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A responsabilidade civil em caso de desistência da adoção

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SOUZA, Caroline Megiani De [1], MORAES, Pedro Manoel Callado [2]

SOUZA, Caroline Megiani De. MORAES, Pedro Manoel Callado. A responsabilidade civil em caso de desistência da adoção. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 06, Vol. 17, pp. 182-197. Junho de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/desistencia-da-adocao

RESUMO

O presente estudo faz uma breve analise acerca da responsabilidade civil nos casos de desistência da adoção e as consequências que isso pode gerar na vida da criança e do adolescente. A pesquisa aborda direitos fundamentais da dignidade da pessoa humana. A maioria das crianças e adolescentes que estão no Cadastro Nacional de Adoção tem seus direitos violados, ocorrendo a destituição do poder familiar. É exposto também o procedimento da adoção e a introdução do adotando no ambiente familiar, já que os pretendentes a adoção devem garantir uma vida digna para o adotando. Ademais, os efeitos causados pela desistência da criança ou do adolescente acabam gerando sequelas em seu desenvolvimento. Portanto, deve-se ocorrer a reparação dos danos morais e materiais, devido a privatização da oportunidade da criança adotada ter uma família, conforme preceitua a teoria da perda de uma chance, tudo isso em decorrência da devolução/desistência da criança e do adolescente. A metodologia usada foi a revisão de materiais e documentos já publicados, expondo a responsabilidade civil do adotante nos casos de desistência da adoção, levando em consideração que tal ato é uma ofensa aos princípios constitucionais, assim tendo direito a reparação diante das consequências provocadas na vida da criança e do adolescente.

Palavras-chave: Responsabilidade civil dos adotantes, Adoção, Desistência.

1. INTRODUÇÃO

A presente pesquisa faz uma breve análise sobre as consequências jurídicas que ocorrem no processo de desistência da adoção, e que, portanto, acabam gerando consequências na vida da criança e do adolescente também.

O tema adoção envolve inúmeras questões sociais, políticas e econômicas para serem abordadas. Entretanto, milhares de crianças e adolescentes estão crescendo em lares de adoção e abrigos que são invisíveis para a sociedade. Algumas dessas crianças chegam a ficar escondidas em lares desconhecidos de acolhimento, permanecendo na clandestinidade. Dentre os fatores que ocasionam o aumento de casos enfrentados pelo Poder Judiciário, pode-se destacar o aumento de pais dependentes químicos, viciados em drogas e/ou álcool, dificuldade na operacionalização do cadastro de adoção e a complexa criminalização do aborto. O processo de adoção é lento e burocrático, gerando medidas paliativas, procurando reduzir e/ou aliviar as causas negativas do ocorrido.

A maioria das crianças e adolescentes que são levadas para a adoção fazem parte do Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Na maioria dos casos, essas crianças e adolescentes são inscritos nesse cadastro por causa da extinção, destituição ou suspensão do poder familiar dos pais, tendo um infeliz histórico de violação de direitos. Assim menciona o artigo 1.637 do Código Civil de 2002, da Lei 10406/02.

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar à medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.

Os menores ficam nessas instituições de acolhimento esperando serem reintegrados à família biológica deles, ou quando esta opção não ocorre, resta que sejam encaminhados para uma família substituta. Ressalta-se, ainda, que a maioria dessas crianças acaba saindo dos referidos abrigos quando já atingiram a maioridade.

O propósito da adoção é a integração do adotado ao ambiente familiar, para que assuma a verdadeira posição jurídico-social de filho, na qual a Constituição Federal (§ 6º do artigo 227 da CF/1988) lhe dá os mesmos direitos e deveres do filho natural. A maioria das iniciativas de adotar está ligada a uma frustração subsequente da infertilidade ou da impossibilidade de gerar um filho. Ocorre que no início, o cadastramento de alguns casos pode levar até dois anos. Após isso, vem a lista de espera, período em que não é possível aos cadastrados conhecer a criança, impossibilitando qualquer vínculo com a mesma. Sendo assim, após um longo período de espera, uma criança é destinada a essa família para que seja acolhida como filho.

