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O gerenciamento de risco da fadiga nas operações aéreas

RC: 146200
266
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-aeronauticas/operacoes-aereas

CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

MIGNONI JÚNIOR, Larri Antonio [1], LUCAS, Ivone Aparecida [2]

MIGNONI JÚNIOR, Larri Antonio. LUCAS, Ivone Aparecida. O gerenciamento de risco da fadiga nas operações aéreas. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 06, Vol. 05, pp. 42-57. Junho de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-aeronauticas/operacoes-aereas, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-aeronauticas/operacoes-aereas

RESUMO

A fadiga representa entre 15% e 20% como fator principal em acidentes causados por falha humana. A crescente procura anual pelo transporte aéreo têm se tornado uma preocupação nessa atividade 24/7, pois a tripulação acaba sendo submetida a uma jornada de trabalho irregular, para que se atenda toda essa demanda. As regulamentações atuais limitam a jornada de trabalho de uma tripulação, minimizando os riscos da fadiga, porém não os eliminam. Estudos científicos revelam que existem vários fatores contribuintes que levam uma tripulação à fadiga, quebrando antigos paradigmas de que a fadiga era decorrente apenas de um acúmulo linear de horas de trabalho. Através dos resultados obtidos por essas pesquisas científicas é criado e apresentado uma nova ferramenta de apoio, que tem como principal objetivo mitigar os efeitos relacionados à fadiga, elevando o estado de alerta da tripulação para que possam operar em um nível de desempenho satisfatório. Este trabalho teve como objetivo, através de uma revisão de literatura, expor os riscos relacionados à fadiga dentro das operações aéreas e apresentar o sistema de gerenciamento de risco da fadiga como uma alavanca competitiva de forma a alcançar um equilíbrio entre segurança e produtividade.

Palavras-chave: Segurança, Pilotos, Estratégias, Fadiga.

1. INTRODUÇÃO

O ser humano, por sua própria natureza, comete erros. Portanto, não é surpresa que 70% a 80% dos acidentes aéreos fatais são causados por falha humana (WIEGMANN; SHAPPEL, 2001). A fadiga representa algo entre 15% e 20% do total dessa taxa (AKERSTEDT et al., 2003), sendo considerada pela International Civil Aviation Organization (ICAO, 2011) como o principal fator humano de perigo, pois afeta a maioria dos aspectos da capacidade de um membro da tripulação para realizar o seu trabalho.

Gerenciar riscos à segurança, associados à fadiga em um ambiente de trabalho, exige uma definição clara de fadiga. De acordo com a ICAO (2011), a fadiga é definida como:

Um estado fisiológico de redução da capacidade de desempenho mental ou física resultante de perda de sono ou longo tempo sem dormir, fase circadiana, ou carga de trabalho (atividade mental e/ou física) que pode prejudicar o estado de alerta de um membro da tripulação e a capacidade de operar com segurança uma aeronave ou desempenhar funções relacionadas com a segurança. (tradução nossa). (p. 1-1)

A Federal Aviation Administration (FAA, 2013) define a fadiga como um estado complexo, caracterizado por uma falta de atenção e redução do desempenho físico e mental, muitas vezes acompanhada de sonolência. São observadas mudanças em muitos aspectos do desempenho, incluindo aumento do tempo de reação, lapsos de atenção, velocidade reduzida de tarefas cognitivas, redução da consciência situacional, e redução da motivação.

Existem muitos fatores que levam ao desenvolvimento da fadiga: a hora do dia em que é cumprido o serviço, perda de sono antes do início do trabalho e longos períodos de vigília durante o dia de trabalho (AKERSTEDT et al., 2003). Estudos mostram que a perda de sono produz deficiências psicomotoras equivalentes as provocadas pelo consumo de álcool igual ou superior ao limite legal. Ficar sem dormir acima de 16 horas diurnas contínuas, pode levar a um déficit do desempenho psicomotor para níveis equivalentes entre 0,05% e 0,1% de álcool no sangue (DURMER; DINGES, 2005).

