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Juiz conciliador – uma figura mitológica abordagem em razão do princípio da conciliação na justiça do trabalho e da lei 9.099/95

RC: 330
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CONTEÚDO

STOCCO, Kleber José [1]

STOCCO, Kleber José- Juiz Conciliador- uma figura mitológica: abordagem em razão do princípio da conciliação na Justiça do trabalho e da lei 9.099/95– Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento- Vol. 1. Ano. 1. Março. 2016, pp : 40-51 –ISSN: 2448-0959

RESUMO

O presente trabalho visa demonstrar que o princípio conciliatório em sua essência não é alcançado pelo magistrado togado na prática dos tribunais, visto o dogma insculpido em seu longo caminho de estudos e treinamentos que o torna capacitado para decidir e argumentar juridicamente sobre suas decisões, mas incapaz de articular técnicas conciliatórias suficientes para por fim ao conflito de maneira mais harmônica. Será demonstrado que o juiz se prepara desde muito antes de ser investido na jurisdição, nos cursos preparatórios para concursos e, após a aprovação, nos cursos oferecidos para os novos magistrados para ser um decisor direto, aquele que tem o poder de decidir. A figura do conciliador diverge totalmente da figura do decisor direto. Aquele, busca aplicar técnicas de conciliação para por fim ao litígio, técnicas que o magistrado em regra não possui e tampouco se interessa em conhecer.

Palavras chave: Princípio. Conciliação. Conciliado.  Decisor.  Juiz.

ABSTRACT

This paper aims to demonstrate that the principle conciliatory in its essence is not reached by robin magistrate in court practice, as the dogma insculpido in his long journey of study and training which makes it able to decide and argue legally on their decisions but unable to articulate enough conciliatory techniques to end the conflict more harmoniously. It will be shown that the judge is preparing since long before it invested in the jurisdiction in preparatory courses for tenders and, after approval, the courses offered for new magistrates to be a direct decision maker, the one who has the power to decide. The figure of the conciliator completely disagrees with the direct decision maker figure. That, seeks to apply conciliation techniques to end the dispute, techniques that the judge usually does not have, nor cares to know.

Keywords: Principle. Conciliation. Conciliator. Decision. Maker. Judge.

INTRODUÇÃO

Na definição de Maurício Godinho Delgado (2007:187), princípios são “proposições fundamentais que informam a compreensão do fenômeno jurídico. São diretrizes centrais que se inferem de um sistema jurídico e que, após inferidas, a ele se reportam, informando-o”.

Contudo, a conceituação não deve ser encarada de uma forma tão simplista já que o tema é matéria de divergência entre grandes doutrinadores.

Para Lenio Streck (1999:86), “os princípios gerais do direito não tem conceito definido. Alguns doutrinadores dizem que os princípios correspondem a normas de direito natural, verdades jurídicas universais e imutáveis inspiradas no sentido da equidade”.

Para Robert Alexy (2008:117) “princípios são mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas e fáticas”.

Em artigo publicado em 2011 para criticar o voto, do Ministro Luis Fux, o Professor Lenio  Streck, menciona Robert Alexy e sua definição sobre princípios como se denota: “Para Alexy, tão citado e tão pouco lido (e menos ainda compreendido) e adepto da distinção semântico-estrutural entre regras e princípios, os princípios valem prima facie de forma ampla (mandados de otimização). Circunstâncias concretas podem fazer com que seu âmbito de aplicação seja restringido. Os princípios – que, em algumas passagens da sua Teoria dos Direitos Fundamentais, Alexy equipara com os próprios direitos fundamentais – encontram-se em rota de colisão, e os critérios de proporcionalidade derivados da ponderação resolvem essa aparente contradição, fazendo com que, em um caso específico, um deles prevaleça. Lembre-se o resultado da ponderação dos princípios colidentes é uma regra que Alexy chama de “norma de direito fundamental adscripta” (que, na prática cotidiana da aplicação do direito, ninguém faz).”

Como se percebe, definir princípio não é uma tarefa tão simplória como querem alguns doutrinadores, mas também não é o objeto deste trabalho. A abordagem é apenas para justificar a importância deste instituto que ao que nos parece é o ponto de partida de todo regramento.