É no momento do chamado estágio de convivência que muitos adotantes acabam desistindo, seja por falta de empatia ou despreparo. Assim, acabam optando pelo caminho mais fácil, a desistência.

Em nossa atualidade, tem se tornado cada vez mais comum que casais após o estágio de convivência no intuito de adotar, acabam desistindo da adoção e devolvendo a criança aos cuidados do Poder Judiciário. A filiação adotiva é muito parecida com a filiação biológica, tanto que o art. 41 do ECA, Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, se refere a adoção como uma atribuição da condição de filho ao adotado. Ocorre que mesmo sendo uma garantia por lei, ainda assim existem muitos casos de desistência na adoção e que não se comparam a filiação biológica, pois nesse caso não seria possível desistir do filho, e nem teria como devolvê-lo ao útero e, no entanto, os laços afetivos deveriam ser mais fortes que os laços sanguíneos.

Desta forma, a desistência representa o fracasso para o Poder Judiciário no processo de adoção. Por sua vez, os menores experimentam o fracasso da expectativa de pertencer a uma nova família, gerando uma sequela de abandono afetivo e desestruturação para o menor.

Além do mais, são anos tentando lidar com a frustração, o sentimento de rejeição, desamor, vazio de afetividade, entre vários outros sentimentos após toda a violência psicológica pela qual o adotando passou.

Nesse sentido, não há dúvidas quanto a verificação de dano moral causado em face dos reflexos jurídicos e psicanalíticos que a desistência da adoção provoca. E que, portanto, os menores acabam sendo vítimas de uma ação ou omissão da família, do Estado e também da sociedade.

Sendo assim, o objetivo proposto deste estudo é a responsabilidade civil dos adotantes em caso de desistência da adoção e as consequências que isso irá causar na vida da criança e do adolescente. Por fim, a metodologia usada ao decorrer do trabalho será a revisão bibliográfica, a partir de materiais já publicados.

2. O PROCEDIMENTO DA ADOÇÃO E A INTRODUÇÃO DA CRIANÇA NO AMBIENTE FAMILIAR

O processo de adoção começa com a busca pelo Juizado da Infância e da Juventude na comarca de domicílio do interessado na adoção. Ressalta-se que a Lei 12.010/2009, demanda a assistência jurídica particular ou pública no procedimento de habilitação. A finalidade de tal procedimento é para que possa ser peticionada sua habilitação na Justiça de Infância e Juventude.

Aqueles que forem interessados receberão uma lista contendo os documentos exigidos, sendo eles: comprovante de residência, comprovante de rendimentos, cópia do documento de identidade, declaração médica de saúde física e mental e fotografias da casa e da família dos pretendentes.

Logo após a entrega dos documentos, o respectivo procedimento será remetido para o Ministério Público e para o juiz competente. Tudo isso para que seja averiguada a vida dos candidatos-adotantes. Após, haverá encaminhamento ao técnico que inscreveu o interessado na adoção no curso preparatório.

O art. 28, §§ 3º e 5º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), expõe ser necessário que os pretendentes façam um curso de preparação para a adoção, a ser promovido pelo Juizado da Infância e Juventude.

Os candidatos irão passar por algumas entrevistas com assistentes sociais e psicólogos, com a finalidade de ter uma análise real da causa e desejo de adotar, ou seja, qual o efetivo propósito, que o pretendente tenha condições de cuidar das necessidades básicas do filho. O Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda ressalta que a inscrição dos pretendentes só deverá ocorrer depois da intervenção da equipe técnica supramencionada e da emissão do parecer social e psicológico.

O técnico juntará o seu relatório ao processo, sendo encaminhado para o juiz e para o Ministério Público, que logo se manifestará. Subsequente a manifestação, os autos serão remetidos ao juiz, que proferirá uma sentença habilitatória. Em caso de deferimento, a sentença será registrada em um livro próprio e os candidatos serão chamados para que seja preenchido o perfil adotivo. No perfil deverão ser delimitadas as características da criança/adolescente pretendida, concluindo o processo de habilitação e iniciando o processo adotivo.