Baseado em análises de acidentes, a National Transportation Safety Board (NTSB) recomendou que a FAA inclua no código de regulamentação federal, como parte de treinamento, um programa para educar os pilotos sobre as prejudiciais consequências da fadiga e estratégias para evitá-la e conter seus efeitos (NASA, 2002). Ainda segundo pesquisas da NASA (2002), 61% dos pilotos descreveram que fadiga da tripulação é uma ocorrência comum em operações regionais. Além disso, 85% classificaram a fadiga como uma questão de segurança moderada ou grave quando ela ocorre. Quase três quarto (71%) admitiu ter cochilado em algum momento durante o voo.

É preciso desenvolver estratégias de gerenciamento de risco para reduzir o efeito negativo associado à fadiga humana dentro das operações aéreas. Esse risco precisa ser tratado por um sistema de proteção para os usuários e todos os envolvidos. Uma vez que o objetivo final de uma empresa é a produção de produtos ou serviços, os objetivos de produção e proteção devem ser equilibrados. Esse equilíbrio é frágil, pois muita produção pode comprometer a segurança e muita segurança pode comprometer o desempenho financeiro da empresa (STOLZER; HALFORD; GOGLIA, 2011).

2. CENÁRIO ATUAL

A indústria do transporte aéreo é um dos setores que mais cresce atualmente no cenário global. A ICAO (2023) estimou um aumento de 47% no número de passageiros transportados em 2022 comparado a 2021, enquanto passageiro-quilômetros transportado (RPK) teve um aumento de cerca de 70% no mesmo período. Isso mostra uma rápida recuperação do setor de transporte aéreo pós pandemia da COVID-19. Em termos de receita anual, a ICAO (2023) estimou um crescimento de 50% entre 2021 e 2022. Segundo a International Air Transport Association (IATA, 2017), o mercado de transporte aéreo no Brasil é estimado um crescimento de 105% nos próximos 20 anos, resultando em um adicional de 106 milhões de passageiros até 2037.

Para que se atenda essa crescente demanda, a tripulação acaba sendo submetida a uma jornada de trabalho irregular, representando um grande risco para a segurança do voo.  A National Business Aviation Association (NBAA, 2019) observou que “algumas viagens longas podem manter a tripulação acordada por mais de 20 horas, enquanto viagens rápidas e com várias etapas podem ser fisicamente exaustivas” (tradução nossa).

É importante destacar que, dentro do contexto da aviação, segurança é o estado em que a possibilidade de danos às pessoas ou propriedades seja reduzida e mantida em, ou abaixo de, um nível aceitável através de um processo contínuo de identificação de perigos e gerenciamento de riscos (ICAO, 2011).

No Início da aviação, fadiga era vista, primeiramente, em função do tempo total de voo e da intensidade da carga de trabalho (WIENER; NAGEL, 1988).

A abordagem do tradicional regulamento, para gerenciar a fadiga do tripulante, tem sido a fixação de limites máximos de horas de serviços e voos diários, mensais e anuais, exigindo pausas mínimas dentro e entre períodos de serviço (ICAO, 2011).

De acordo com FAA (2013), às regulamentações convencionais, seguindo esse modelo, reduzem, mas não eliminam as condições que contribuem para a fadiga. São baseados no pressuposto de que a fadiga se acumula de forma linear e não consideram as interações da perda do sono e o ritmo circadiano.

A ICAO (2011) descreve esse paradigma como vindo de uma longa história de limites de horas de trabalho que remontam à revolução industrial.

Há uma notável concordância nas evidências científicas sobre os parâmetros do sono e o estado de alerta em relação às operações aéreas. Tal é este consentimento que os principais cientistas têm formulado um documento com recomendações gerais sobre a forma como esses parâmetros devem ser levados em conta na elaboração de regulamentos (AKERSTEDT et al., 2003).

Surge então, recentemente, o conceito Fatigue Risk Management Systems (FRMS) que contém recomendações para o gerenciamento de risco da fadiga humana em operações aéreas. “O FRMS procura alcançar um equilíbrio realista entre a segurança, produtividade e custos” (ICAO, 2011).

A European Organisation for the Safety of Air Navigation (EUROCONTROL, 2012) relatou que, atualmente, as empresas aéreas desejam usar o FRMS como um meio de aumentar a segurança enquanto ampliam seus negócios. Nesse mercado extremamente competitivo, existem poucas alavancas competitivas a disposição da empresa. O gerenciamento de alerta ocupacional é um dos poucos que oferece melhoria da segurança e da empresa juntos.

