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A musicoterapia como instrumento de colaboração na recuperação de dependentes de Substâncias Psicoativas (SPA)

RC: 149135
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/musicoterapia-como-instrumento

CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

NEPOMUCENO, Ricardo Martins [1]

NEPOMUCENO, Ricardo Martins. A musicoterapia como instrumento de colaboração na recuperação de dependentes de Substâncias Psicoativas (SPA). Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 10, Vol. 02, pp. 28-42. Outubro de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/musicoterapia-como-instrumento, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/musicoterapia-como-instrumento

RESUMO

A música é considerada mundialmente uma ferramenta verbal e não-verbal, por influenciar os sentimentos do indivíduo, impactando positivamente seu humor, individualidade e autoconfiança, entre outros aspectos. No que se refere aos tratamentos farmacológicos para dependência química inserem-se as práticas da Musicoterapia, considerada uma ferramenta valiosa para auxiliar a recuperação desses pacientes, uma vez que a música confere suporte emocional e mental durante os processos de desintoxicação e abstinência apresentados por indivíduos que desenvolvem transtornos induzidos por substâncias. É uma terapia complementar que auxilia a autoexpressão do paciente, colaborando ainda para melhorias nas vivências sensoriais e motoras dos praticantes, isto é, que a subjetividade do indivíduo possa reemergir, permitindo que se reconecte consigo mesmo e com a sociedade. A literatura demonstra que a drogadição é um fenômeno milenar que atingiu aproximadamente 11,2 milhões de pessoas ao redor do mundo em 2020, sendo que se somam a esses números o aumento do consumo por parte dos jovens, cujos índices cresceram 26% relativamente aos índices registrados em 2012. Este artigo de revisão, elaborado segundo a técnica de pesquisa bibliográfica, tem por objetivo demonstrar a eficácia da Musicoterapia no tratamento de apoio aos pacientes portadores de transtornos por uso de substâncias. Com base na literatura selecionada nos meios eletrônicos, verificou-se que a Musicoterapia enquanto tratamento adicional aos farmacológicos colaboram significativamente para a recuperação de pessoas portadoras de transtornos ocasionados por substâncias psicoativas.

Palavras-chave: Dependência química, Transtornos por uso de Substâncias, Musicoterapia.

1. INTRODUÇÃO

Segundo Teixeira (2019, p.20), a música é considerada “uma ferramenta verbal e não-verbal para a exploração de sentimentos”, por impactar positivamente o humor das pessoas e promover a redução do estresse e da ansiedade, além de melhorias na autoestima, motivação pessoal, expressão emocional e coesão social.

Uma vez que a música colabora nas representações neuropsicológicas do indivíduo, por agir em suas emoções, afetividade e motivação, a musicoterapia pode colaborar enquanto ferramenta adicional para o tratamento de diferentes doenças, em especial para os indivíduos em recuperação da dependência química, promovendo melhorias nas condições físicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas da pessoa (Weigsding e Barbosa, 2015).

Alvarez, Gomes e Xavier (2014, p.642) referem que “as drogas são substâncias que produzem mudanças nas sensações, no grau de consciência e no estado emocional das pessoas”. A continuidade desse consumo afeta a vida dos indivíduos em todos os aspectos, já que os usuários passam a reagir de modo distinto de seu estado normal, porque as substâncias promovem alterações em suas interações e desempenho social, estudantil, profissional e pessoal (Teixeira, 2019).

No que se refere ao consumo regular de substâncias químicas sintéticas, uma vez que elas afetam as capacidades cognitivas, sociais e neurológicas do indivíduo, existem muitos casos em que esses indivíduos desenvolvem transtornos psiquiátricos, entre eles intoxicação, abstinência e transtornos mentais induzidos por substâncias químicas (Pedrosa, Garcia e Loureiro, 2022; APA, 2014).