Após a habilitação, os candidatos que quiserem podem ser incluídos no Cadastro Nacional da Adoção, que é uma forma de achar uma família para a criança/adolescente. Cumpre-se uma ordem de programação para fazer o acesso, fiscalizado pelo Conselho Nacional de Justiça. Ainda, destaca-se que o adotando maior de 12 anos deverá ser ouvido e também concordar com a adoção.

Depois de um tempo, ao encontrar a criança com as características pretendidas, a aproximação entre o adotante e o adotando é feita pela equipe técnica da Vara, acompanhando os encontros e observando a interação de ambos.

A seguir, ocorre a aproximação através das visitas, e logo em seguida inicia o estágio de convivência, previsto no art. 46 da Lei n. 8.069, de julho de 1990 (ECA), que se refere ao período mínimo para a avaliação da adaptação do adotando, em seu novo lar.

Grande parte dos pretendentes demonstra alegria e felicidade por estarem no período de espera do filho, porém, em muitas vezes não ocorre o pensamento de qual lugar ele ocupará em suas vidas, criam um filho imaginário, mas não ficam abertos para trocas afetivas, não tendo disposição para amar e muito menos, enfrentar as histórias que essas crianças e adolescentes irão trazer consigo (SOUZA, 2018).

Assim, conforme o processo de habilitação dos adotantes:

Antes da decisão final, os pretendentes são submetidos à preparação e aos programas específicos realizados pela vara da infância e da juventude, em parceria com os grupos de apoio a adoção, com objetivo de estimular a adoção tardia, de irmãos ou inter-racial, de modo que vença o preconceito da adoção exclusivamente em relação às crianças em tenra idade (SOUZA, 2014, p. 218).

Embora a adoção seja uma medida protetiva de caráter irrevogável, aplica-se neste caso o princípio constitucional da convivência familiar, ocorrendo uma possibilidade da devolução do adotado à sua instituição de acolhimento antes do trânsito em julgado da sentença, ainda quando for do período de estágio de convivência entre o adotado e o adotante (NICOLAU, 2016).

A lei 8.069/90-ECA- com as alterações da Lei 12.010/09, instituiu a adoção como medida irrevogável, sendo determinante para o seu deferimento apenas quando o juiz tiver certeza de que os adotantes serão bons pais.

Mais danoso do que o abandono material e educacional é o abandono afetivo, por produzirem danos invisíveis aos adotandos, desestruturando-os e desorientando-os, transformando-os em pessoas infelizes e inseguras (KREUZ, 2012).

Deste modo, a devolução de crianças e adolescentes ao acolhimento constitucional durante o período de convivência acaba frustrando a esperança dos adotandos de fazer parte de uma família, afastando os princípios constitucionais da convivência familiar e da proteção integral da criança e do adolescente. Assim, as lesões causadas ao adotando devem ser reparadas e se necessário, invocar o instituto da responsabilidade civil, verificando a possibilidade de indenização a título de danos morais (MACIEL, 2018).

3. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O princípio da dignidade da pessoa humana, em muitas ocasiões, não deve ser considerado um conceito rigoroso. Logo em seguida nota-se que ele não se molda na diversidade de valores a qual está presente na sociedade. Portanto trata-se de um conceito em processo de desenvolvimento. Na maioria das vezes, quando falta autonomia para a pessoa tomar decisões, fazer escolhas, buscar objetivos, certamente ela poderá procurar a ajuda do Estado, que lhe proporcionará proteção e/ou assistência, especialmente quando fragilizada e também, quando for ausente da capacidade de autonomia.

O princípio já mencionado serve como base no ordenamento jurídico brasileiro, nos termos do artigo 1º, III da Constituição Federal de 1988. No entanto, a medida protetiva é para que haja garantia de uma vida melhor e mais viável ao indivíduo, para que se tenha liberdade e possa escolher qual caminho quer seguir na vida.  Então, cabe ao ordenamento jurídico prevenir injustiças e desrespeitos ao longo do caminho, devendo seguir os meios da educação, assistência e segurança social.

O Estado e os órgãos estatais têm o dever de fornecer a proteção e tutela para que os indivíduos se certifiquem de que os seus direitos vão ser cumpridos por meio de prestações, para que sejam tratados com respeito, dignidade e liberdade.

