ARTIGO DE REVISÃO
SUNAKOZAWA, Vitória Rossi [1], MATHIAS, Letícia Isabela Silva de [2], VIDOTTI, Márcia Zucchi [3]
SUNAKOZAWA, Vitória Rossi. MATHIAS, Letícia Isabela Silva de. VIDOTTI, Márcia Zucchi. Autismo: importância do diagnóstico precoce. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 09, Vol. 02, pp. 05-11. Setembro de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/diagnostico-precoce, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/diagnostico-precoce
RESUMO
O Transtorno do Espectro do Autismo – TEA, é uma condição de origem multifatorial que se expressa em diferentes níveis de intensidade e comorbidades associadas. Os indivíduos afetados apresentam déficits na linguagem, na comunicação interpessoal, restringem-se a comportamentos repetitivos, os quais, prejudicam sua interação com a sociedade e independência de vida. Os estudos de neuroimagem de comparativos dos indivíduos com TEA e os grupos controle apontam para uma disfunção progressiva na área do encéfalo responsável por promover a interação social. Dito isso, o presenta artigo realizado com base na metodologia de revisão bibliográfica, tem por objetivo compreender a necessidade do diagnóstico precoce, pois acredita-se que a intervenção precoce é a terapêutica ideal devido a neuroplasticidade do encéfalo em maior atividade principalmente na infância. Portanto, para o direcionamento terapêutico ideal contando com equipe multidisciplinar que promoverão maior estímulo à criança afetada deve-se realizar diagnóstico o mais cedo possível.
Palavras-chave: Autismo, diagnóstico precoce, neurodesenvolvimento.
1. INTRODUÇÃO
O autismo é um tema relativamente recente debatido na comunidade científica. As primeiras descrições de possíveis crianças com o quadro característico eram dotadas de caráter místico atribuído a contos dos povos sobre a “criança fada” (SCHWARTZMAN et. al., 2011). Na Europa do século XX este folclore percorria a memória do povo além de estar registrado nas histórias infantis. Acreditava-se que a criança original era raptada por fadas ou gnomos e que em seu lugar deixariam uma criança idêntica de aparência física, mas com diferenças de personalidade, notoriamente com o campo afetivo comprometido e curiosamente exclusivo de meninos (SCHWARTZMAN et. al., 2011).
O termo autismo surge pela primeira vez em um artigo publicado no Tratado de Psiquiatria em 1911 escrito por Eugen Bleuler e tem a origem etimológica grega do termo “auto”, que significa “si mesmo” ( GARRABÉ, 2012). A terminologia vem em substituição à Demência Precoce antes utilizada por Emil Kraepelin designando em um mesmo termo àqueles os quais apresentavam certo grau de deficiência intelectual e estariam enquadrados em um grupo de psicose esquizofrênica e que teriam características psicopatológicas comuns, como o isolamento social (GARRABÉ, 2012). No entanto, apesar da terminologia, apenas em 1973 Leo Kanner publicou estudos de caso com a semiologia do transtorno autístico (GARRABÉ, 2012).
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) antes englobado no transtorno do desenvolvimento (SADOCK et. al., 2017) é caracterizado por diferentes expressões fenotípicas que variam em sua intensidade, sinais e sintomas (SCHWARTZMAN et. al., 2011). No entanto, apresentam similaridades no que consiste em anormalidades em interações sociais interpessoais, padrões comunicativos, interesses e atividade em determinado assunto restritos, estereotipado e com repetições (OMG, 1997). Ademais, podem apresentar prejuízos no contato visual, na linguagem corporal, na inflexibilidade à rotina; sendo classificados de acordo com o nível de comprometimento das áreas afetadas (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014). Todos esses déficits geram dano à qualidade de vida do indivíduo portador, principalmente na sua independência social e nas relações ocupacionais (CAMINHA et al. 2016).