Em complementaridade aos tratamentos farmacológicos, insere-se a Musicoterapia (MT), enquanto terapia complementar, colaborando para o fortalecimento do indivíduo durante o período da abstinência, e ainda na melhoria dos sintomas relativos à ansiedade e no enfrentamento das tentações de voltar a drogar-se (Teixeira, 2019).

Dessa forma, a Musicoterapia consiste em uma atividade auxiliar aos tratamentos medicamentosos necessários aos pacientes com dependência química, cuja prática deve ser desenvolvida por um profissional habilitado, visando proporcionar a autoexpressão do paciente e permitir vivências sensoriais e motoras aos praticantes.

O presente artigo de revisão foi elaborado segundo a técnica de pesquisa bibliográfica, a partir de buscas eletrônicas por materiais científicos desenvolvidos sobre o tema. Como objetivo, pretende-se demonstrar a eficácia da Musicoterapia (MT) no tratamento de apoio aos pacientes portadores de transtornos originados pelas substâncias psicoativas.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. CONSUMO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

Ao longo do tempo, a motivação das pessoas para utilizarem Substâncias Psicoativas (SPA) migrou dos ambientes religiosos ou ritualísticos para o lazer e diversão dos indivíduos, o que, de certa forma, banalizou esse grave problema familiar e social (Teixeira, 2019). Para Alvarez, Gomez e Xavier (2014, p.642) é um problema que “afeta crianças, adolescentes, homens e mulheres de qualquer classe social, sem distinção de sexo, credo ou cor”.

Ao longo do século XX, a questão do consumo de SPA foi exaustivamente estudada sob a ótica científica, levando a sociedade a mudar seu olhar sobre essa questão, até então considerada apenas como de caráter, passando a ser vista e tratada como doença “de natureza biológica, psicológica e social” (Araújo, 2004, p. 2). Dessa forma, ao longo do tempo foram criados serviços médicos especializados no atendimento desses pacientes – mediante internação para promover a abstinência- mas que evoluíram para serviços ambulatoriais, moradias assistidas, acompanhamento terapêutico e hospitais-dia.

O início do uso de substâncias psicoativas costuma ocorrer por alguma curiosidade ou insatisfação da pessoa ante sua realidade dentro de casa, ou devido a diferentes aspectos psicológicos inerentes a certas pessoas, relativos às “fragilidades de sua personalidade, baixo amor próprio e busca de autodestruição, depressão, ansiedade e derivações de tais sentimentos negativos” (Alvarez, Gomez e Xavier, 2014, p.642). A literatura selecionada demonstra ser comum a iniciação de adolescentes com dificuldades no relacionamento familiar e/ou escolar, tornando-se os mais vulneráveis ao uso de SPA, principalmente meninos na faixa de 13 anos de idade, que começam experimentando álcool e tabaco.

De acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas, divulgado em 2017 pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), o uso de drogas é considerado um problema de saúde pública. Alvarez, Gomez e Xavier (2014, p.642) referem tratar-se de uma “prática milenar e universal”. Nesse relatório de 2017 a Organização Mundial de Saúde (WHO) reporta que esse consumo afetava 5% da população mundial, abrangendo diferentes idades (Teixeira, 2019).

Em 2022 o uso de substâncias psicotrópicas atingiu aproximadamente 11,2 milhões de pessoas ao redor do mundo, registrando-se um aumento de 26% entre jovens, relativamente aos índices verificados 10 anos antes. Segundo o Relatório UNODC (2022) aproximadamente 284 milhões de pessoas com idades entre 15 e 64 anos consumiram substâncias ilícitas ao redor do mundo, sendo a maconha a mais consumida.

Esse relatório apresenta o montante de oferta e demanda global de opiáceos, cocaína, cannabis, estimulantes do tipo anfetamina e Novas Substâncias Psicoativas (NSP), incluindo seus impactos na saúde humana. Consta também desse relatório que grande parte de pessoas na África, América do Sul e Central que se encontram em tratamento de transtornos mentais estão associadas ao consumo da cannabis (UNODC, 2022).

