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3. Energia segura, sustentável e acessível

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Leandro Jose Barbosa Lima [1]

DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/1806

O presente capítulo tem como intuito trazer uma reflexão sobre a demanda mundial por energia, que ainda não pode ser completamente suprida pela atual produção. Nesse cenário, muitas regiões ainda não conseguem prover acesso à energia a toda a população, ao mesmo tempo em que o mundo atravessa um período de transição energética, buscando formas de produção de energia com menos emissões de gases poluentes e de gases de efeito estufa (GEE), tornando o processo mais sustentável para o planeta. Com esse novo foco, diversos Países se comprometeram a atingir emissões líquidas de GEE neutras até 2050, o que aumenta o hiato entre demanda e produção de energia, conforme pode ser visualizado no Gráfico 1.

Gráfico 1. Expectativa de demanda dos diversos tipos de energia

Expectativa de demanda dos diversos tipos de energia.
Fonte: International Energy Agency (2021).

Pode-se agrupar a produção de energia em dois grupos principais: as energias intermitentes e dependentes da natureza, e as fontes de energia independentes e contínuas. O primeiro grupo inclui a energia solar, eólica e hidroelétrica, por exemplo, enquanto no segundo grupo podem se exemplificar a energia geotérmica, as fontes fósseis e a energia nuclear, conforme pode-se observar na Figura 1.

Figura 1. Classificação de Fontes de Energia

Classificação de Fontes de Energia.
Fonte: Elaborado pelo autor.

Tendo em vista o foco na redução de gases de efeito estufa, as redes elétricas estão se diversificando e considerando mais fontes energéticas dependentes da natureza. Isso acontece ao mesmo tempo que as mudanças climáticas vêm afetando a consistência de geração dessas fontes tornando-as menos confiáveis, por conta da mudança em regimes de chuvas, ventos e até mesmo de insolação.

Muitas dessas fontes precisam de meios de armazenamento de energia como baterias ou sistemas térmicos ou gravitacionais para evitar que as fontes independentes venham a sofrer nos casos de aumento de demanda na transição do dia ou períodos do ano, uma vez que desligar e ligar grandes usinas demanda tempo. Algumas fontes independentes, como no caso da energia nuclear, podem ser utilizadas para armazenar energia em períodos de pico de produção.

A Figura 2 exemplifica uma rede composta por fontes dependentes, independentes, sistemas de armazenamento e de consumidores, que também fazem geração dependente. Na Figura observa-se que todas as fontes de geração alimentam os consumidores, e que o sistema de armazenamento recebe a geração excedente de todas as fontes. A seta que representa a relação entre consumidor e fonte dependente serve justamente para demonstrar a capacidade geradora dos consumidores de fontes dependentes da natureza.

Figura 2. Exemplo de interação de uma rede elétrica composta de sistemas de armazenamento, geração dependente e independente, armazenamento e consumo

Exemplo de interação de uma rede elétrica composta de sistemas de armazenamento, geração dependente e independente, armazenamento e consumo
Fonte: Elaborado pelo autor.

Ao contrário dessa tendência mais geral, locações que vinham confiando em sistemas dependentes da natureza, tem investido em sistemas de geração confiáveis como fóssil ou nuclear para evitar o risco do apagão elétrico, a exemplo do que aconteceu no Brasil desde o apagão de 2001.

Já a energia geotérmica tende a ser mais regionalizada, uma vez que nem todas as locações no mundo podem se utilizar desse recurso. A Energia Geotérmica pode ganhar mobilidade através da produção do Hidrogênio, por exemplo, produzido próximo a fonte Geotérmica e transportado ao ponto de utilização. Essa fonte energética precisa ganhar mais espaço no mundo a fim de se tornar mais amplamente utilizada. É estimado que a Energia Geotérmica possa suprir cerca de 3 a 4% da energia no mundo, e apesar de um investimento inicial mais alto possui um custo de manutenção relativamente baixo em comparação com outras fontes de energia.

Inclusive um dos principais aspectos de evolução tecnológica requeridos para as soluções energéticas dependentes da natureza são as soluções de armazenamento de energia e a mobilidade dessa energia armazenada. Como citado no caso da Energia Geotérmica, o Hidrogênio vem sendo considerado um bom vetor para dar essa mobilidade, porém em alguns casos esse hidrogênio pode ser processado e transformado em Amônia para facilitar a logística de transporte, pois pode ser transportada em melhores condições de temperatura e pressão, e em seguida ser novamente transformada em Hidrogênio no ponto de utilização.