2. DESENVOLVIMENTO
A prevalência do TEA está aumentando de maneira universal (ROCHA et. al., 2019). Acredita-se que esse acréscimo se deva a recursos para rastreamento com medidas psicológicas condizentes. A incidência é maior no sexo masculino, na proporção de quatro meninos para uma menina (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2019). Há que se diferenciar o diagnóstico de outros transtornos do desenvolvimento, no entanto estes podem estar associados (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
As comorbidades relacionadas podem ser: condições físicas, condições mentais, comportamentos desafiadores e deficiência intelectual (OLIVEIRA et. al., 2019). Também é mais relacionada a outros transtornos psiquiátricos, como depressão e ansiedade, e a outras condições médicas, como epilepsia e transtornos genéticos (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2019). O autismo é quatro vezes mais frequente em portadores da síndrome de Down do que na população geral. Além disso, podem apresentar deficiências mental, visual e auditiva (SCHWARTZMAN et. al., 2011). Desordens de audição podem coexistir com autismo, considerar isto quando analisar a clínica e os estudos de potencial evocado (GADIA et. al., 2004).
A etiopatogenia envolvida é parcialmente obscura, porém os estudos apontam para a multifatorialidade. O componente genético envolvido foi observado a partir de comparativos entre irmãos (SCHWARTZMAN et. al., 2011); (SADOCK et. al., 2017). Além disso, existem outros fatores ambientais e de exposição materna que podem implicar no desencadeamento da doença, como: infecções na gestação (toxoplasmose, sífilis, varicela, caxumba, rubéola, citomegalovírus, herpes); uso de álcool (síndrome alcoólica fetal) e fármacos (anticonvulsivantes e talidomida) (SCHWARTZMAN et. al., 2011). Contudo, muitas dessas observações necessitam de estudos experimentais adicionais.
As anormalidades são notadas pelos pais em média aos 17 meses de idade, mas o seu diagnóstico tem uma média aos 4 anos de idade quando as diferenças entre indivíduos da mesma idade se torna comparativamente mais marcante e os pais buscam o esclarecimento junto aos profissionais de saúde (SCHWARTZMAN et. al., 2011). Em razão desse intervalo entre o início do transtorno e o diagnóstico, as taxas de prevalência aumentam conforme a idade em crianças mais jovens (SADOCK et. al., 2017).
É essencialmente clínico o diagnóstico de TEA (GOMES, P et. al., 2015). Entretanto, os primeiros sinais percebidos pelos pais entre os 12 e 24 meses mais comuns, são: os déficits relacionados à atenção, os déficits relacionados à linguagem e os comportamentos externais, como agressividade e hiperatividade (ROCHA et. al, 2019). Os sinais que geram preocupação parental, são: atraso na linguagem verbal, falha em responder seu nome, falta de contato visual e agitação (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2019). Diante desses sintomas, o primeiro profissional de saúde procurado na grande maioria das vezes é o pediatra, por isso sua notoriedade no rastreio e direcionamento desses pacientes (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2019).
Toda criança entre 18 e 24 meses deve ser triada para o TEA, mesmo na ausência de suspeição diagnóstica (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2019). Dentre os instrumentos disponíveis para rastreamento de TEA, o recomendado pelo Ministério da Saúde é o M-CHAT (ROCHA et. al. 2019). Este é um teste de triagem, e não de diagnóstico, exclusivo para sinais precoces (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2019). Este pode ser aplicado pelo pediatra em consultas de rotina, e permite uma maior sensibilidade do teste, detectado maior número de casos possíveis de suspeita (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2019).
O M-CHAT é baseado em comparativo da criança avaliada com os marcos do desenvolvimento normal, obtêm-se aquelas que estão com possível atraso e hipótese diagnóstica de TEA (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2019); (LOSAPIO; PONDÉ, 2008). A escala foi traduzida para a língua portuguesa em 2008 (LOSAPIO; PONDÉ, 2008). O diagnóstico é feito com a presença de pelo menos seis critérios comportamentais na interação social, comunicação e padrões restritos de comportamento e interesses, e desenvolvimento anormal em pelo menos um dos seguintes aspectos: social, linguagem, comunicação ou brincadeiras simbólicas/imaginativas, nos três primeiros anos de vida (KLIN, 2006). A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda a utilização de um questionário modificado para triagem em crianças entre 16 e 30 meses considerado de seguimento, o M- CHAT-R/F , tendo maior acurácia no diagnóstico (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2019). Ademais, a partir da triagem e suspeição do autismo, pode-se acompanhar o neurodesenvolvimento mais direcionadamente e realizar terapêuticas a fim de impactar em uma melhora longitudinal na vida da criança.
