ARTIGO ORIGINAL
DIAS, Amanda de Araújo [1], DIAS, Édina Lúcia de Araújo [2], OLIVEIRA, Ciane Martins de [3], DENDASCK, Carla Viana [4], OLIVEIRA, Euzébio de [5]
DIAS, Amanda de Araújo Dias. Et al. Dependência química pelo uso de maconha: do prazer ao adoecimento. Um sério problema em Saúde Coletiva no Brasil. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 03, Vol. 11, pp. 78-86. Março de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/uso-de-maconha, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/uso-de-maconha
RESUMO
Introdução: O uso da maconha aumentou globalmente, sendo a droga ilícita mais utilizada no mundo. Estima-se que, entre 167 e 315 milhões de pessoas entre 15 e 64 anos utilizou alguma droga ilícita na última década. No Brasil, aproximadamente 7,5 milhões de estudantes universitários, distribuídos em, aproximadamente, 2.400 instituições fazem uso da erva. Método: Foi realizado um estudo descritivo a partir de uma revisão bibliográfica de literatura. A pesquisa foi realizada através da base de dados Scielo e Biblioteca Virtual da Saúde (BVS). Resultados E Discussão: No que tange os efeitos da maconha, em algumas pesquisas são relatados sintomas relacionados ao uso recreativo e abuso dessa droga. Porém, a nível acadêmico, podem-se dividir os efeitos do uso da maconha em sintomas agudos e crônicos. Os efeitos agudos são classificados em euforizantes, efeitos físicos e efeitos psíquicos como depressão, alucinação, ilusão, sonolência e prejuízos de concentração e memória de curto prazo. Conclusão: Estão demonstradas algumas evidências que podem explicar o os motivos pelos quais os indivíduos optam por fazer uso da maconha. Na maioria das vezes os efeitos agudos de euforia, prazer e relaxamento são desejados, em contrapartida, observa-se que os prejuízos associados a este uso acabam por superar os benefícios ilusórios que a droga oferece, levando assim o prazer a se tornar um adoecimento.
Palavras-chave: Maconha, consumo, prazer, adoecimento.
1. INTRODUÇÃO
O hábito de utilizar drogas está presente e estabelecido nas sociedades desde a antiguidade, e o primeiro registro do consumo da maconha (cannabis) data de pelo menos dez mil anos, no qual há registros do cultivo e uso por diversas civilizações em todo o mundo, sendo os mais antigos na Ásia e Oriente Médio, chegando posteriormente à África, América e demais regiões (ROSA; ROSA, 2018).
Estima-se que, entre 167 e 315 milhões de pessoas entre 15 e 64 anos utilizou alguma droga ilícita na última década, o que representa 3,6 a 6,9 % da população mundial. Nesse contexto, o uso da maconha aumentou globalmente, sendo a droga ilícita mais utilizada no mundo. Estima-se que a maconha seja consumida por 125 a 203 milhões de pessoas atualmente, sendo a maior prevalência na África Central e Ocidental (GARCIA, 2014).
No Brasil, aproximadamente 7,5 milhões de estudantes universitários, distribuídos em, aproximadamente, 2.400 instituições fazem uso da erva, sendo o uso da substância uma prática frequente, muito discutida pela mídia leiga e analisada por alguns estudos científicos (GARCIA, 2014; FERNANDES et al., 2017).
Sendo o uso da maconha cada vez mais frequente em nosso meio social, é extremamente importante que sejam feitos estudos a fim de ampliar o conhecimento sobre seus efeitos químicos, psicológicos e sociais devido à importância que estes apresentam.
Além disso, tem se discutido nos últimos anos sobre os prós e os contras relacionados à legalização desta droga, e para, tanto os profissionais quanto a população, poderem opinar é necessário primeiramente entenderem de que forma a maconha modifica o organismo a curto e longo prazo (COUTINHO; ARAÚJO; GONTIÈS, 2004).
Nesse contexto, este trabalho se justifica por ser criado com o intuito de refinar os conhecimentos já existentes sobre o uso da maconha e atualizar a sociedade acadêmica acerca do processo de prazer e adoecimento ao qual esta droga está diretamente ligada.