As primeiras empresas aéreas a adotarem esse sistema de gerenciamento de risco da fadiga foram a Air New Zealand e a EasyJet. Ao redor do mundo, algumas das maiores e mais competitivas companhias aéreas estão explorando e adotando o FRMS dentro de suas operações. Há, também, uma grande quantidade de empresas planejando implementar esse sistema como a Delta, Continental-United, US Air, Malaysia, Qantas. Emirates, GOL (Brasil), LAN (Chile e Argentina), Etihad e DHL. “Este novo conceito é particularmente relevante na indústria da aviação, que é a única na combinação de operações 24/7 com voo transmeridiano” (ICAO, 2011).

3. O RITMO CIRCADIANO

Para uma melhor análise é importante saber que, nos seres humanos, o ritmo circadiano é a alteração comportamental e fisiológica diária em uma pessoa. Essas alterações são controladas por um relógio biológico localizado no cérebro (FAA, 2013).  É uma antiga adaptação à vida durante as 24 horas do dia produzido pela rotação da terra.

Portanto, dormir à noite não é apenas um acordo social. Isto é programado pelo relógio biológico circadiano. Mesmo os tipos muito antigos de organismos vivos têm algo equivalente, o que significa que o relógio biológico circadiano existe em torno de vários bilhões de anos (ICAO, 2011).

Através desse relógio biológico são coordenados diariamente ciclos de: dormir ou acordar, temperatura, digestão, desempenho, hormônios etc. Sem qualquer informação do ambiente, o dia biológico é de aproximadamente 24 horas. Desde o início da revolução industrial, temos desenvolvido um ambiente cultural no qual existe uma pressão cada vez maior para operações e serviços em torno do tempo. A suposição oportuna de que podemos e executamos funções igualmente em qualquer hora do dia ou noite subjazem muitas atividades em nossa sociedade (ROSEKIND et al., 2002).

Segundo Akerstedt et al. (2003), estudos científicos mostram que os trabalhos noturnos são especialmente vulneráveis a severa fadiga. Quanto mais estender esse período de trabalho, maior será a pressão provocada pelo sono. Há fortes indícios de tripulantes caírem no sono, voluntariamente ou involuntariamente, na cabine do avião.

A explicação para isso é a produção de um hormônio, conhecido como melatonina, produzido pela glândula pineal localizada no encéfalo, atrás do cérebro. Essa glândula tem um ritmo circadiano, sendo inibida pela luz e ativada no escuro. Assim, a concentração do hormônio melatonina aumenta à noite e diminui de dia (RAW; KRASILCHIK; MENNUCCI, 2001). Nos seres humanos, o sono começa com o aumento da melatonina e, consequentemente, a redução da temperatura corporal (RAJARATNAM; ARENDT, 2001).

Existem dois períodos de sonolência máxima durante as 24 horas do dia em que há um aumento de produção da melatonina e a redução da temperatura corporal. De acordo com Rosekind et al. (2002), entre 3am e 5am há um baixo ponto de temperatura, desempenho e estado de alerta (Figura 1). Durante esse tempo, o cérebro desencadeia o sono e a sonolência. Outro período de sonolência está aproximadamente entre 3pm e 5pm. Essas janelas podem ser utilizadas para programar um período de sono ou cochilo, pois o cérebro proporciona uma maior oportunidade para o sono.

A maioria das pessoas experimenta uma onda de sonolência durante a tarde, porém, de acordo com Rajaratnam e Arendt (2001), o aumento de acidentes no período da tarde é pequeno em comparação ao aumento de acidentes noturno.

Segundo Rosekind et al. (2002), de um modo geral, os seres humanos são fisiologicamente programados para estarem acordados durante o dia e dormirem durante a noite.

Segundo a Transport Canada (2007), é possível concluir que o ritmo circadiano influencia na quantidade e qualidade do sono. Por exemplo, o sono obtido durante o dia é mais pobre em qualidade em comparação ao sono adquirido durante a noite, quando o corpo está programado para dormir.

Figura 1 – Ritmo Circadiano de concentração de Melatonina (A), temperatura corporal (B), estado de alerta (C) e tempo de reação (D)

Ritmo Circadiano de concentração de Melatonina (A), temperatura corporal (B), estado de alerta (C) e tempo de reação (D).
Fonte: Rajaratnam; Arendt (2001).