Para a Organização Mundial de Saúde (WHO) o tipo de substância, seja ela natural ou sintética, ou ainda a forma de ser administrada, não preocupa seus usuários. Pode ser uma substância ingerida, inalada ou injetável, contanto que esse usuário alcance seu principal objetivo, que é ser levado aos efeitos que agem no Sistema Nervoso Central (SNC), efeitos que alteram sua “senso-percepção, cognição, consciência e humor” (Teixeira, 2019, p.22).

Uma vez que toda substância psicoativa ocasiona dependência e diferentes alterações no organismo humano, por afetar suas estruturas orgânicas e modificar o comportamento da pessoa, os prejuízos à capacidade cerebral do indivíduo ocorrem conforme “(…) as características individuais, emocionais e físicas de seu usuário, da droga escolhida, da quantidade, frequência no uso e circunstâncias em que é consumida” (Alvarez, Gomez e Xavier, 2014, p.642).

Alarcon (2012) descreve a existência de três tipos de classificação para os psicotrópicos, segundo: 1. os efeitos farmacológicos no Sistema Nervoso Central (SNC) e no comportamento do usuário; 2. de acordo com a origem da droga, e por fim, outra, 3. de acordo com o estatuto jurídico, como apresentadas no quadro 1.

Quadro 1 – Classificação das substâncias psicoativas e efeitos no SNC

Tipo de substâncias Efeitos no SNC Substâncias
Drogas depressoras diminuem a atividade cerebral álcool.
soníferos e/ou hipnóticos, que são barbitúricos (fenobarbital, fenitoína, etc.).
os ansiolíticos, como os benzodiazepínicos (diazepam, bromazepam, lorazepam, etc.).
os opiáceos ou narcóticos, para o alívio da tensão e dar sonolência, como a morfina e seus derivados (heroína, codeína, meperidina, etc).
os inalantes ou solventes, como as colas, tintas e removedores.
Drogas estimulantes Aumentam a atividade cerebral cocaína, anfetaminas e derivados (incluindo medicação para emagrecimento) e o tabaco.
Drogas perturbadoras Modificam a qualidade do funcionamento cerebral alucinógenos, como a mescalina (cacto mexicano), a maconha ou THC (tetrahidrocanabinol), a psilocibina (cogumelos), o lírio (trombeteira, zabumba ou saia branca), o LSD, o ecstasy e os anticolinérgicos.

Fonte: Elaborado pelo autor com base em ALARCON (2012, p. 105).

Rocha et al. (2019, apud Teixeira, 2019, p.20), mencionam os sintomas descritos no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), entre eles: “(…) irritabilidade, ansiedade, estresse emocional, distúrbio de sono, disforia, comportamentos agressivos e fissura, associados a alterações neuroadaptativas do estresse e nos circuitos de recompensa do cérebro” (…), e que tais efeitos devem receber o tratamento medicamentoso adequado, para serem reduzidos.

De acordo com o DSM-5 (APA, 2014, p. 482), as substâncias psicoativas subdividem-se em diversas categorias: “álcool, alucinógenos, anfetaminas, maconha, cafeína, cocaína, inalantes, nicotina, opióides, sedativos, hipnóticos e ansiolíticos”. Classificam-se conforme a origem de cada substância, como demonstra o quadro 2.

Quadro 2 – Substâncias psicoativas conforme origem

Drogas Depressoras Estimulantes Perturbadoras
Naturais Álcool; opiáceos Cocaina, cafeína, nicotina Maconha, Ayahuasca, cogumelo
Sintéticas Ansiolóticos/sedativos; inalantes Anfetaminas LSD; Ecstasy

Fonte: ALARCON (2012, p. 105).