Assim, o Princípio da Conciliação deve ser encarado como determinante para o que será tratado neste trabalho visto que a abordagem se dará à luz do artigo 764 da Consolidação das Leis do Trabalho e do artigo 2º da Lei 9.099/95.

A CONCILIAÇÃO NA LEI 9.099/95

É fato que a Lei 9.099/95 que criou os Juizados Especiais, especialmente os Cíveis ampliou o acesso ao Poder Judiciário pelas classes de menor poder aquisitivo que passaram a não deixar de lado seus direitos, ainda que financeiramente de baixa monta, ante a possibilidade de acesso sem Advogado.

Fato previsível, pois este era um dos objetivos da lei que, na esteira do Código de Defesa do Consumidor de 1990, visava assegurar ao hipossuficiente maneiras de ter tutelado seu direito quando ofendido.

Também é fato que a criação dos Juizados e o acesso popularizado objetivado aumentariam a demanda ao atribulado judiciário. Assim sendo, expressamente a Lei 9.099/95 privilegia o instituto da Conciliação conforme se verá.

Pode-se afirmar que o princípio conciliatório preconizado pelo advento da Lei 9.099/95 que instituiu os Juizados Especiais é oriundo do ordenamento jurídico Justrabalhista. Isto porque, naquele ordenamento desde sempre a regra é a conciliação como se verificará infra.

A redação do artigo 21 da Lei 9.099/95 é muito similar ao do art. 846 da CLT, conforme se verifica:

Art. 846 – Aberta a audiência, o juiz ou presidente proporá a conciliação. (Redação dada pela Lei nº 9.022, de 5.4.1995)

  • 1º – Se houver acordo lavrar-se-á termo, assinado pelo presidente e pelos litigantes, consignando-se o prazo e demais condições para seu cumprimento. (Incluído pela Lei nº 9.022, de 5.4.1995)
  • 2º – Entre as condições a que se refere o parágrafo anterior, poderá ser estabelecida a de ficar a parte que não cumprir o acordo obrigada a satisfazer integralmente o pedido ou pagar uma indenização convencionada, sem prejuízo do cumprimento do acordo. (Incluído pela Lei nº 9.022, de 5.4.1995)”

Com efeito, a lei em comento vislumbrou a celeridade e a maior eficácia no “dizer o direito” em casos de menor complexidade, privilegiando a conciliação. Assim, é a regra da Lei 9.099/95:

Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

Seção VIII

Da Conciliação e do Juízo Arbitral

        Art. 21. Aberta a sessão, o Juiz togado ou leigo esclarecerá as partes presentes sobre as vantagens da conciliação, mostrando-lhes os riscos e as consequências do litígio, especialmente quanto ao disposto no § 3º do art. 3º desta Lei.

        Art. 22. A conciliação será conduzida pelo Juiz togado ou leigo ou por conciliador sob sua orientação.

       Parágrafo único. Obtida a conciliação, esta será reduzida a escrito e homologada pelo Juiz togado, mediante sentença com eficácia de título executivo

Art. 24. Não obtida a conciliação, as partes poderão optar, de comum acordo, pelo juízo arbitral, na forma prevista nesta Lei.”

Sem dúvida, a conciliação em demandas onde especialmente a lide versa sobre uma questão específica e não há necessidade de resguardar vínculos de nenhuma espécie é a saída mais recomendada e a Lei 9.099/95 por privilegiar tais situações, não poderia adotar outro princípio que não o da conciliação.

A CONCILIAÇÃO NA JUSTIÇA ESPECIALIZADA

Mais do que um princípio, a regra no ordenamento jurídico trabalhista é a tentativa de conciliação conforme se extrai do artigo 764, caput: “Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação”.

No mesmo dispositivo legal, os parágrafos 1 e 3 reforçam a determinação conciliatória como se vislumbra:

“art. 764…

  • 1º Para o efeito deste artigo, os Juízes e Tribunais do Trabalho empregarão sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução conciliatória dos conflitos.
  • 3º É lícito às partes celebrar acordo que ponha termo ao processo, ainda mesmo depois de encerrado o juízo conciliatório. “

No que tange ao disposto no paragrafo 3º supramencionado, no ordenamento jurídico trabalhista a conciliação pode ser proposta e realizada a qualquer tempo e em qualquer fase do processo, inclusive na execução.