 

4. PERDA DO SONO OU LONGO TEMPO SEM DORMIR          

A perda de sono ou longo tempo sem dormir está cada vez mais comum na sociedade moderna devido a uma grande variedade de fatores, incluindo condições médicas, distúrbio do sono, demandas de trabalho e responsabilidades sociais e domésticas (DURMER; DINGES, 2005).

Sono reduzido ou degradado pode significadamente diminuir ou prejudicar o desempenho e estado de alerta. A perda de sono afeta todo aspecto da performance humana, incluindo a memória, vigilância, tomada de decisão, humor, tempo de reação, além do aumento de erros e redução da motivação e relaxamento. Não há um consenso sobre a extensão do prejuízo resultante de uma determinada quantidade de perda de sono (NERI; DINGES; ROSEKIND, 1997; RAJARATNAM; ARENDT, 2001).

De acordo com Rajaratnam e Arendt (2001), com a crescente demanda econômica e social, nós estamos nos envolvendo cada vez mais em uma sociedade 24-h. Cerca de 20% da população trabalham fora do horário regular, ficando evidente que a perda de sono é a consequência imediata mais importante do trabalho noturno.

Neri, Dinges e Rosekind (1997) relataram que o sono é uma função fisiológica vital, tão crítico para sobrevivência humana quanto alimentos, água e oxigênio. É muito difícil de privar dessas necessidades fisiológicas básicas.

Para Akerstedt et al. (2003), o sono é um estado de acentuada regeneração fisiológica. O tempo ideal de sono, para uma recuperação completa, está em torno de 8,5 horas, embora uma perda de 1 a 2 horas tem pouco efeito significativo sobre a fadiga ou desempenho. Um déficit acima de 2 horas resulta em um aumento da fadiga e redução no desempenho na maioria dos indivíduos.

No entanto, com o passar do tempo, a perda de sono pode desenvolver um débito de sono acumulado. Uma hora a menos do que é necessário para uma noite de sono durante 7 noites consecutivas, resultaria em um débito de sono acumulado de 7h, equivalente a uma noite de sono perdida no decorrer de uma semana (NERI; DINGES; ROSEKIND, 1997).

Além da perda do sono, outro fator contribuinte para a fadiga é o longo período sem dormir e, de acordo com Rajaratnam e Arendt (2001), após 17-19h de vigília contínua, ocorre um decréscimo no desempenho equivalente a, ou pior que, uma concentração de álcool no sangue equivalente a 0,05%. Acima de 20-25h de vigília, resultará em uma redução no desempenho equivalente a uma concentração de 0,1% de álcool no sangue (Figura 2).

Figura 2 – Comparação do efeito de concentração de álcool no sangue e horas de vigília no desempenho da tarefa

Comparação do efeito de concentração de álcool no sangue e horas de vigília no desempenho da tarefa.
Fonte: Rajaratnam; Arendt (2001).

A NASA (2002) afirma que não somente a quantidade de sono é importante, mas também a qualidade do sono. Se um indivíduo tem 8 horas de sono, porém tem o sono interrompido várias vezes, ao acordar a pessoa sente como se tivesse apenas poucas horas de sono. Efeitos como o de ambiente (barulho, temperatura, iluminação etc.), medicamentos e álcool podem interferir, reduzindo a quantidade e qualidade do sono. 

5. SÍNDROME DA MUDANÇA DE FUSO HORÁRIO OU JET LAG

Outro fator relevante a ser considerado é a ocorrência da síndrome da mudança de fuso, conhecida como Jet Lag, que é a passagem por vários fusos provocando um rompimento no Zeitgeber[3], ou seja, uma diacronia do organismo com um novo fuso. Após um voo transcontinental, não somente o relógio circadiano estará fora de sintonia com o Zeitgeber local, mas também funções fisiológicas estarão fora de sintonia uma com a outra. Porém, gradualmente, o relógio circadiano realiza uma nova sincronização dentro do novo fuso. (ROSEKIND et al., 2002).

Os sintomas da Jet Lag incluem cansaço diurno, dificuldades para dormir à noite (após voos para o leste) ou despertar precocemente (após voos para o oeste), perturbação do sono noturno, vigilância ou desempenho diurnos prejudicados, problemas gastrointestinais, perda de apetite e horário inapropriado para as necessidades fisiológicas (RAJARATNAM; ARENDT, 2001).