Teixeira (2019) explica que o fato de algumas substâncias serem consideradas naturais se deve à sua composição psicoativa ser próxima à sua origem vegetal, isto é, de mistura e concentração baixas.

2.2. EFEITOS DAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

A drogadição tem representado preocupação para todas as esferas da sociedade, seja a sociedade civil, governantes, educadores e/ou religiosos, já que, na perspectiva social, há uma “marginalização e exclusão” dessas pessoas, relativamente aos ambientes e atividades comuns a todos os indivíduos, pois são pessoas que “costumam ser associadas à periculosidade, irresponsabilidade civil e ao ócio”, como explicam MacRAE e Vidal (2006, apud Cardoso e Cunha, 2011, p.77).

Sob a ótica médica, o uso de substâncias psicotrópicas leva a um padrão de comportamento considerado patológico, já que os efeitos produzidos na mente do usuário ocasionam o desenvolvimento de problemas físicos, mentais e comportamentais, e mesmo assim, essas pessoas não conseguem parar (Khan, 2022).

Todas as Substâncias Psicoativas (SPA) têm em comum “a ativação direta do sistema de recompensa do cérebro”, que trabalha o reforço de comportamentos e produção de memórias (APA, 2014, p. 481).  Tais substâncias podem ocasionar dois tipos de transtornos para seus usuários: “transtornos por uso de substância e transtornos induzidos por substância”.

Rosa (2013) refere que um grande número de músicos conhecidos mundialmente produziu a maioria de suas letras e canções sob o uso de substâncias psicoativas, entre eles, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Kurt Cobain, Amy Winehouse, pessoas cujas vidas foram abreviadas como consequência do uso abusivo de psicotrópicos sintéticos.

Segundo o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) (APA, 2014), há classes distintas de drogas que ocasionam transtornos mentais aos indivíduos, levando seus usuários aos tratamentos psiquiátricos necessários à sua recuperação. A abstinência, que é a redução e/ou interrupção no uso de tais substâncias, ocasiona a ocorrência de crises físicas e emocionais, devido às alterações nas reações físicas e comportamentais do indivíduo, como explicam Alvarez, Gomez e Xavier (2014). Os autores referem que os usuários de SPA passam a não mais conseguirem viver e conviver no cotidiano sem utilizar as drogas, por acreditarem que são úteis ao enfrentamento de suas dificuldades diárias.

Outros detalhes importantes destacados no DSM-5 (APA, 2014) referem a classificação dos transtornos que podem surgir no dependente químico, já que todos os tipos de substâncias ativam o sistema cerebral de recompensas; que a ativação constante e intensa do sistema de recompensas faz com que o indivíduo deixe de apresentar comportamentos adaptativos naturais para cada situação, devido à sensação imediata de prazer ocasionada pelas substâncias consumidas. São efeitos conhecidos, popularmente, como “barato ou viagem”.

O Relatório Mundial de Drogas divulgado em 2017 pelo escritório norte-americano da United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC) apontou em 2015 que aproximadamente 250 milhões de pessoas se utilizam de drogas lícitas e/ou ilícitas a nível mundial, sendo que 29,5 milhões delas (0,6%) é composta de adultos que desenvolveram transtornos mentais devido ao uso de substâncias psicoativas (Teixeira, 2019).

Há vários aspectos a serem considerados para colaborar no tratamento da dependência química, incluindo a participação da família. Contudo, é fato que os familiares também precisam de suporte e orientação, para que a efetividade do tratamento seja alcançada. Alvarez, Gomez e Xavier (2014, p. 642) defendem que a “formação da própria personalidade, enquanto base em que se incorporam padrões de comportamento, crenças, costumes, experiências e vínculos sociais”, evidencia a importância dessa participação, já que é dentro da família que as pessoas se desenvolvem.