Esta revisão tem como objetivo abordar os principais aspectos sobre a dependência química pelo uso de maconha, bem como conceitos sobre as sensações prazerosas do uso desta droga e a forma como está contribui para o desejo de dar continuidade ao seu uso. Também é de interesse do presente artigo, dissertar sobre as consequências físicas e psicológicas que a maconha origina no organismo caracterizando um processo de adoecimento pelo seu uso prolongado, contribuindo para melhores informações acerca dos motivos do não uso desta droga.
2. MATERIAL E MÉTODO
A metodologia utilizada no presente trabalho foi um estudo descritivo a partir de uma revisão de literatura. A pesquisa bibliográfica foi realizada através da base de dados Scielo e Biblioteca Virtual da Saúde (BVS). Para pesquisar os resumos em português em tais bases foram utilizados os termos: maconha, prazer e adoecimento. Após esse processo inicial procedeu-se à leitura dos títulos, e em seguida dos resumos, para selecionar as publicações que interessaram à pesquisa, a partir dos requisitos estabelecidos como critérios de inclusão e exclusão. Esta pesquisa teve como critérios de inclusão artigos publicados no período de 2002 a 2020, no idioma português, que abordam os temas relacionados à maconha e seus principais efeitos fisiológicos e patológicos no organismo humano, no que tange corpo e mente. Os critérios de exclusão foram trabalhos publicados em língua estrangeira e que não atenderam aos critérios de inclusão. Por final, os artigos selecionados foram analisados e originaram a escrita do presente trabalho.
3. REVISÃO DE LITERATURA E DISCUSSÃO
3.1 CONCEITOS BÁSICOS RELACIONADOS À MACONHA
A maconha é uma erva cujo nome científico é Cannabis. Em latim Cannabis significa cânhamo, que denomina a família da planta, e existem três tipos de espécies desta, sendo elas: sativa, indica e ruderalis (FERRARI, 2016). As espécies, sativa e indica são as mais utilizadas, tanto para o fumo, quanto para diversas aplicações em culinária e medicina (CORTEZ, 2009).
Há séculos a população vem usando a erva da maconha para fins medicinais, por exemplo, os chineses apontavam as propriedades medicinais da maconha como sendo anticonvulsivante, calmante e analgésica. Já é comprovado cientificamente o potencial de suas propriedades medicinais no tratamento contra algumas doenças, necessitando de melhores estudos para análise de seus efeitos nessa esfera (RIBEIRO; MARQUES, 2008).
A cannabis sativa contém cerca de 400 substâncias químicas, sendo pelo menos 60 alcalóides, conhecidos como canabinóides. O principal constituinte psicoativo da planta é o tetrahidrocanabiol (THC), um dos compostos da erva, a qual também é constituída por outros canabinoides como o canabidiol (CBD), canabinol (CBN) e tetrahidrocanabivarin (THCV). Estes são divididos em psicoativos (delta-8-THC, delta-9-THC e 11-hidroxi-delta-9-THC) e não psicoativos (canabidiol e canabinol). O delta-9-THC é conhecido por ser o mais potente dos canabinóides (SOLOWIJ; PESA, 2008; CORTEZ, 2009).
3.2 O EFEITO E O PRAZER
A principal forma de utilização da erva de maconha é através do fumo e a biodisponibilidade do THC quando fumado é de cerca de 20%. Outras formas de uso podem ser realizadas através do Haxixe que também pode ser fumado e apresenta maiores concentrações de THC, e do Hashoil ou óleo de Cannabis, que é a forma líquida e mais potente da droga de uso intravenoso. Ao ser inalado a fumaça gerada pela erva queimada alcança os alvéolos pulmonares, penetra na circulação sanguínea e atinge o cérebro em minutos (CORTEZ, 2009).
As taxas de absorção orais são mais elevadas (90 a 95%) e lentas (30 a 45 minutos) em relação à absorção pulmonar (50%). Os efeitos farmacológicos pela absorção pulmonar podem demorar entre 5 a 10 minutos para iniciarem (SOLOWIJ; PESA, 2008; CORTEZ, 2009).
O pico dos efeitos causados pela droga ocorre em 30 minutos e acaba após cerca de duas ou três horas (CORTEZ, 2009).
Os canabinóides depositam-se principalmente em órgãos ricos em tecido adiposo, como cérebro e testículos, e por isso, alguns usuários podem exibir sinais e sintomas de intoxicação por até 12-24h devido à liberação lenta dessas substâncias pelos adipócitos (SOLOWIJ; PESA, 2008).