Outros sistemas como o gravitacional, de temperatura e as baterias não têm tanta mobilidade. O armazenamento gravitacional também vem sendo uma solução muito explorada, sendo a energia excedente utilizada para empilhar cargas ou bombear água para áreas mais elevadas, usando a energia da rotação dos motores das bombas ou das talhas usadas para o empilhamento para regenerar a energia. Novas baterias também vêm sendo utilizadas, tanto baterias de Lítio, cada vez mais otimizadas, como outras soluções como a bateria Ferro-Ar que se vale da energia da corrosão, e que apesar de serem menos otimizadas para espaço, podem armazenar a energia por mais tempo que as baterias de Lítio. Já o armazenamento térmico, mais recentemente utilizado, pode armazenar energia térmica diretamente da fonte, seja Geotérmica, Nuclear ou Solar, como exemplos, ou de forma indireta através da conversão da energia elétrica por efeito Joule. O armazenamento pode ser feito em Sal Liquefeito, Areia, Tijolos, dentre outras opções em desenvolvimento. A Energia é transformada novamente em elétrica por turbinas, ou até mesmo pelo efeito Seebeck-Peltier, que aproveita o calor para a geração de eletricidade.

Na geração de energia elétrica as fontes de energia fósseis vêm sendo predominantes, e muito provavelmente vão seguir com protagonismo por muitas décadas, a exemplo do que se observou em 2022, quando a demanda por carvão aumentou cerca de 6% no mundo.

Dada a necessidade da transição energética para a redução de poluentes e de gases de efeito estufa, sem afetar a produção de energia, sistemas mais modernos precisam ser desenvolvidos para aumentar a eficiência dessa geração e que contemplem melhores filtros para poluentes e que tenham por desenho a captura e armazenamento de carbono, que ainda está ganhando espaço tanto pela captura direta na fonte como pela captura indireta.

O que também requer a conversão e adaptação de plantas de produção elétrica mais antigas, a carvão ou com sistemas de geração de vapor ou turbinas menos eficientes para a geração ou de emissões. Apesar do avanço, esses sistemas ainda precisam ser aperfeiçoados, o que vai naturalmente acontecer com maiores investimentos em projetos desse tipo.

Tanto o desenvolvimento de formas mais otimizadas para a captura e tratamento de poluentes e para os gases de efeito estufa tendem a se tornarem soluções críticas para a manutenção e expansão das formas de produção de energia para reduzir esse hiato energético. Um tema importante para a pesquisa também é que essas soluções sejam economicamente viáveis.

O Gás Natural vem sendo cada vez mais utilizado no mundo para energizar indústrias e plantas de geração. Esse combustível fóssil tem muito menos emissões de gases de efeito do que os demais, e ainda emite quantidades muito baixas de poluentes atmosféricos. A principal preocupação em relação ao Gás Natural vem sendo as emissões relacionadas a fuga de gás (metano), o que vem sendo tratada por grandes empresas da área através de diversos sistemas de monitoramento, além do controle do flaring, que quando realizado de forma adequada pode reduzir substancialmente as emissões de gases de efeito estufa e de válvulas e tubulações mais adequados para prevenir vazamentos nas linhas.

Gráfico 2. Emissões do Gás Natural comparado a outras fontes fósseis

Emissões do Gás Natural comparado a outras fontes fósseis
Fonte: Qyyum et al. (2019).

Redes de tubulações vêm sendo estimuladas em diversas partes do mundo para permitir um melhor acesso a essa fonte em locações remotas, o que representa uma grande oportunidade para a transição, uma vez que essas redes podem ser integradas com linhas de biometano, respeitadas as regras de pureza, ou ainda com um certo percentual de hidrogênio, que já é muito compatível com muitos sistemas.

O Biometano provê uma das grandes oportunidades para a eliminação de emissões de metano, uma vez que se utiliza de fontes naturais de metano, que na atualidade não têm um controle, como por exemplo acontece em centrais de tratamento de efluentes, fazendas ou lixões. Esse metano é capturado e tratado, e assim pode ser utilizado em veículos a Gás Natural, sem a necessidade de qualquer conversão, ou ainda podem ser adicionados a linhas de Gás Natural.