A intensidade das reações de cada indivíduo está relacionada aos índices individuais de tolerância às substâncias consumidas (APA, 2014). Por sua vez, a interrupção abrupta no consumo de determinada substância, por exemplo como a cannabis, permite surgirem sintomas como “irritabilidade, raiva ou agressividade, ansiedade, humor deprimido, inquietação, dificuldade em dormir e redução do apetita ou perda de peso”, como define o DSM-5 (APA, 2014, p.511).

2.3. MUSICOTERAPIA (MT) E SUAS PRÁTICAS

Segundo Gimenes (2021), a Musicoterapia está entre a ciência e a arte, permitindo que o desenvolvimento do ser humano seja trabalhado em todos os aspectos, enriquecendo-o, devido ao fato de a música agir nas emoções do indivíduo, uma vez que corpo e mente são demonstrados pela expressividade e criatividade do indivíduo.  A Musicoterapia surge no pós 2ª. guerra mundial, por ter sido utilizada por músicos em hospitais de reabilitação que atendiam os soldados egressos em recuperação física e que apresentavam abalos emocionais (Figueiredo e Amorim, 2020).

Para Weigsding e Barbosa (2015, p.47) “a musicoterapia tem uma extensa representação neuropsicológica, com acesso direto à afetividade, controle de impulsos, de emoções e motivação”. Para estes autores, a música promove a estimulação da memória não verbal, levando o indivíduo a acessar suas funções cerebrais onde se armazenam os símbolos que foram ali organizados ao longo de sua existência, estimulando a pessoa a desenvolver sua capacidade de reter e memorizar fatos, situações e sentimentos.

Já Fernandes et al. (2016, p.30) definem que “a arte é um dispositivo favorável à produção de subjetividades, expressão do inconsciente (afetos e emoções reprimidas) e fortalecimento da autoestima e confiança por meio do uso das potencialidades individuais desveladas durante as atividades”.

O uso de substâncias psicoativas era tratado, historicamente, sob a ótica médica e psiquiátrica, no qual inseriu-se, lentamente, a Arteterapia, cujo olhar é voltado para o indivíduo e não apenas para sua doença, e que engloba a música, pintura, teatro, desenho, grafite, leitura, etc., foi sendo adotado como atividade complementar ao tratamento medicamentoso. O uso da música junto a pacientes em recuperação das drogas colabora para que possam expressar-se por meios não verbais, externando seus “sentimentos, sonhos, desejos, fantasmas, conflitos, etc.”, ou seja, permitindo que essas pessoas vivenciem pequenas conquistas emocionais, e recuperem sua esperança para viver e superar sua dependência (Lopes et al., 2016, p.21).

Zanini (2004) explica que a ligação entre as diferentes áreas de conhecimento, utilização de imagens, símbolos e linguagens nascem das pesquisas realizadas pelos novos campos do saber e das diferentes áreas científicas. A autora destaca que enquanto a Musicoterapia (MT) surge como ciência emergente na década de 1980, e, portanto, muito recente, a interdisciplinaridade entre as diversas áreas das ciências humanas, exatas e sociais já existe desde a década de 1960.

Para Barcellos (1992, p.41, apud Zanini, 2004, p.5), a Musicoterapia se constitui em elemento facilitador da “comunicação com os pacientes, como ponto de referência ou parâmetro com a realidade”.  Devido aos benefícios promovidos pela Musicoterapia em hospitais norte-americanos, a National Association for Music Therapy (NAMT) criou o curso de graduação nessa área, que passou a ser reconhecida como uma nova profissão, a partir de 1950 (Figueiredo e Amorim, 2020).

No que se refere à aplicabilidade da Musicoterapia (MT) em Saúde Mental, como tratamento complementar aos tratamentos farmacológicos e/ou convencionais, ela colabora para a diminuição de sintomas como “ansiedade, depressão e raiva”, ao mesmo tempo em que promove a melhoria nos sentimentos como “prazer e felicidade” do paciente (Teixeira, 2019, p.21). A autora reporta que o usuário, ao vivenciar o processo de abstinência de dependência química apresenta sintomas comuns às demais drogas, entre eles ansiedade, depressão e manias e/ou hipomanias.