No caso da adoção, uma boa convivência familiar, paz social e respeito entre os indivíduos e o pleno desenvolvimento dos membros da família são de suma importância, já que versa sobre os direitos humanos. O Estado deve preservar os direitos e deveres fundamentais de cada indivíduo, seja qual for o fator degradante e desumano, devendo ter eficácia para que o princípio assegure para qualquer indivíduo os seus direitos e deveres fundamentais contra qualquer fator degradante e desumano. Assim o princípio da dignidade da pessoa humana deve manter sua eficácia para que sua função continue sendo a de criar condições que permitam o pleno exercício e a fruição da dignidade, ou seja, condições mínimas para uma vida saudável.

E, por isso, o Estado democrático de direito tem o dever de providenciar os mecanismos para a proteção do indivíduo em sociedade.  Assim, a autonomia privada acaba entrando em conflito com o princípio da boa-fé objetiva, impactando a responsabilidade civil pela aplicação do modelo jurídico do abuso de direito, nos termos do artigo 187, do Código Civil. Ademais, o direito de família se relaciona com a dignidade a partir do momento em que o Estado assumiu a CF/88, na qual se coloca como protetor da entidade familiar e de seus membros, principalmente se tratando de crianças e adolescentes (DINIZ, 2017).

O art. 226, caput, da Constituição Federal estabelece que a família seja a base da sociedade, gozando de proteção do Estado. Portanto, a família é de grande importância, sendo considerada como fundamento de toda a sociedade brasileira.

4. A DESISTÊNCIA E SUAS CONSEQUÊNCIAS

4.1 DA DEVOLUÇÃO DA CRIANÇA

O art. 227, §6º, da Constituição Federal de 1988, se refere ao princípio da isonomia filial. Assim, conforme mencionado a origem das famílias naturais ou filiação natural não possui importância na configuração da responsabilidade civil dos pais pela ausência de afeto. A posição de filho adotivo é definitiva e irrevogável.

A irrevogabilidade representa uma aplicação do princípio constitucional da igualdade entre os filhos, e isso sendo independente da origem de cada um ou a da fonte a qual gerou a filiação. Caso não ocorresse a irrevogabilidade, não teria a equiparação entre os filhos, e sendo assim os filhos que fossem adotados se sujeitariam à extinção do vínculo de parentalidade-filiação por força de possível revogação da adoção, como era prevista no Código Civil de 1916. O fato de a adoção ser irrevogável gera um vínculo, que deve ser respeitado pelo adotante e pelo adotado, assim menciona (GAMA, 2003).

Ainda, ressalta-se que a irrevogabilidade gera duas consequências que atendem aos interesses das pessoas envolvidas na relação dos vínculos jurídico familiar: a impossibilidade do adotante desfazer por vontade e iniciativa própria, a adoção que ele mesmo desejou que fosse constituída, e também a mesma impossibilidade de o adotado revogar a adoção, ainda que tenha sido adotado quando era criança ou adolescente, preservando o interesse do adotante (GAMA, 2003).

A propositura de ação de destituição do poder familiar é relacionada ao abandono imaterial de filho adotivo, que deve ser reparado por danos morais e, ainda, com natureza jurídica material de alimentos se presente os requisitos legais (necessidade e possibilidade).  Além do mais, o dano moral suportado pelo filho não deixa que se ignore o evidente dano material que tem seguimento decorrente da privação da oportunidade da criança adotada de ter uma família, conforme a teoria da responsabilidade pela perda de uma chance.

Assim a teoria da perda de uma chance guarda uma relação com o lucro cessante, nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor, e assim caracteriza a perda de uma chance quando, devido à conduta de outra pessoa, a probabilidade de um evento que traria um benefício futuro para a vítima desaparece (CAVALIERI FILHO, 2012).

No entanto, fica cada vez mais nítido que crianças mais novas são adotadas mais facilmente, já que seria mais fácil educá-la dentro da estrutura familiar que se daria com mais facilidade e maior simplicidade. A interrupção dessa ligação pelo fato da desistência da adoção dos pais adotivos gera a perda da chance da criança se desenvolver emocionalmente no meio familiar. A volta da criança ao lugar de acolhimento institucional dificulta uma nova colocação em família substituta. Esse fato resulta em consequências traumáticas provocadas pelo referido ato ilícito, consistentes, principalmente, na frustração de outra possibilidade de nova adoção da criança, dificuldade de adaptação, e também problemas psicológicos temporários ou permanentes.