Com efeito, não é incomum nos leilões judiciais e hastas públicas realizados pela Justiça Especializada, lotes serem retirados instantes antes de serem ofertados ao público ante a celebração e homologação de acordo. Nestes casos, o juiz analisa a convenção e decide pela sua homologação para que surta os efeitos legais. A liberação do bem penhorado e posto a disposição para alienação em hasta pública ou praça fica condicionada em regra ao cumprimento do acordado.

Contudo, não se vislumbra a obrigatoriedade da proposta de conciliação apenas no dispositivo supra. No rito ordinário trabalhista é determinada que:  “Art. 846 – Aberta a audiência, o juiz ou presidente proporá a conciliação. (Redação dada pela Lei nº 9.022, de 5.4.1995) …

Art. 850 – Terminada a instrução, poderão as partes aduzir razões finais, em prazo não excedente de 10 (dez) minutos para cada uma. Em seguida, o juiz ou presidente renovará a proposta de conciliação, e não se realizando esta, será proferida a decisão.

Tal regra, originária do princípio conciliatório, vincula a eficácia da audiência e da sentença à formulação de proposta conciliatória, visto que, se expressamente não constar na ata de audiência as propostas de conciliação pelo juízo, a sentença poderá ser anulada. Trata-se de matéria de ordem pública como se extrai dos julgados infra:

“TRT-23 – RECURSO ORDINARIO TRABALHISTA RO 1412200900623006 MT 01412.2009.006.23.00-6 (TRT-23)

Data de publicação: 01/12/2010

Ementa: NULIDADE POR AUSÊNCIA DA PROPOSTA DE CONCILIAÇÃO. O Ordenamento Jurídico Trabalhista prevê expressamente em vários dispositivos a sujeição imperativa dos dissídios individuais e coletivos à proposta de conciliação. Trata-se de procedimento que prestigia a autonomia da vontade das partes mediante solução negociada sob a tutela do Estado. Ao Juiz cabe conduzir a negociação entre as partes imprimindo diretrizes a fim de solucionar os conflitos a fim de trazer a paz social e privilegiando a razoável duração do processo. A sujeição dos dissídios à proposta de conciliação é, portanto, matéria de ordem pública, cuja inobservância impõe a declaração de nulidade dos autos decisórios praticados. Recurso Ordinário a que se dá provimento para declarar nulos todos os atos decisórios praticados a partir do despacho de fl.177 e determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem para seu regular processamento, restando prejudicadas as demais matérias arguidas pelo recorrente.”

“TRT-16 – 44200799916003 MA 00044-2007-999-16-00-3 (TRT-16)

Data de publicação: 23/11/2007

Ementa: NULIDADE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE PROPOSTA DE CONCILIAÇÃO. A tentativa obrigatória de conciliação, nos moldes do ARTigo 764 da Consolidado, constitui imperativo de ordem pública, acarretando sua absoluta ausência a nulidade do PROCESSO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de RECURSO ORDINÁRIO, em que são pARTes CLAUDIMAR ARAÚJO PESSOA (reclamante) e MUNICÍPIO DE SANTA LUZIA DO PARUÁ/MA (reclamado).”

O princípio da conciliação é tão presente e tão representativo no ordenamento jus trabalhista que faz coisa julgada a sentença homologatória de acordo celebrado e tem caráter irrecorrível, salvo à previdência social, podendo ser modificada apenas por Ação Rescisória. Tal assertiva encontra amparo no Parágrafo único do art. 831 da CLT que assim dispõe: Art. 831 – A decisão será proferida depois de rejeitada pelas partes a proposta de conciliação.

Parágrafo único. No caso de conciliação, o termo que for lavrado valerá como decisão irrecorrível, salvo para a Previdência Social quanto às contribuições que lhe forem devidas. (Redação dada pela Lei nº 10.035, de 25.10.2000)

CONCILIAÇÃO E CONCILIADOR

Como afirma Claudio Ribas (2014:114), “a conciliação é importante instrumento de consolidação da política de solução dos litígios sem a intervenção estatal, através de seu poder de julgar, mas por meio de técnicos devidamente preparados para conduzir o procedimento”.