Tanto o Gás Natural quanto o Biometano, plenamente intercambiáveis, já podem hoje ser utilizados em veículos de passeio ou veículos de transporte, levando estes a terem menos intensidade de emissões de gases de efeito estufa e de poluentes, por decomposição de material orgânico. Em muitas regiões ainda faltam investimentos em infraestrutura de distribuição e subsídios para a mudança da frota.

O Hidrogênio não é apenas um tipo de combustível, mas também uma forma de armazenar energia, como citado na aplicação da energia Geotérmica. Fontes dependentes da natureza também podem ser utilizadas para produzir Hidrogênio Verde em momentos de pico de disponibilidade e esse hidrogênio produzido pode ser armazenado para uso futuro ou diretamente injetado em linhas de gás natural ou de biometano. O hidrogênio pode ser utilizado em turbinas ou motores a hidrogênio sem emissões de gases de efeito estufa, ou em certas turbinas combinados com o Gás Natural produzem menos emissões.

As cadeias de suprimento de Hidrogênio, Biometano e de Gás Natural ainda estão sendo estabelecidas à medida que os investimentos nas redes de transporte e infraestrutura de produção vêm sendo criados. Cada mercado tem a sua própria característica e tende a se adaptar com a cadeia de valor que melhor lhe corresponda.

Outra fonte de energia independente da natureza que vem crescendo é a energia nuclear, progressos têm sido feitos tanto na fissão como na fusão nuclear. Apesar de acidentes como os de 3-miles island., Chernobyl e Fukushima, a energia nuclear vem sendo a mais confiável e que gera menos perdas humanas dentre as formas de geração de energia elétrica.

Figura 3. Número de mortes associadas às diferentes fontes de energia

Número de mortes associadas às diferentes fontes de energia
Fonte: Ritchie (2020).

As principais preocupações do mundo com a produção de energia nuclear por fissão estão relacionadas a: riscos de perda de controle do reator (sobre aquecimento), resíduos nucleares e os riscos de proliferação.

Para reduzir a probabilidade de ocorrência desses riscos novos reatores vêm incorporando sistemas de segurança passiva que vem para evitar problemas de perda de controle dos sistemas de resfriamento do Núcleo do Reator no caso de acidentes, também estão sendo considerados outros tipos de combustíveis como o Tório e Sal Liquidificado em reatores que podem inclusive se utilizar de combustível nuclear exaurido de outros reatores convencionais.

Reatores a Tório produzem resíduos nucleares com uma menor vida quando comparado aos reatores convencionais a Urânio, e têm menor risco de proliferação, assim como o que acontece com os Reatores Compactos e Modulares, SMR (Small Modular Reactors), uma vez que muitos são selados pela vida e só abertos na fábrica, além de operarem com quantidades inferiores de combustíveis.

Gráfico 3. Estimativa de consumo de combustível para a produção de 1GW de energia

Estimativa de consumo de combustível para a produção de 1GW de energia
Fonte: Wiltgen (2022a).

Já os reatores a fusão, ainda em fase de desenvolvimento, têm um potencial de produção de energia muito maior e não tem riscos associados ao vazamento nuclear ou a proliferação de armas nucleares, visto que uma vez parado o processo esse não tem emissões tão preocupantes como nos reatores a fissão. Ao contrário dos reatores de fissão que fazem uso do bombardeio de nêutrons em um átomo de urânio e produzem energia através da fissão de isótopos do Hidrogênio para a liberação de energia térmica.

De forma geral não há uma única solução para a questão da energia, na verdade, apesar das opções existentes não há uma fórmula única pronta para responder a esse trilema. Os sistemas precisam confiar em uma composição de energia dependente, independente e de sistemas de armazenamento de energia para atender as comunidades, indústrias e serviços, e o consumo precisa ser mais eficiente e moderno para evitar desperdícios.

No que tange a eficiência no consumo de energia, é importante destacar que dentro das residências e até mesmo na indústria é preciso buscar novas formas de uso da energia, que passam por equipamentos mais modernos, como o exemplo de eletrodomésticos e máquinas mais eficientes até melhores meios de produção, com o uso de metodologias como a do Lean-Six Sigma para otimização de consumo e emissões.

