influenciará na “navegação espacial” e consequentemente afetará os níveis de concentração do usuário. Por exemplo, os tetos altos são adequados em ambientes para desenvolver atividades criativas, pois a altura elevada projeta uma sensação de liberdade e permitem que o cérebro “explore” livremente o ambiente, promovendo a criatividade e comportamentos espontâneos. Por outro lado, os tetos baixos favorecem aos trabalhos que requererem maior concentração e repetição, devido a esses espaços apresentarem limitações espaciais para o cérebro, proporcionado maior concentração ao indivíduo. Ambas as alturas do pé direito afetam o cérebro de forma inconsciente (FERNÁNDEZ, 2019; SHAABAN, KAMEL, KHODEIR, 2023).

Já as cores, na psicologia, estão relacionadas aos estímulos sensoriais independentemente dos aspectos culturais (RODRIGUES, 2022 apud KURT; OSUEKE, 2014). De forma geral, as cores mais influentes são vermelho, verde, amarelo e azul. As cores podem influenciar e condicionar o humor humano e respostas fisiológicas. Por essa razão, é essencial estudar o efeito das diferentes tonalidades, saturação e luminosidade no nosso cérebro e utilizá-las da forma eficiente (FERNÁNDEZ, 2019).

Os tons próximos da natureza (verde, azul, amarelo) reduzem o estresse e estimula a sensação de conforto (FERNÁNDEZ, 2019). Em contrapartida, indivíduos expostos à cor vermelha podem-se alterar o estado fisiológico, como o aumento da tensão muscular, liberação de adrenalina, aumento do metabolismo e batimentos cardíacos, como também o aumento das atividades gástrica (ROTH; CLAR, 2018). O uso de cores vivas deve ser aplicado com cautela, moderar as cores artificiais, especialmente brilhantes, e enfatizar tons da natureza como flores, pôr do sol, arco-íris, plantas e animais. O uso de cores naturais, cria conexões entre o ambiente construído e a natureza (ULRICH, 1993; KELLERT; CALABRESE, 2015; DÜZENLİ; EREN, AKYOL, 2017).

As formas arquitetônicas também apresentam impacto no cérebro humano. Os espaços quadrados podem transmitir sentimentos de angústia, visto que, o cérebro entende que está em um espaço fechado. Os ângulos pontiagudos, em volumetrias arquitetônicas por exemplo, podem apresentam o sentimento de perigo, pois instintivamente sentimos ameaçados com objetos pontiagudos (LEI XIA, 2020), podendo gerar estresse e ansiedade aos usuários (FERNÁNDEZ, 2019). Enquanto, o uso de curvas ou contornos suaves transmite sensação de segurança, conforto, pois são mais parecidas com as formas de meio ambiente (KELLERT; CALABRESE, 2015). Portanto, mesclar geometrias curvas geram sensações de dinamismo, tornando o espaço menos estático, e cria ambientes como a própria natureza, em constante mudanças (LEI XIA, 2020; SHAABAN, KAMEL, KHODEIR, 2023).

Os sentidos do olfato e da audição são ferramentas importante para o projeto. Associa-se o sentido do olfato existem certos aromas que, traz à mente, memórias e ou experiencias passadas juntamente com a emoção e sentimentos. Portanto, o olor é um instrumento eficiente para estimular a memória dos usuários. Por outro lado, o ruído, percebido pelo sentido da audição, pode diminuir a eficiência dos espaços e aumentar o estresse e a insatisfação em um ambiente. Isso porque certos “barulhos” geram distrações aos indivíduos. O estresse causado pelo ruído pode potencializar a liberação do hormônio cortisol, e o excesso desse hormônio pode gerar irritabilidade, alterações de humor, fadiga, entre outros (LEI XIA, 2020; SALVADOR, 2021).

3. EXPERIENCIAS SENSORIAIS HUMANAS EM AMBIENTES CONSTRUÍDOS

As experiencias sensoriais em ambientes construídos podem ser criadas através de espaços verdes, tendo como exemplo os jardins. Os espaços verdes desempenham efeitos positivos na saúde física e mental dos usuários e apresentam também propriedades curativas e restauradoras. A vegetação pode estimular nossos sentidos sensoriais de diferentes maneiras como o paladar, olfato, visão, tato e audição. São experiências multissensoriais como cheirar flores, saborear frutas e tocar plantas, que intensificam a eficiência de jardins. Assim, os jardins tornam-se importantes estruturas para o convívio social (ROEHR; BAILEY, 2020).

O governo de Singapura criou o conceito “cidade na natureza”, para que as pessoas possam conviver com outros seres vivos. O conceito visa implementar jardins nas cidades e nos interiores dos edifícios. Essas áreas possibilitam habitar natural para outros seres vivos em um contexto urbano denso, além disso reduz do ruído urbano e incentiva a prática de atividades físicas e a sociais (JOSON, 2022). Na figura 1, observa-se a imagem aérea do edifício em Singapura que apresenta o conceito “cidade na natureza”, nota-se a possibilidade de conviver em uma área urbana conectada à natureza.