O melhor conceito de CONCILIAÇÃO que encontramos é o definido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que assim determina: “Processo auto compositivo, informal porém estruturado, no qual um ou mais facilitadores ajudam as partes a encontrar uma solução aceitável para todos”.

Extrai-se desta definição a figura do que denominamos “decisor indireto” que é aquele que atuará na lide de maneira a intervir indiretamente no resultado utilizando métodos científicos ou não para que as partes se auto componham. A figura dos facilitadores na definição supra é aquela do CONCILIADOR (decisor indireto) e não a figura do juiz togado.

Segundo a cartilha oferecida pelo TJSP, CABE AO CONCILIADOR (decisor indireto):

  • Estabelecer confiança (aceitação do conciliador pelas partes)
  • Escutar ativamente – Saber escutar com serenidade, deve-se deixar as pessoas falarem, sem interrompê-las antes de ouvir o que efetivamente pretendem dizer. (“ESCUTAR PARA OUVIR, NÃO PARA RESPONDER” )
  • Reconhecer sentimentos (necessidade ou interesses ocultos), que serão as bases da negociação
  • Fazer perguntas abertas (que não contenham atribuição de culpa)
  • Ser isento de julgamentos e avaliações (neutralidade)
  • Separar as pessoas dos problemas
  • Criar padrões objetivos
  • Buscar nas partes a autonomia de vontade (atitude espontânea)
  • Intervir com parcimônia (intervenções rápidas e objetivas) – recomenda-se que o conciliador não intervenha sem necessidade.
  • Confidencializar a audiência (sigilo)

Verifica-se aqui a busca da aplicação de técnicas que influenciem as partes de modo que estas cheguem a autocomposição numa clara interferência indireta de tomada de decisão.

O que se busca na Conciliação é que, com pequenas interferências do decisor indireto, as partes possam se ajustar e compor uma solução para o conflito sem que um decisor direto (Juiz togado) decida por um dos lados.

Pode-se dizer que, na Conciliação as partes abrem mão de algum direito para ter uma solução rápida e eficaz para o conflito. Pode-se ainda, afirmar que o se que se busca é que as partes individualmente percam um pouco para que todos ganhem muito, pois uma pretensão resistida levada à decisão do juiz togado e da tutela jurisdicional pode não só não por fim ao conflito como ainda não fazer a melhor justiça.

Para Francisco José Cahali (2012:37), “nas soluções autocompositivas, embora possa participar um terceiro como facilitador da comunicação (inclusive com propostas de solução, conforme o caso), o resultado final depende exclusivamente da vontade das partes; a aceitação ou a recusa à composição está no arbítrio do interessado. Já nos métodos heterocompositivos, a solução do conflito é importa por um terceiro, com poderes para tanto (magistrado, árbitro etc.) dai porque falar-se em solução adjudicada; as partes estarão submetidas à decisão preferida pelo terceiro, mesmo se contrária aos seus interesses”.

Para Ribas, “na conciliação teremos verdadeira antecipação do final do processo, pois é permitido ao conciliador investigar as causas do litígio, ao estabelecer o diálogo franco e objetivo entre as partes, inclusive, tomar conhecimento da situação de solvência do apontado devedor, nos casos de obrigação de fazer ou não fazer e, principalmente, nas situações de litígios de conteúdo condenatório.”

Ousando discordar das assertivas, como já mencionado vislumbra-se na conciliação a figura a qual denominamos decisor indireto pois, em que pese prevalecer a vontade das partes como ponto final, conciliatória ou não, há forte influência do conciliador que, ao contrário do mediador, interfere na demanda apresentando propostas e influenciando as partes.

Assim sendo, é possível afirmar que, por melhor técnica que possa estar aplicando, o conciliador não está isento de tomar partido de um dos lados para influenciar a outra parte a ceder ou até mesmo não ceder. Não há isenção, certamente.

Tais técnicas supra explanadas não são as mesmas aplicadas na mediação, cuja complexidade é muito maior assim como a habilidade e o treinamento do facilitador. Contudo, não é da mediação que tratam os princípios aqui explorados.

O JUIZ E O CONCILIADOR

Como demonstrado ao conciliador cabe aplicar técnicas para que as partes se auto componham e cheguem a uma solução menos traumática ao conflito, mas submetidas a certa influência. O que se pergunta é se há como conviverem harmonicamente na mesma figura o juiz e o conciliador.