De acordo com a ICAO (2011), quanto maior o número de fusos atravessados, maior será o tempo que o organismo levará para se adaptar ao novo ambiente. Todavia, a situação que a tripulação experimenta é diferente dos passageiros que, na maioria das vezes, planejam gastar um tempo maior no destino, adaptando-se completamente no novo fuso. De acordo com a NASA (2001), membros de uma tripulação não ficam tempo suficiente em um novo fuso para que o relógio circadiano sincronize com o novo horário. Geralmente, escalas em cada destino variam entre 1 e 2 dias. Após, os tripulantes são convocados a realizarem um voo de regresso para o local de origem, seguido de um retorno para a sua cidade de origem.

Ainda segundo a ICAO (2011), o grau de adaptação não depende somente do número de fusos horários cruzados, mas da direção do voo (mais rápido após voos para o oeste) e o quanto o relógio biológico é exposto às 24h do novo fuso (luz do dia, dormir e acordar no horário local etc.).

6. O SISTEMA DE GERENCIAMENTO DO RISCO DA FADIGA

A abordagem do FRMS é projetada para aplicar estes novos conhecimentos da ciência da fadiga e ciência da segurança. Destina-se a fornecer um equivalente, ou reforçado, nível de segurança, além de oferecer maior flexibilidade operacional (ICAO, 2011).

A EUROCONTROL (2012) descreve o FRMS como uma alternativa para o uso de regras prescritivas quando gerenciando riscos, que são uma consequência de uma redução do estado de alerta quando em serviço.

Para a FAA (2013), estruturalmente, um FRMS é composto de processos e procedimentos para medição, modelagem, gerenciamento, mitigação e reavaliação do risco da fadiga em um ambiente operacional específico. É mais do que uma coleção de ferramentas, é um processo de gestão baseado nas políticas e procedimentos organizacionais que implementam uma abordagem de sistemas para gerenciamento de fadiga. De um modo geral, um FRMS oferece um meio de conduzir voos mais seguros dentro dos limites da regulamentação.

“Um FRMS visa garantir que os membros da tripulação de um voo estejam suficientemente alerta para que possam operar em um nível de desempenho satisfatório” (ICAO, 2011).

Ainda para a ICAO (2011), as principais atividades são o gerenciamento de risco da segurança e a garantia da segurança. Essas atividades são regidas por uma política de FRMS e apoiados por processos de promoção de FRMS, e o sistema deve ser documentado.

Além disso, o FRMS deve ser projetado para alcançar um equilíbrio realista entre segurança e produtividade.

O FRMS conta com um conceito eficaz de cultura de relatórios de segurança, onde a equipe foi treinada e constantemente incentivada a reportar os perigos, sempre que observados, no ambiente operacional. A fim de estimular a comunicação do risco da fadiga, o operador deve claramente distinguir entre:

a) Erros humanos não intencionais. São aceitos como parte normal do comportamento humano e são reconhecidos e gerenciados dentro do FRMS; e

b) Violações intencionais de regras e procedimentos. Um operador deve ter processos independentes do FRMS para lidar com o não cumprimento intencional.

A implementação de um FRMS pode ser feita em estágios. A ideia é ter uma série de passos gerenciáveis de modo que recursos e carga de trabalho possam ser alocados dentro de um período, ao invés de ter que ter tudo disponível antes que a implementação comece. Ter uma abordagem por etapas também é uma forma de gerenciar a complexidade da tarefa, concentrando-se em um passo de cada vez. Alguns operadores podem, portanto, optar por colocar apenas certas partes de suas operações sob um FRMS ou não implementar um FRMS em tudo (ICAO, 2011).

Segundo a ICAO (2011), cada operador precisa desenvolver um FRMS que seja apropriado para sua organização, operações e a natureza e nível do risco da fadiga. Portanto, de acordo com a FAA (2013), o FRMS oferece uma abordagem interativa e colaborativa com os níveis de desempenho e segurança em uma base caso a caso. Assim sendo, o FRMS permite que o titular do certificado adapte as políticas, procedimentos e práticas para as condições específicas que criam fadiga em uma operação particular.