Ressalta-se que o abandono material pode ser observado nas desistências de adoção durante o estágio de convivência. O sentimento de rejeição tem consequências como marcas na autoestima, dificuldade em desenvolvimento em novas relações afetivas, danos na integridade psíquica e moral, danos esses que devem ser ressarcidos, pelo tempo que for necessário, pelo casal ou pessoa que lhes deu causa, art. 186 do Código Civil. Assim, a jurisprudência majoritária entende que o ato de adoção somente se realiza e produz efeitos a partir da sentença judicial, de acordo com o art. 47 e 199-A do ECA, e, por conseguinte, antes dessa decisão não há qualquer vínculo ou dever legal de alimentos pelos pretendentes da adoção.

Apesar disso, a fim de evitar esse tipo de situação desastrosa de abandono de criança ou adolescente, como medida preventiva, a pessoa ou casal deverão ser preparados gradativamente para o exercício de parentalidade, antes de assumir a guarda. A sociedade e o Poder Público deverão observar essas regras, para êxito da adoção, evitando assim as tristes consequências para a criança com o fracasso da convivência e os danos causados pela inabilidade da família adotiva em formação. Sendo assim, urge atentar para a Lei n. 13.509, de 22 de novembro de 2017, com a incorporação do §5º

ao art. 197-E, que destacam que a desistência do pretendente em relação a guarda para afins de adoção ou a devolução da criança ou do adolescente depois do trânsito em julgado da sentença importará na exclusão do casal ou pessoa pretendente que estejam nos cadastros de adoção e na vedação de renovação da habilitação, salvo decisão judicial fundamentada, sem prejuízo das demais sanções previstas na legislação vigente.

Deste modo, crianças e adolescentes só poderiam ser devolvidas antes da sentença, sendo irrevogável e irretratável diante do trânsito em julgado. Portanto, não se pode falar de devolução após a sentença adotiva; apenas pode-se falar em abandono ou destituição familiar, aponta (OLIVEIRA, 2017).

Por fim, é de suma importância analisar que a reflexão anterior é constantemente trabalhada nos grupos de apoio com intuito de mostrar aos pretendentes que as crianças e adolescentes têm os seus momentos de aborrecimento entre outros, e que sendo assim, também terão os seus momentos de aceitação e carinho. Ainda que a superação possa ser difícil para o casal ou pessoa que seja responsável pela devolução, as consequências do ocorrido acabam provocando um dano muito maior e significativo para a criança e o adolescente, de modo que as sequelas deixadas podem ser, na maioria das vezes, irreparáveis, afirma (OLIVEIRA, 2017).

5. A RESPONSABILIDADE CIVIL

5.1 PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE FAMILIAR E DA PLURALIDADE

Na sociedade atual, é considerada família, além da matrimonial, a união estável entre homens e mulheres, bem como entre pessoas do mesmo sexo, e, ainda, as famílias monoparentais. Conforme o art. 226, §§ 3º e 4º da CF, alguns desses modelos de famílias servem como exemplos, pois é uma norma de inclusão que aceita a diversidade familiar.

De tal modo, o princípio do pluralismo das entidades familiares é encarado como reconhecimento pelo Estado da existência de várias possibilidades de arranjos familiares, assim menciona (DIAS, 2009).

No entanto, o que se destaca é a desafiadora responsabilidade pela promoção dos outros integrantes das relações familiares e pela relação dos atos que assegurem as condições de vida digna e atuais para futuras gerações, de natureza positiva. A família carrega consigo o compromisso do futuro, por ser o mais importante espaço dinâmico de realização existencial da pessoal humana e da integração das gerações (LOBO, 2018).