Figura 1- Espaços verdes urbanos em Singapura- Vista aérea

Fonte: JOSON, 2022.

Os espaços verdes na arquitetura podem ser atribuídos pelo design biofílico, que varia a tipologia da vegetação, as formas e padrões fractais, quantidade de informações visuais, complexidade e cores, para aprimorar a qualidade do ambiente construído (PAIVA, 2021). A biofilia é um conceito que surgiu na década de 80 e foi introduzido pelo biólogo Edward O. Wilson. Segundo Wilson (1984, p. 3), a biofilia é a “tendência inata do ser humano de se conectar com a natureza e outros seres vivos”.

Em outras palavras, com a biofilia conectar as pessoas com a natureza, a qual está profundamente enraizada em nossa psique (DÜZENLİ; EREN, AKYOL, 2017). Isso porque os seres humanos têm uma atratividade biológica com o ambiente natural (ULRICH, 1993; BOUBEKRI et al., 2014; DÜZENLİ; EREN, AKYOL, 2017). Na figura 2, observa-se o exemplo de design biofílico em um ambiente interno.

Figura 2 – Design Biofílico

Fonte: Baldwin, 2020.

A iluminação natural também proporciona experiencias sensoriais nos seres humanos, isso porque a luz do sol pode proporcionar uma conexão mais forte com a natureza. Mediante a luz natural, o cérebro coordena grande parte do seu funcionamento com o mundo, regulando o ciclo biológico e psicológico, secreção hormonal e função celular, por exemplo (PAIVA; JEDON, 2019). Além disso, a iluminação natural cria ambientes mais agradável e acolhedor, reduz o estresse e melhora a qualidade do ar (ULRICH, 1993; BOUBEKRI et al., 2014; DÜZENLİ; EREN, AKYOL, 2017; PAIVA; JEDON, 2019). Portanto, a luz natural tona-se um elemento essencial para criar experiências em ambientes construídos (FERNÁNDEZ, 2019).

Por outro lado, a luz artificial força o cérebro a trabalhar de forma automática, e consequentemente, prejudicará a produtividade. Todavia, a luz natural pode contribuir na concentração, produção de vitamina D, reduz a fadiga e o risco de depressão e melhorar a qualidade do sono. (BOUBEKRI et al., 2014; FERNÁNDEZ, 2019). Na figura 3, observa-se elementos arquitetônicos conhecido como cobogó, que permitem a entrada de luz natural em um ambiente construído.

Figura 3 – Iluminação natural em espaços construídos

Fonte: Archdaily, 2022.

Ao considerarmos as experiências sensoriais humanas em ambientes construídos, podemos perceber a importância de elementos naturais como espaços verdes, iluminação e ventilação natural, materiais orgânicos, cores e texturas da natureza, para proporcionar sensações agradáveis e estimular os sentidos e geram experiências memoráveis (ULRICH, 1983), influenciar na tomada de decisões, melhorar o cognitivo (KHALEGHIMOGHADDAM, et al ., 2022), o estado humor (DÜZENLİ; EREN, AKYOL, 2017), e a qualidade do sono (BOUBEKRI et al., 2014). Assim cria-se ambientes que afetem positivamente a saúde, bem-estar e a produtividade das pessoas (PAIVA, 2018).

Da mesma forma que, os ambientes construídos podem transmitir sensações e experiências positivas, também podem transmitir sentimentos negativos, tendo como exemplo, o Museu Judaico de Berlim fundado em 1933. O Museo foi projetado por Daniel Libenskind, para mostrar o sofrimento dos judeus durante os conflitos no século XX sob o regime nazistas. Para esse propósito, o arquiteto utilizou técnicas arquitetônicas para produzir ambientes que lembram os tormentos vivenciados pelos judeus (VILLAROUCO et al., 2021).

O arquiteto criou espaços escuros, sem aberturas para iluminação ou ventilação natural, paredes inclinadas, corredores longos e estreitos. Conforme relatado pelos usuários, constata-se que o espaço transmite sentimentos de angústia, tontura, mal-estar, claustrofobia e aflição. A Figura 4 ilustra as vistas externas do museu, evidenciando à esquerda a desconstrução da estrela de David na fachada e, à direita, um corredor com paredes inclinadas e piso desnivelado (VILLAROUCO et al., 2021, p.152).

Figura 4 – Museu Judaico de Berlim- Imagens externas do Museo

Fonte: (VILLAROUCO et al.., 2021, p.152).

Outro exemplo é o museu ROM Crystal, localizado em Toronto-Canadá, que também foi projetado por Daniel Libenskind em 2017. Segundo Viola (2017), os ângulos da edificação parecem emergir do solo, em uma exibição de força bruta, por isso possui controvérsias entre os visitantes e moradores. Enquanto a alguns visitantes lhes parecem uma arquitetura surpreendente, há outros usuários que não apreciam essa obra. Na figura 5, observa-se a volumetria pontiaguda do edifício.

Figura 5 – Vista lateral do Museo ROM Crystal

Fonte: VIOLA, 2017. p.3.