De acordo com a Transport Canada (2007), o sucesso na implantação depende do treinamento, considerado como um componente essencial em um sistema de gerenciamento de risco da fadiga.

Ainda segundo a Transport Canada (2007), para que o treinamento alcance seus objetivos, é preciso observar:

Antes de projetar e implantar um programa de treinamento, uma organização deve determinar o nível e método de treinamento necessário. Por exemplo, se o gerenciamento de risco da fadiga é relativamente novo para a organização, pode ser necessário começar com um programa de treinamento básico sobre a fadiga e como controlá-la em um nível pessoal, isto é, uma introdução ao gerenciamento de fadiga. Uma organização que compreende o risco de fadiga pode optar por ir diretamente à instrução mais detalhada sobre as estratégias de gestão aplicadas.

No entanto, quando um FRMS não é implementado, permanece a responsabilidade do operador para gerenciar os riscos relacionados à fadiga por meio de seus processos de gestão de segurança existentes (ICAO, 2011).

7. VANTAGENS DO FRMS[4]

Existem muitas vantagens na implementação de um FRMS para todos, incluindo:

  • Reduções de Riscos: Uma organização com FRMS irá identificar perigos e reduzir riscos para todos os envolvidos.
  • Orientar todas as partes interessadas para o risco e comportamentos das pessoas fadigadas: Pessoal orientado a identificar se estão em risco e reconhecer sinais de fadiga em outras pessoas, tomando medidas para mitigar os efeitos da fadiga.
  • Ganho na produtividade, satisfação dos colaboradores e nos níveis de serviço ao cliente: FRMS pode aumentar a disponibilidade de trabalho e promover um maior engajamento da equipe levando a uma força de trabalho mais satisfatória e maior produção. Os custos diretos e indiretos com correções de erros são reduzidos completamente, aumentando os níveis de serviço ao cliente.
  • Aumento de flexibilidade: O FRMS dará ao pessoal da escala as ferramentas para ajustar os períodos de serviço ou, se for o caso, escolhendo quem irá ficar de sobre aviso de acordo com o menor nível de fadiga.
  • Baixo custo de implementação: Evidências mostram que, uma vez implementado, um FRMS pode oferecer um bom retorno sobre o investimento. Uma companhia aérea de baixo custo emprega cinco pessoas em sua equipe de FRMS gerando mais economia do que seu custo.

8. CONCLUSÃO

Esse estudo teórico permitiu aumentar o conhecimento sobre a fadiga como principal fator de perigo nos acidentes causados por falha humana, e sobre o risco da fadiga quando o piloto é submetido a uma jornada de trabalho irregular.

Através de dados estatísticos foi possível observar uma crescente demanda anual nas operações aéreas, ficando cada vez mais evidente a necessidade de se adotar medidas para mitigar os efeitos causados pela fadiga da tripulação.

Por meio de pesquisa, foi analisada uma nova e poderosa ferramenta de apoio no gerenciamento de risco da fadiga, o FRMS. Constatou-se, então, que esse sistema de gerenciamento tem baixo custo de implementação, com diversas vantagens, sendo uma delas o equilíbrio entre segurança, produtividade e custos. O FRMS é uma ótima ferramenta para as empresas aéreas que querem ampliar seus negócios e garantir a segurança de voo.

REFERÊNCIAS

AKERSTEDT, T. et al. Meeting to discuss the role of EU FTL legistation in reducing cumulative fatigue in civil aviation. European Transport Safety Council, 2003. Disponivel em: <https://www.eurocockpit.be/sites/default/files/Akerstedt-Mollard-Samel-Simons-Spencer-2003.pdf>. Acesso em: 26 abril 2023.

EUROCONTROL. Some Perspective on Fatigue Risk Management Systems, mar. 2012. Disponivel em: <https://www.skybrary.aero/sites/default/files/bookshelf/4595.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2023.

FEDERAL AVIATION ADMINISTRATION (FAA). Fatigue Risk Management Systems for Aviation Safety. Advisory Circular No. 120-103A, 06 maio 2013.

INTERNATIONAL AIR TRANSPORT ASSOCIATION (IATA). The Importance of Air Transport to Brazil, 2017. Disponível em: <https://www.iata.org/en/iata-repository/publications/economic-reports/brazil–value-of-aviation/>. Acesso em: 19 jun. 2023.