A neurobiologia estudada em indivíduos com TEA apontam para uma disfunção orgânica decrescida no cérebro social. A pesquisa vem evoluindo e hoje os estudos mais avançados utilizam neuroimagem, obtida por exemplo com Tomografia Computadorizada com emissão de pósitrons e Ressonância Nuclear Magnética (SCHWARTZMAN et. al., 2011). A partir do mapeamento encefálico podemos dizer que áreas afetadas são: lobo temporal (bilateralmente nos sulcos temporais superiores), giro frontal e amígdala; que juntos compõem a rede de pensamento do cérebro social. Este conjunto relaciona-se com a recepção e compreensão de estímulos sociais relacionados à gestos e expressões faciais e de movimento, além do direcionamento do olhar. O que ocorre é a hipofunção destas regiões gerando prejuízos dentro da plasticidade neuronal e consequentemente no comportamento nos portadores do transtorno (ZILBOVICIUS et. al., 2006).
A neuroplasticidade caracteriza-se pela capacidade do sistema nervoso em modificar sua estrutura e função partindo da experiência que desenvolve no meio ambiente. O processo de plasticidade neuronal é presente em toda a vida, no entanto tem maior atividade a partir do nascimento até o período da adolescência (MATSON; GOLDIN, 2013).
Desenvolvimento define-se pela potencialidade do indivíduo em realizar atividades gradativamente mais complexas (MARCONDES et. al., 1991), sendo este desenvolvimento na área da linguagem, motora, cognitiva e social. O adequado desenvolvimento da criança depende muito do estímulo que ela recebe, ou seja, pode-se potencializar o desenvolvimento da criança através de adequados estímulos direcionados.
Apesar de saber sua importância, o diagnóstico precoce, durante os anos pré-escolares, ainda é muito raro (BOSA, 2006). Uma das razões para esse acontecimento é a falta de conhecimento sobre o desenvolvimento normal de uma criança (BOSA, 2006). Ao questionar os pais sobre a história do desenvolvimento da criança, depois de alterações já terem sido percebidas em um momento mais tardio, observa-se que os mesmos se atentavam a algumas modificações de comportamento, porém não ao ponto de perceberem se encaixar em particularidades do TEA (ZANON et. al. 2014). Isso também levanta a ideia de que os pais atribuem a falta de interação da criança a aspectos da personalidade da mesma, como timidez, ou ainda como aspectos do ambiente, como pouca estimulação (ZANON et. al. 2014). Dessa forma, fica claro a necessidade de orientar os pais sobre como irá ocorrer o desenvolvimento do filho, e como proceder se algo de incomum for notado (ZANON et. al. 2014). O diagnóstico tardio do espectro autista pode agravar as alterações já desenvolvidas até então (PESSIM; FONSECA, 2015). Quanto mais tarde, maior a probabilidade de não se desenvolver relacionamentos com seus pares e tentativa espontânea de compartilhar prazer, interesses ou realizações com outras pessoas (PESSIM; FONSECA, 2015).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto a partir do diagnóstico e o estímulo precoce há que se melhorar o prognóstico principalmente por atuar no momento de maior neuroplasticidade de forma direcionada propiciando a melhor qualidade de vida dos indivíduos com o Transtorno do Espectro Autista.
Perspectivas de estudos com neuroimagem que avaliam as áreas afetadas no TEA apontam para futuras possibilidades diagnósticas.
REFERÊNCIAS
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-V. 5. ed., Porto Alegre: Artmed, 2014.
BOSA, C. A. Autismo: intervenção psicoeducacionais. Rev. Bras. Psiquiatr, São Paulo, v. 28, supl. 1, p. S47-53, 2006.
CAMINHA, V.L.P.S. et al. Autismo : vivências e caminhos. São Paulo : Blucher, 2016.