Isto porque o decisor direto foi doutrinado ao longo de sua vida acadêmica para tomar decisões, impor medidas, determinar, ou seja, dar a última palavra, porquanto o decisor indireto – conciliador – tem outras metas e outras ideologias além de outro doutrinamento.

Em sua “Hermenêutica e(m) Crise” o professor Lenio (1999:51) faz menção ao supra afirmado, como se extrai:

“Ideologicamente, essa (dupla) crise de paradigma se sustenta em um emaranhado de crenças, fetiches, valores e justificativas por meio de disciplinas especificas denominadas por Warat (1994:57) de sentido comum teórico dos juristas que são legitimados mediante discursos produzidos pelos órgãos institucionais, tais como parlamentos, os tribunais, as escolas de direito, as associações profissionais e a administração pública. Tal conceito traduz um complexo de saberes acumulados apresentados pelas praticas jurídicas institucionais, expressando, destarte, um conjunto de representações morais, teleológicas, metafísicas, estéticas, políticas, tecnológicas, cientificas, epistemológicas, profissionais e familiares que os juristas acetam em suas atividades por intermédio da dogmática jurídica”.

E ainda, “O sentido comum teórico coisifica o mundo e compensa as lacunas da ciência jurídica”.

Como se percebe, o “julgador” é doutrinado para tal e dedica, ou deveria dedicar, sua vida na busca pelo conhecimento jurídico para interpretação da regra e aplicação no caso prático.

Os estudos jurídicos em regra são neste sentido, da melhor aplicabilidade das decisões, da aplicação racional do “decisum”, como se percebe em Alexy (1991) na sua Teoria da Argumentação Jurídica que traz um discurso racional e lógico na busca pela “pretensão de correção” do discurso jurídico.

Em contrapartida, o conciliador não teve este treinamento dogmático e na prática, sequer necessita ser um profissional do direito bastando receber treinamento para aplicação da técnica conciliatória, sem deméritos.

É possível afirmar em uma singela análise, que em certo sentido, todos nós somos conciliadores pois, em algum momento de nossas vidas já participamos interventivamente numa discussão ou conflito de alguma espécie, seja no trabalho, em casa, em alguma relação com amigos ou vizinhos, auxiliando na resolução do conflito e na auto composição. Assim, todos nós temos alguma experiência intuitiva na resolução de conflitos por meio do uso da conciliação.

Recentemente, por ocasião da resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça que criou os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania determinando parâmetros para habilitação de conciliadores e mediadores. Ocorre que o referido anexo não define quem pode ser conciliador e mediados, deduzindo-se que qualquer pessoa possa ser, mesmo sem nenhuma formação profissional adequada.

Como é omissa a referida resolução, fica a cargo dos tribunais qualificar ou selecionar o profissional, como se verifica pela exigência do Tribunal de Justiça de São Paulo que determina:

Quem poderá atuar como Conciliador?

Os Conciliadores são auxiliares da Justiça, recrutados, preferencialmente, entre bacharéis em Direito, de reputação ilibada e que tenham conduta profissional e social compatíveis com a função.”

Certamente, as exigências para a magistratura demandam dedicação infinitamente maior, passando por diversas fases probatórias e anos dedicados ao aprendizado jurídico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo da premissa anterior, seria muito simplória a aplicação de técnicas de auto composição pelos juízes togados, visto que qualquer ser humano comum pode ser um decisor indireto, dedicando pouco tempo de sua vida a estudo das técnicas aplicáveis, sendo que em muitos casos bastaria muito mais uma inata habilidade locutória para o resultado prático, porquanto um juiz togado dedica anos a fio de estudos para passar em concurso público e ser investido na jurisdição.

Um ser mitológico é um ser do imaginário. Mitologia é o estudo dos mitos e mitos são nada mais que ficções, factoides, fábulas. Esta figura é a que representa o juiz conciliador. Um mito.