Lembrando que os direitos assegurados para os casais heteroafetivos também são os mesmos para os homoafetivos, assim menciona o artigo 5º da Constituição Federal:

Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade […]

5.2 O CABIMENTO DE DANO MORAL E MATERIAL PELA DESISTÊNCIA DA ADOÇÃO

Assim, é legítimo ativar o Poder Judiciário para exercer o direito de se inscrever para adoção, e assim procurar a formação da família eudemonista, no entanto, é necessário que o exercício desse direito não cause danos a terceiros e que seja exercido de acordo com os limites impostos pelo seu fim econômico e social, boa-fé objetiva e pelos bons costumes, de acordo com (REZENDE, 2014).

Por consequência, vale ressaltar que depois de iniciado o estágio de convivência, a criança acaba tendo uma expectativa, que, quando frustrada com a desistência da adoção, provocará o abandono afetivo, razão pela qual deverá ser compensada pelo dano moral.

Entre o curto período de tempo em que o adotante e o adotado passam juntos, decorrendo disso a afinidade entre ambos, a desistência seria responsável por toda uma ideia e sentimento de abandono e também até uma forma de violência psicológica contra a criança (REZENDE, 2014).

Desse modo, a violência psicológica nesses casos relatados, é difícil de serem notados e diagnosticados. A constante desqualificação sistemática de uma pessoa, principalmente nas relações familiares, acaba querendo dizer algo de uma forma totalmente cruel e abusiva, em que o efeito pode produzir distúrbios graves de conduta na vítima. Dessa maneira, a vítima acaba cada vez mais exposta, não tendo como se defender, e tendo que lidar cada vez mais com respostas violentas de agressores.

A violência psicológica acaba sendo toda ação ou omissão que causa ou visa a causar danos à autoestima, a identidade ou ao desenvolvimento da pessoa. Em vista disso, o artigo 186 do Código Civil observa que: aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Podendo, assim, o abandono afetivo ser caracterizado como abandono moral e psicológico, e que em algumas circunstâncias pode ser considerado um ato ilícito, ou até mesmo a perda do poder familiar, sendo observado no art. 1638, do Código Civil.

Portanto, mesmo não admitindo que a ocorrência de abandono afetivo por ausência de laços de afeto entre adotante e adotado, a conduta ainda causa angustia na criança, que consegue ultrapassar o simples sentimento de aborrecimento, e merece sua devida reparação, assim aponta Rezende:

A desistência de uma adoção, iniciado o estágio de convivência, é ato que indubitavelmente causa prejuízos nefastos ao adotando, que alimenta em si a esperança de que o ato será levado a cabo. A criança adolescente, com a sua pureza, inocência e tranquilidade, não pode esperar algo diverso, sobretudo tendo um histórico de conflitos por conta de uma paternidade absolutamente irresponsável. Não seria capaz de exercer uma reserva mental acerca de seus sentimentos (REZENDE, 2014, p. 94).

A criança e o adolescente acabam sendo vítimas de um ato por mera irresponsabilidade dos pretendentes a adoção, e que assumindo os riscos e dificuldades o levaram em sua companhia. Possível, assim, a responsabilização na esfera cível. Acaba sendo inaceitável esse comportamento, que no caso, o que deveria ser feito é resguardar a integridade psíquica da criança e do adolescente, que fica abalada com o sentimento e o fato da rejeição (REZENDE, 2014).

Cumpre-se dizer que o magistrado ao analisar algumas normas infanto-juvenis, devia e ainda deve levar em conta as finalidades sociais de cada uma e para o que elas se referem, às exigências do bem comum, os direitos e deveres coletivos e individuais e, por fim, a condição de criança e adolescente que ainda se encontra em desenvolvimento (REZENDE, 2014).

A reparação do dano que foi resultado de uma conduta ilícita terá como consequência o dever de cumprir a obrigação do pagamento de uma vez só, de determinado valor compensatório, e também do pagamento em parcelas, que será referente aos alimentos ressarcitórios, ou o pagamento de um valor mensal pela responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana (COSTA, 2009).

Não se trata de uma banalização do instituto da reparação pelos danos morais. Acaba que os interesses de vidas humanas e sentimentos entram em conflito, o que gera uma bagagem que será carregada por toda a vida do adotando que foi devolvido e ganha um colorido sob a lente dos mais importantes princípios da República Federativa Brasileira, a dignidade humana (REZENDE, 2014).