Viola afirma que o sentimento de rejeição se dá devido a volumetria pontiaguda externa. Os ângulos pontiagudos apresentam o sentimento de perigo, pois instintivamente sentimos ameaçados com objetos pontiagudos e pode produzir sentimentos de estresse ou ansiedade, por exemplos (VILLAROUCO et al., 2021; FERNÁNDEZ, 2019).  Outro grande problema do projeto é a disfuncionalidade de alguns ambientes internos que não podem ser utilizados devido a inclinação do Museo (Viola, 2017).

É notável, por exemplo, a influência do Museu Judaico de Berlim e do Museu ROM Crystal na criação de espaços que vão além da função expositiva, mas que também exploram a relação do indivíduo com o ambiente construído. Esses exemplos nos mostram que a qualidade do espaço pode afetar diretamente a experiências sensoriais do usuário e, consequentemente, sua percepção e aprendizado (PAIVA, 2018). Portanto, é essencial que arquitetos e designers considerem a importância das experiências sensoriais ao projetar e construir ambientes que vão além da funcionalidade e estética, mas também a exploração do estado emocional das pessoas no espaço construído.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A neuroarquitetura de forma interdisciplinar busca compreender as conexões entre o cérebro e o ambiente construído. Entende-se que, a neuroarquitetura está fortemente ligada ao desenvolvimento de espaços que tenham impactos positivos sobre o cérebro humano. A influência do espaço sobre as pessoas é captada pelo cérebro, resultando em diferentes sensações e emoções. Essa percepção espacial pode impactar nosso estado emocional, comportamento e saúde de maneira inconsciente. É importante ressaltar que a autopercepção do espaço difere principalmente com base nas memórias e experiencias vivenciadas anteriormente. O cérebro humano é continuamente estimulado pelo que vemos, experimentamos e ligamos memórias a lugares específicos.

Entende-se que cada ser humano recebe e decodifica os estímulos do ambiente de forma única. Investir em estímulos visuais, táteis, auditivos e olfativos pode ser crucial ao projetar ambientes. É possível estimular as pessoas por meio desses ambientes, uma vez que a arquitetura é uma extensão do ser humano e deve ser entendida como espaços multissensoriais. A percepção multissensorial na arquitetura inclui principalmente às experiências de memórias visuais, olfativas, auditivas, emocionais e o toque.

Projetar um espaço que estimule a produtividade, saúde e bem-estar do usuário deve ser uma prioridade para arquitetos e designers. Por exemplo, a presença de espaços verdes no ambiente urbano é extremamente importante para a saúde física e mental dos usuários. Os benefícios incluem redução do estresse, melhoria da qualidade do ar, redução do ruído urbano, além de incentivar a prática de atividades físicas e a socialização. O acesso a áreas verdes também pode ajudar a reduzir o risco de doenças crônicas e melhorar a função cognitiva.

A incorporação de elementos naturais em ambientes construídos é uma forma eficaz de aplicar a neuroarquitetura para promover a saúde e bem-estar aos usuários. Pedras naturais, madeira, bambu, elementos arquitetônicos com água, são alguns exemplos de que podem ser utilizados para alcançar esse objetivo. A presença desses elementos em espaços fechados, pode ajudar a reduzir o estresse, melhorar o humor, a produtividade e aumentar a satisfação.

A iluminação natural é outro elemento importante em espaços construídos. A exposição à luz natural pode ajudar a reduzir o risco de depressão, contribui na regulação do ritmo circadiano, melhorar a qualidade do sono devido a variabilidade da luz do sol durante o dia e sua conexão com o sistema biológico do corpo humano.

A escolha de cores, formas, texturas, e disposição dos móveis e objetos, também pode ter um impacto significativo na percepção dos usuários sobre o espaço. O uso de cores da natureza pode criar vínculos entre o meio natural e o ambiente construído e contribui na redução do estresse. A escolha de materiais e texturas pode afetar a percepção sensorial do espaço criando um espaço mais aconchegante. A disposição dos móveis e objetos, pode ajudar a criar um senso de fluxo e movimento no espaço, ademais influencia a forma como as pessoas interagem entre si.

Em geral, a criação de espaços saudáveis ​​para os usuários deve levar em consideração a influência do espaço sobre o cérebro humano através da neuroarquitetura. Os arquitetos e designers devem estar cientes dos efeitos positivos e negativos que cada elemento pode ter sobre as pessoas e buscar criar espaços que atendam às necessidades e objetivos específicos de cada projeto. Embora ainda sejam necessários estudos e pesquisas aprofundados, é possível afirmar que a neuroarquitetura é uma ferramenta útil para criar ambientes que maximizem o bem-estar, saúde, produtividade e o desempenho cognitivo das pessoas.  Isso porque, está focada no desenvolvimento de espaços que tenham impactos positivos sobre o cérebro humano.

REFERÊNCIAS

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[1] Graduada em Arquitetura e Urbanismo, pela Universidade UNIP- Paulista, campus Araçatuba, 2022. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4486-9093. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1260664799408224.

Enviado: 13 de fevereiro, 2023.

Aprovado: 22 de junho, 2023.

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Viviane Cristina Marques dos Santos

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