Conforme já explanado, a atividade conciliatória é atividade para qualquer pessoa. Em alguns casos, sequer é necessário curso superior como no caso dos extintos juízes classistas da justiça do trabalho que eram indicados pelos sindicatos dos trabalhadores e dos empregadores bastando ser dirigente sindical. Tais juízes tinham a incumbência conciliatória prévia, sendo que só após a Emenda Constitucional nº 24, de 09/12/1999, foi extinta a figura de juiz vogal na Justiça do Trabalho. Com isso, as reclamações trabalhistas, que eram julgadas em 1ª instância pelas Juntas de Conciliação e Julgamento (formada por um juiz togado, um vogal representante dos empregados e um vogal representante dos empregadores), passaram a serem julgadas nas Varas do Trabalho, compostas por juiz singular (togado).

O juiz togado não é qualquer pessoa. Na prática só oferece a conciliação nas audiências em razão da determinação legal e sua sentença seria nula se não ofertasse.

O “conciliador-juiz” quando se dispõe a aplicar o princípio conciliatório em sua audiência, em regra impõe o acordo com ameaças às partes sugerindo que podem haver sansões em caso de recusa à oferta. É certo que nestes casos não há conciliação e sim a aceitação do imposto por temor ao que poderá vir da sentença.

Caberia a aplicação do princípio da proporcionalidade (GUERRA FILHO, 2003:245)? A resposta é sim, evidentemente. A concepção de proporcionalidade remete à prudência na determinação da adequada relação entre as coisas. A ideia de proporcionalidade revela-se não só como um importante princípio jurídico fundamental, mas também consubstancia um verdadeiro referencial argumentativo, ao exprimir um raciocínio aceito como justo e razoável de um modo geral, de comprovada utilidade no equacionamento de questões práticas.  Tal princípio é definido por Willis com tamanha ênfase que chega a chama-lo de Princípio dos Princípios.

De fato, não é o que se verifica em regra. Em muitos casos, mesmo a pedido das partes para que faça uma intervenção ofertando uma solução conciliatória para a lide (proporcionalidade), se recusa terminantemente pois sua “posição” não permite tal mister. Quando não, limita-se ao questionamento da possibilidade ou não de acordo – formalidade legal – e, ou prossegue a audiência (no caso da Justiça do Trabalho) ou determina a realização da audiência de instrução conforme agendamento do juízo.

A figura mitológica do juiz pacificador ou conciliador é facilmente verificada pelo próprio comportamento do magistrado. Seu treinamento vem desde sempre no sentido da tomada de decisões pois é para isto que o Estado o investe na jurisdição. É treinado para analisar e interpretar conforme a legislação, de maneira positivista e aplica-la ao caso concreto. Nunca de maneira neutra com intuito de aproximar as partes e leva-las a uma auto composição como é o objetivo do conciliador.

Nenhuma das regras apresentadas na cartilha do Tribunal de Justiça de São Paulo – supra – é seguida pelo juiz togado por um simples fato: Qualquer um pode executá-las e o juiz togado, em sua visão, não é qualquer um. Tais tarefas são simplórias por demais para quem dedicou anos a fio aos estudos jurídicos e hoje é investido na jurisdição e tem o poder de decidir.

REFERENCIAS

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008

ALEXY, Robert. Theorie der Juristischen Argumentation. Frankfurt em Main: Suhrkamp, 1991 (Tradução Zilda Hutchinson Schild Silva)

CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 2 ed. São Paulo, Revista dos Tribunais.2012

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTR, 2007

RIBAS, Claudio. Estudos Avançados de Mediação e Arbitragem/coordenação Armando Sergio Prado de Toledo, Josrge Tosta, José Carlos Ferreira Alves. 1 ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2014

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) Crise: Uma Exploração Hermenêutica de Construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999

WARAT, Luiz Albert. Introdução Geral ao Direito I. Porto Alegre:Fabris, 1994

Websites

<www.conjur.com.br/ministro-fux-presuncao-inocencia-regra-nao-principio>. Acesso em 16/06/2014

<www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm Decreto-Lei 5.452 de 1º de maio de 1943>. Acesso em 16/06/2014

<www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em 19/06/2014

<www.tjsp.jus.br/Download/Conciliacao/Apostila_Juizados_Especiais_Civeis.pdf>. Acesso em 19/06/2014

www.priberam.pt/dlpo/decisor. Acesso em 24/06/2014

[1] Advogado especialista em Direito Processual Civil e do Trabalho, Mestrando em Soluções Alternativas de Controvérsias Empresariais– Escola Paulista de Direito.

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Kleber José Stocco

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