Tais processos sintomáticos podem ser trabalhados por meio de atividades em grupo. Fernandes et al. (2016) explicam que as artes, como a musicoterapia, ludoterapia, a terapia com dança e com desenho e pintura, promovem efeitos favoráveis à reabilitação, permitindo que os dependentes químicos participantes de grupos terapêuticos possam relaxar, criar vínculos dentro desses grupos, e com isso, possam expressar seus sentimentos, levando-os à maior espontaneidade dentro das oficinas terapêuticas, por meio da criação de vínculos com os demais.

Tais meios de expressão artística levam esses pacientes a vivenciarem experiências sensoriais e motoras sincronizadas, visando “redução do estresse e ansiedade, e ainda melhorias no humor, autoestima, motivação, expressão emocional e coesão social” (Teixeira, 2019, p. 21).

Pedrosa (2023, p.17) refere a constatação de “melhorias em aspectos como assiduidade, atenção, pensamentos positivos, memória imediata, memória em curto prazo, memória em longo prazo e percepção motora dos pacientes”, foram observadas em estudos realizados por diferentes musicistas, os quais teceram considerações sobre os benefícios observados em grupos de pacientes dependentes químicos e/ou portadores de transtornos adquiridos pelo uso de substâncias.

Fernandes et al. (2016, p. 32) referem que a Musicoterapia clínica inclui “análise lírica, treinamento de relaxamento, composição musical, jogos e música de improvisação baseadas em emoções ou outros temas relevantes para o tratamento”. A utilização da música em terapias convencionais visa permitir que os pacientes consigam criar um elo entre suas emoções e necessidades, parte das quais podem ser mais difíceis de serem expressadas apenas em conversas com um/a psicólogo/a e/ou assistente social; colabora também como forma de motivar os pacientes a participarem do tratamento, promovendo seu envolvimento, de forma que os drogadictos possam deixar aflorar seus sentimentos e transmiti-los, driblando as barreiras que impeçam sua recuperação (Fernandes et al., 2016).

2.4. O PAPEL DO MUSICOTERAPEUTA

Existem associações das práticas de MT a diversas áreas do cuidado com os indivíduos, como por exemplo à Fonoaudiologia, Neurociência, Enfermagem e Fisioterapia (Gimenes, 2021). Enquanto comunicação não verbal, a música é uma composição que, sendo apenas uma canção ou tendo uma letra ela permite que um indivíduo expresse elementos importantes da construção de sua identidade, os conflitos vividos, traumas e anseios, entre outras informações que ajudam a pessoa a se expressar.

Figueiredo e Amorim (2020, p.2) referem que a Musicoterapia é “uma intervenção que utiliza a música e seus elementos, por uma pessoa qualificada, para promoção da aprendizagem, aquisição de novas habilidades, a fim de proporcionar melhor qualidade de vida. Pode ser aplicada como prevenção, reabilitação ou tratamento”, como definiu a Federação Mundial de Musicoterapia em 1996.

A terapia por meio da Musicoterapia consiste em um misto de ciência recém-surgida aliada às Ciências Humanas e às da Saúde, tendo em vista que a música facilita a comunicação entre o paciente e seu terapeuta, por transmitir, na maioria das vezes, desajustes, lacunas e omissões existentes, e a forma como tais questões estão interligadas, sem que esse paciente expresse verbalmente tais problemas. A autora defende que “é no horizonte melódico entoado pelo paciente que informações são reveladas e se tornam concretudes pontuadas e aplicadas através de técnicas” (Rosa, 2013, p.15).