Já a quantificação do valor dos danos morais, para que seja calculado o valor da indenização, terá que ser levado em consideração a gravidade do ocorrido e os efeitos da conduta, a condição econômica dos adotantes, seu grau de instrução, o tempo em que a criança/adolescente ficou sob os cuidados, e por último o adotando será submetido a avaliação psicológica para que haja observação das consequências causadas pela devolução/rejeição, conforme (REZENDE, 2014).

Sendo assim, os adotantes, que deveriam ser mais conscientes da realidade das crianças e adolescentes colocados para a adoção, optam por adotar esperando que o filho seja perfeito e ideal às expectativas deles, se comprometendo com a criança e adolescente, e com o Poder Judiciário, mas, ao se darem conta da pessoa real e de seus problemas, buscam a Vara da Infância para “devolvê-la”, responsabilizando o adotando ou o Judiciário, assim menciona (PEDROZA, 2017).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que as crianças e adolescentes, bem como adotandos maiores, devem ser resguardados pelos direitos civis, humanos, precisando da proteção integral do Estado e também a garantia que consta na Constituição Federal que preceitua a dignidade da pessoa humana. Assim, a devolução do adotando, principalmente se tratar de uma criança ou adolescente, diante do processo de desistência da adoção é licita antes da sentença transitada em julgado. Todavia, as consequências desse ato são irreparáveis perante os adotandos, em especial, como já dito, se tratar de crianças e adolescentes, pois a criança teve contato com os pais, período em que teve sentimentos felizes por ter uma família diferente daquela vivida em abrigos oferecidos pelo Estado.

Apesar de ter a opção de devolver a criança antes da sentença transitada em julgado, o estágio de convivência não pode servir de justificativa para a desistência da adoção. A expectativa de uma família é criada tanto para a criança, como para o adolescente ou até mesmo um adotando maior de idade, bem assim quanto para a família adotante. Ocorre que a adaptação é difícil e às vezes ocorre o sentimento de frustração devido às expectativas dos adotandos, que, até então, passaram por muitas frustações até chegarem a uma família que lhe desse amor e carinho, pois muitas famílias não conseguem suportar o adotando ser diferente do que já haviam idealizado. É nesse momento que ocorre a devolução do adotando, quando começam surgir problemas, como má educação ou até mesmo quando o adotando não está conseguindo se adaptar, motivo o qual acaba sendo apontado no momento de sua devolução.

Sendo assim, o ato da devolução durante o estágio de convivência não enseja os danos morais ao adotando, mas sim as circunstâncias que levam o adotante a ter a atitude de efetuar a sobredita devolução. Diante de tal maneira impiedosa, que, como revelam as regras da experiência comum, acaba gerando danos irreversíveis ao adotando, ocorrendo, inclusive, a perda de uma chance.

Portanto, têm eles o direito de buscar uma família que considere a adoção com mais seriedade e respeito, buscando um meio de restringir esse tipo de conduta, e, mesmo com a indenização por danos morais ou materiais e até mesmo pensão alimentícia não resolvam os problemas que decorreram a partir da desistência da adoção, ainda assim atenuam os eventuais danos sofridos.

Perante o exposto, conclui-se que a responsabilidade civil dos adotantes e pretendentes à adoção, tanto no estágio de convivência como em outras fases do processo de adoção, se enquadram como uma maneira de repelir tal ato, além de apontar a importância da responsabilidade perante o instituto da adoção.

REFERÊNCIAS

BRASIL. [Constituição (1998)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 20 nov. 2020.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 20 nov. 2020.

BRASIL. Lei nº 13.509, de 22 de novembro de 2017. Dispõe sobre adoção e altera a Lei nº 8.069, 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Brasília, DF, 22 de novembro de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13509.htm. Acesso em: 21 out. 2020.

BRASIL. Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009. Dispõe sobre adoção […] e dá outras providências. Brasília, DF, 03 de agosto de 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12010.htm. Acesso em: 10 out. 2020.

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[1] Bacharel Em Direito.

[2] Orientador. Especialização em Especialização em Direitos Difusos e Coletivos.

Enviado: Março, 2021.

Aprovado: Junho, 2021.

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