O tempo de meia-vida do THC pode variar desde 20h até 10 a 13 dias e a eliminação total pode demorar até 30 dias. Dessa forma, se um indivíduo fizer uso de maconha repetidamente em intervalos menores que esse, a concentração de THC no seu sangue irá aumentar, provocando efeitos mais intensos (SOLOWIJ; PESA, 2008; CORTEZ, 2009).
Os cigarros de maconha, amplamente encontrados, ainda que proibidos em alguns países como o Brasil, também são conhecidos como “baseados”, sendo constituídos por aproximadamente 0,3-1g de maconha com uma concentração de 1-15% de delta-9-THC (2,5 a 150 mg de THC). Nesse contexto, observa-se que a produção de efeitos euforizantes ocorre com uma concentração mínima de 1% de THC ou 1 cigarro de 2 a 5 mg. E ao contrário do que muitos pensam, os sintomas de intoxicação já surgem alguns minutos após o uso (RIBEIRO; MARQUES, 2008; SOLOWIJ; PESA, 2008).
No que tange os efeitos da maconha, em algumas pesquisas são relatados sintomas relacionados ao uso recreativo e abuso dessa droga. Porém, a nível acadêmico, podem-se dividir os efeitos do uso da maconha em sintomas agudos e crônicos. Os efeitos agudos são classificados em euforizantes (aumento do desejo sexual, sensação de lentificação do tempo, aumento da autoconfiança e grandiosidade, risos imotivados, hilaridade, relaxamento e aumento da percepção de cores, sons, texturas e paladar), efeitos físicos (taquicardia, hiperemia conjuntival, boca seca, hipotermia, tontura, retardo psicomotor, incoordenação motora, redução da acuidade visual, aumento da acuidade auditiva, broncodilatação, aumento do apetite, tosse e midríase) e efeitos psíquicos (despersonalização, desrealização, depressão, alucinação, ilusão, sonolência, prejuízos de concentração e memória de curto prazo, crises de pânico e paranoia) (SOLOWIJ; PESA, 2008; CORTEZ, 2009).
3.3 O ABUSO E O ADOECIMENTO
Certos autores aduzem que o consumo de substâncias psicoativas vem atravessando épocas e culturas, sendo utilizadas em rituais religiosos, como método terapêutico e na busca pelo prazer, ressaltando o hedonismo como referência nesse processo (COUTINHO; ARAÚJO; GONTIÈS, 2004).
Em um período de curto prazo, podem-se observar os efeitos prejudiciais do uso da maconha, como, déficits motores, ao ato de realizar tarefas como dirigir, por exemplo; e problemas cognitivos, na concentração e memória e consequentemente dificuldades de aprendizagem. Em contrapartida, o uso em longo prazo, pode ser marcado por tosse crônica, alteração da imunidade, redução dos níveis de testosterona e o desenvolvimento de doenças mentais como, a esquizofrenia, depressão, crises de pânico, ansiedade, irritabilidade, desmotivação pela vida, alucinações e despersonalização. Quanto mais alta a dose consumida, mais intensos serão os efeitos e índices de adoecimentos. A dependência do uso da maconha ocorre conforme for à extensão de seu consumo. Os efeitos adversos estão entre amnésia, falta de atenção, problemas motores, geração de dependência e crises de abstinência (RIBEIRO; MARQUES, 2008; SOLOWIJ; PESA, 2008).
Alguns estudos demonstram disfunção cognitiva em usuários de cannabis durante a intoxicação, várias horas após o ato de fumá-la, após alguns dias e prejuízos duradouros por mais de 1 mês após a interrupção do uso. A cronicidade das alterações cognitivas depende do organismo, dose e periodicidade que o indivíduo faz uso da erva, porém é importante ressaltar que desde o primeiro uso da droga e após o início de ação do THC, esses prejuízos psíquicos já se manifestam (RIBEIRO; MARQUES, 2008).
As relações entre desempenho cognitivo e frequência de uso da cannabis podem indicar um efeito residual da intoxicação aguda ou crônica que se dissiparia provavelmente com a cessação do uso. Alguns estudos referem que a recuperação da função cognitiva não está totalmente elucidada, porém em algumas fontes tem-se que a recuperação pode ocorrer após 1 mês de abstinência ou não ocorre em 1 mês ou a recuperação pode ser somente parcial (RIBEIRO; MARQUES, 2008; SOLOWIJ; PESA, 2008).