É extensa a aplicabilidade da MT para diferentes faixas etárias, como é o caso da população idosa e os portadores de Alzheimer, Parkinson, hipertensão arterial, alterações musculares e até mesmo em casos de Acidente Vascular Cerebral (AVC); doenças renais, etc.; para crianças e adolescentes a Musicoterapia aplica-se a casos como as “síndromes respiratórias e quadros de infecção neonatal; casos de autismo, casos de paralisia cerebral, e ainda, no desenvolvimento da linguagem expressiva e motricidade orofacial” (Gimenes, 2021, p.33). No que se refere às questões que envolvem os aspectos emocional, psicológico e/ou psíquico, a Musicoterapia colabora em casos como depressão, transtornos de ansiedade e de estresse, entre outras doenças psíquicas.

Segundo definição dada pela World Federation of Music Therapy (WFMT), a Musicoterapia é considerada um caminho para o bem-estar das pessoas, influenciando sua qualidade de vida e de sua saúde, sendo importante também para a perspectiva educacional.  Kenneth Bruscia, teórico norte-americano especialista em Musicoterapia, defende a importância da música para os processos de reabilitação e tratamentos relacionados aos aspectos físicos, sociais e emocionais, e na promoção da saúde e qualidade de vida dos indivíduos (Bruscia, 2016, apud Gimenes, 2021).

3. CONCLUSÃO

Entre as obras e autores selecionados para a escrita do presente artigo, é senso comum que o uso da Musicoterapia, entre as outras formas de Arteterapia, enquanto tratamento complementar às terapias medicamentosas é fato recente, porém, altamente significativo para os indivíduos em recuperação do uso de substâncias psicoativas, e daqueles que desenvolveram transtornos psiquiátricos inerentes a esse uso.

O envolvimento com a música permite às pessoas a percepção de sentimentos, memórias e reações positivas, levando a sentimentos de pertencimento, de alegria e até mesmo felicidade, pelas sensações ocasionadas pela musicalização.

REFERÊNCIAS

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TEIXEIRA, Andressa Toledo. Musicoterapia receptiva com a Mesa Lira no período de desintoxicação em dependentes químicos: estudo randomizado controlado. Monografia [Mestrado em Música] apresentada ao Programa de Pós-graduação em Música da Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás.  Goiânia. 2019. Disponível em: <https://ubammusicoterapia.com.br/wp-content/uploads/2022/08/Dissertacao-Andressa-Toledo-Teixeira-2019.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2023.

UNODC – Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Relatório Mundial sobre Drogas 2022 do UNODC destaca as tendências da pós-legalização da cannabis, os impactos ambientais das drogas ilícitas e o uso de drogas por mulheres e jovens. 2022. Disponível em: <https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/frontpage/2022/06/relatorio-mundial-sobre-drogas-2022-do-unodc-destaca-as-tendencias-da-pos-legalizacao-da-cannabis-os-impactos-ambientais-das-drogas-ilicitas-e-o-uso-de-drogas-por-mulheres-e-jovens.html>. Acesso em: 09 ago. 2023.

WEIGSDING, Jessica Adriane; BARBOSA, Carmem Patrícia. A influência da música no comportamento humano. Arquivos do Mudi, vol. 18, n. 2, p. 47-62, 22 jan. 2015. Disponível em: <https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ArqMudi/article/view/25137>. Acesso em: 10 jul. 2023.

ZANINI, Claudia Regina de Oliveira. Musicoterapia e Saúde Mental: um longo percurso. [In]: VALLADARES, Ana Claudia Afonso (Org.). Arteterapia no novo paradigma de atenção em saúde mental. São Paulo: Vetor, 2004. p.181-203. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/228601788_MUSICOTERAPIA_E_SAUDE_MENTAL_-_UM_LONGO_PERCURSO>. Acesso em: 10 jul. 2023.

[1] Graduado em Educação Artística pela UFMT. ORCID: https://orcid.org/0009-0006-1694-346X.

Enviado: 28 de agosto, 2023.

Aprovado: 1 de setembro, 2023.

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Ricardo Martins Nepomuceno

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