INTERNATIONAL CIVIL AVIATION ORGANIZATION (ICAO). Fatigue Risk Management Systems. Implementation Guide for Operators, jul. 2011. Disponivel em: <http://www.icao.int/safety/fatiguemanagement/frms%20tools/frms%20implementation%20guide%20for%20operators%20july%202011.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2023.

INTERNATIONAL CIVIL AVIATION ORGANIZATION (ICAO). ICAO Forecasts Complete and Sustainable Recovery and Growth of Air Passenger Demand In 2023, 8 fev. 2023. Disponível em: <https://www.icao.int/Newsroom/Pages/ICAO-forecasts-complete-and-sustainable-recovery-and-growth-of-air-passenger-demand-in-2023.aspx>. Acesso em: 06 jun. 2023.

NATIONAL BUSINESS AVIATION ASSOCIATION (NBAA). Business Aviation Insider: Understanding the Risks of Fatigue, 12 maio 2019. Disponível em: < https://nbaa.org/aircraft-operations/safety/human-factors/fatigue/understanding-risks-fatigue/>. Acesso em: 13 jun. 2023

NERI, D. F.; DINGES, D. F.; ROSEKIND, M. R. Sustained Carrier Operations: Sleep Loss, Performance, and Fatigue Countermeasures. Fatigue Countermeasures Program Flight Management and Human Factors Division. NASA Ames Research Center, 1997. Disponivel em: <http://www.nps.navy.mil/orfacpag/resumePages/projects/Fatigue/NeriDingesNimitz.pdf>. Acesso em: 07 maio 2014.

PFAFF, D. W. et al. Hormones, Brain and Behavior. San Diego: Academic Press, 2002.

RAJARATNAM, Shantha MW; ARENDT, Josephine. Health in 24-h Society. The Lancet. 2001. Disponivel em: <http://www.um.es/eubacteria/CL_SALUD_2.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2023.

RAW, I.; KRASILCHIK, M.; MENNUCCI, L. A Biologia e o Homem. São Paulo: Editora da Universadade de São Paulo, 2001.

ROSEKIND, M. R. et al. Crew Factors in Flight Operations XV: Alertness. Management in General Aviation. Education Module. NASA Ames Research Center, 2002. Disponivel em: <http://humanfactors.arc.nasa.gov/publications/B_Flight_Ops_XV_GAETM1.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2023.

STOLZER, A. J.; HALFORD, C.; GOGLIA, J. J. Implementing Safety Management Systems in Aviation. Farnham: CRC Press LLC, 28 jun. 2011.

TRANSPORT CANADA. Fatigue Risk Management System for the Canadian Aviation Industry. Developing and Implementing a Fatigue Risk Management System. 2007. Disponível em: <https://www.tc.gc.ca/eng/civilaviation/publications/TP14575-6041.htm>. Acesso em: 26 abr. 2023.

WIEGMANN, D. A.; SHAPPELL, S. A. A Human Error Analysis of Commercial Aviation Accidents. Using the Human Factors Analysis and Classification System (HFACS). Fev. 2001. Disponível em: <https://www.faa.gov/data_research/research/med_humanfacs/oamtechreports/2000s/media/0103.pdf>. Acesso em: 06 jun. 2023.

WIENER, E. L.; NAGEL, D. C. Human Factors in Aviation. San Diego: Academic Press, 1988.

APÊNDICE – REFERÊNCIA NOTA DE RODAPÉ

3. O termo Zeitgeber (doador de tempo em Alemão) refere-se as variáveis de ambiente que são capazes de agir como sugestões de tempo circadiano. O ciclo claro/escuro é o mais importante Zeitgeber, mas outros estímulos assim como atividade ou sono podem também funcionar como Zeitgeber. (PFAFF et. al., 2002, p.126).

4.  Tópico traduzido e adaptado de EUROCONTROL, 2012, p.9 et seq.

[1] Graduado em Administração de Empresas e Ciências Aeronáuticas. ORCID: 0009-0005-8818-6624. 

[2] Orientadora. ORCID: 0009-0009-6990-4618.

Enviado: 10 de maio, 2023.

Aprovado: 22 de junho, 2023.

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Larri Antonio Mignoni Júnior

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