O uso da maconha também pode resultar em alterações estruturais cerebrais, como a redução nos volumes do hipocampo e amígdala, sendo que ainda não se pode afirmar que estes efeitos sejam reversíveis. Mas através desse processo pode-se entender o real motivo de o prejuízo cognitivo ser mais frequentemente detectada na memória, na função executiva, atenção e controle inibitório (SOLOWIJ; PESA, 2008).
Nesse contexto, é interessante observar que o sujeito que utiliza a maconha pode ter ou não ter um motivo aparente para realizar tal uso, sendo que dentre os principais fatores estimulantes para o consumo da droga pode-se citar: fuga dos problemas, curiosidade, busca de prazeres e influência social.
4. CONCLUSÃO
Pode-se constatar que o uso da maconha implica em uma série de efeitos tanto agudos quanto crônicos, bem como residuais, relacionados com o mecanismo de ação do THC. Além disso, os usuários dessa droga geralmente apresentam problemas que afetam sua vida familiar, profissional e social.
Nesse contexto, é interessante observar que o sujeito que utiliza a maconha pode ter ou não um motivo aparente para realizar o uso, mas o que desperta o desejo de promover estudos sobre a ponte entre o prazer e o adoecimento é o que está por trás da busca pela substância, fato que está para além dos olhares e do consciente do usuário.
No presente trabalho, estão demonstradas algumas evidências que podem explicar o os motivos pelos quais os indivíduos optam por fazer uso da maconha. Na maioria das vezes os efeitos agudos de euforia, prazer e relaxamento são desejados, em contrapartida, observa-se que os prejuízos associados a este uso acabam por superar os benefícios ilusórios que a droga oferece, levando assim o prazer a se tornar um adoecimento.
REFERÊNCIAS
CORTEZ, P. Possíveis efeitos cognitivos e psicomotores em usuários crônicos de Cannabis. 2009.
COUTINHO, M. P. L.; ARAÚJO, L. F.; GONTIÈS, B. Uso da maconha e suas representações sociais: estudo comparativo entre universitários. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 9, n. 3, p. 469-477, set./dez. 2004.
FERNANDES, T. F.; MONTEIRO, B. M. M.; SILVA, J. B. M.; OLIVEIRA, K. M.; VIANA, N. A. O.; GAMA, C. A. P.; GUIMARÃES, D. A. Uso de substâncias psicoativas entre universitários brasileiros: perfil epidemiológico, contextos de uso e limitações metodológicas dos estudos. Cad. Saúde Colet., 2017, Rio de Janeiro, 25 (4): 498-507.
FERRARI, C. R. Cannabis. Universidade de São Paulo. Instituto de Física de São Carlos – Psicologia da Educação – SLC 0631. Licenciatura em Ciências Exatas. 2016. 15p.
GARCIA, F. D. Manual de abordagem de dependências químicas. ED. Utopika, 2014, 386p.
RIBEIRO, M; MARQUES, A.C. P. R. Projeto diretrizes: Abuso e dependência – Maconha. 2008.
ROSA, P.; ROSA, M. G. Políticas sobre cannabis: um estudo comparativo sobre os modelos da Espanha. Geographia Opportuno Tempore Universidade Estadual de Londrina EISSN: 2358-1972, Volume 4, Número 1, 2018 Uruguai e Colorado/EUA, 2018.
SOLOWIJ, N,; PESA, N. Anormalidades cognitivas no uso da cannabis. 2010.
[1] Acadêmica de Medicina do Centro Universitário do Estado do Pará – CESUPA.
[2] Psicóloga. Pós-graduanda em Saúde Mental na Escola Superior da Amazônia – ESAMAZ.
[3] Doutora em Genética Médica. Docente e Pesquisadora do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA).
[4] Teóloga, Doutora em Psicanálise Clínica. Atua há 15 anos com Metodologia Científica ( Método de Pesquisa) na Orientação de Produção Científica de Mestrandos e Doutorandos. Especialista em Pesquisas de Mercado e Pesquisas voltadas a área da Saúde.
[5] Doutor em Medicina/Doenças Tropicais. Docente e Pesquisador na Universidade Federal do Pará – UFPA.
Enviado: Março, 2021.
Aprovado: Março, 2021.