Nenhuma forma de energia pode ser descartada para que essa esteja disponível para a população, inclusive é crítica a expansão de todas as formas de energia, mas é preciso que essa também não venha a causar danos a vidas humanas ou ao ambiente, e o custo dessa energia precisa ser acessível.

A solução da questão energética precisa contemplar todo o balanço de massa ou ciclo de vida dos elementos envolvidos na sua produção, o que hoje em dia não está, em muitos casos, contemplado no ciclo de vida do uso de combustíveis fósseis, que não contemplam os custos de captura e armazenamento de emissões, ou ainda dos painéis solares, que não contemplam os custos de recolhimento e reprocessamento de painéis em fim de vida, como acontece por exemplo, no caso da energia nuclear, que já tem no custo de produção energética os custos de destinação do combustível nuclear.

Por fim, a energia solar tem que se expandir ao máximo, ocupando cada espaço já existente de telhados ou de zonas que não sejam produtivas para alimentos, biocombustíveis ou até mesmo zonas de florestas. A energia geotérmica precisa atingir o seu potencial máximo aproveitando todas as regiões onde seja possível instalar uma planta, assim como os sistemas eólicos. Biodigestores precisam estar presentes em todas as plantas de processamento de rejeitos sólidos ou líquidos, assim como em fazendas e onde mais existe a possibilidade de captura de metano para a produção de biogás.

A captura de carbono no ponto deve ser instalada em todas as plantas de produção que empreguem sistemas fósseis, da mesma forma, para todos os casos onde não seja possível a captura de carbono na fonte, os emissores devem instalar sistemas de captura do gás de efeito estufa, e a fissão nuclear deve fazer parte de toda a matriz que precise se expandir para garantir a segurança do sistema, mas para que tudo isso funcione a equação financeira precisa ser ajustada e fazer sentido, as soluções precisam chegar ao ponto ideal de viabilidade econômica para que a energia seja Segura, Sustentável e Acessível.

Uma das soluções mais comuns para habilitar esses investimentos vêm sendo o uso de créditos de carbono, mas além disso é preciso que existam incentivos fiscais, como isenção de impostos sobre produtos, equipamentos e sistemas que tenham melhor eficiência energética e de emissões, com linhas de financiamento atrativas.

REFERÊNCIAS

DE OLIVEIRA, I. O que foi o apagão de 2001? A conta de luz subiu? Pode acontecer de novo? UOL, 2021. Disponivel em: https://economia.uol.com.br/faq/o-que-foi-o-apagao-de-2001-risco-racionamento-energia-eletrica.htm. Acesso em: 11 fev. 2023.

DW PLANET A. Geothermal energy is renewable and powerful. Why is most of it untapped? YouTube, 2020. Disponivel em: https://www.youtube.com/watch?v=c7dy0hUZ9xI. Acesso em: 28 jun. 2022.

INTERNATIONAL ENERGY AGENCY. Net Zero by 2050. Paris. 2021.

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LIMA, L. J. B.; HAMZAGIC, M. GREENHOUSE GASES AND AIR POLLUTION: COMMONALITIES AND DIFFERENTIATORS. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, São Paulo, 27 set. 2022. 102-144.

MACHADO, N. Preço do carbono foi insuficiente para frear carvão em 2022. epbr, 2023. Disponivel em: https://epbr.com.br/preco-do-carbono-foi-insuficiente-para-frear-carvao-em-2022/. Acesso em: 10 fev. 2023.

QYYUM, M. A. et al. Performance Enhancement Of Offshore Lng Processes By Introducing Optimal Mixed Refrigerant Self-Cooling Recuperator. In: 11th International Conference on Applied Energy 2019. Västerås, Sweden: [s.n.]. 2019. p. 712-749.

WILTGEN, F. Fusão nuclear via máquina tokamak – energia elétrica para o futuro do desenvolvimento humano. In: Congresso Brasileiro de Planejamento Energético – XIII CBPE – 2022, Fortaleza, August 2022. 1-12.

[1] Mestre em Engenharia Mecânica. ORCID: 0000-0001-8082-5763. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7624616512124788.

Leandro Jose Barbosa Lima

Leandro Jose Barbosa Lima

Mestre em Engenharia Mecânica. ORCID: 0000-0001-8082-5763. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7624616512124788.

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