GADIA, C. A. et. al. Autismo e doenças invasivas de desenvolvimento. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 80, n. 2, p. S83, 2004.
GARRABÉ, L.J. El autismo: Historia y clasificaciones. Salud Mental;35(3):257-261, 2012.
GOMES, P. T. M. et. al. Autism in Brazil: a systematic review of family challenges and coping strategies. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 91(2): 111-121, 2015.
KLIN, A. Autism and Asperger syndrome: An overview. Rev Bras Psiquiatr; 28 (supl 1): 3-12, 2006.
LOSAPIO, M. F.; PONDÉ, M. P. Translation into Portuguese of the M-CHAT Scale for early screening of autism. Rev Psiquiatr RS; 30(3) 221-229, 2008.
MARCONDES, E. et. al. Crescimento e desenvolvimento. In: Pediatria Basica [S.l: s.n.], 1991.
MATSON, J.L.; GOLDIN, R. Comorbidity and autism: Trends, topics and future directions. Res Autism Spect Dis. 7(10):1228-1233, 2013.
OLIVEIRA et. al., Neuroplasticity And Education: The Literacy Related To Cerebral Development. Arquivos do MUDI, v 23, n 3, p. 172-188, 2019.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. CID-10: Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. 10 Ed. vol.2. São Paulo: Universidade de São Paulo; 1997.
PESSIM, L. E; FONSECA, B. C. R. Transtornos do Espectro Autista: Importância e Dificuldade do Diagnóstico Precoce. Rev. Científica Eletrônica (FAEF), v. 3, n. 14, p. 7-28, 2015.
ROCHA, C. C. et. al. O perfil da população infantil com suspeita de diagnóstico de transtorno do espectro autista atendida por um Centro Especializado em Reabilitação de uma cidade do Sul do Brasil. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 29(4), 2019.
SADOCK, B. et. al. Kaplan & Sadock: Compêndio de Psiquiatria. 11 Ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
SCHWARTZMAN, J. S. et al. Transtornos do Espectro do Autismo, São Paulo: Memnon, 2011.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA Manual de Orientação: Transtorno do Espectro do Autismo. nº 05, Abril de 2019.
ZANON, R. B. et. al. Identificação dos Primeiros Sintomas do Autismo pelos Pais. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Rio Grande do Sul, v. 30, n. 1, p. 25-33, 2014.
ZILBOVICIUS, M. et. al. Autism: neuroimaging. Rev Bras Psiquiatr; 28(Supl I): 21-8, 2006.
[1] Graduanda em Medicina.
[2] Graduanda em Medicina.
[3] Orientadora. Especialização em Psiquiatria. Especialização em Medicina do Trabalho. Especialização em Saúde da família. Especialização em Análises Clínicas. Especialização em Saúde Pública. Especialização em Farmácia Homeopática. Graduação em Medicina.
Enviado: Agosto, 2020.
Aprovado: Setembro, 2020.
4 respostas
O índice do diagnóstico do autismo têm aumentado a cada dia, é necessário uma atenção especial para esse tema, é fundamental o conhecimento,pois só assim poderemos facilitar o processo ensino aprendizado, para que está criança se sinta inclusa e se desenvolva de forma segura.
O diagnóstico de autismo tem sido cada dia mais frequente. A conscientização é fundamental para que o desenvolvimento ensino aprendizado aconteça de forma inclusiva, o tratamento precoce e muito importante para que o desenvolvimento intelectual de cada individuo aconteça de forma segura.
O diagnóstico precoce do indivíduo portador do espectro autista é fundamental para o desenvolvimento do ensino aprendizado, ela por muitas das vezes é confundida, sendo tratada como dificuldade de interações sociais ou até mesmo desinteresse para o aprendizado por parte dos alunos, como educadores temos que estar atento, é necessário também que os responsáveis não ignorem os sinais.
O diagnóstico precoce é fundamental para o desenvolvimento do ensino aprendizado, ela por muitas das vezes é confundida, sendo tratada como dificuldade de interações sociais ou até mesmo desinteresse para o aprendizado por parte dos alunos, como educadores temos que estar atento, é necessário também que os responsáveis não ignorem os sinais.