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Produção social do espaço: política e processos formativos em geografia

RC: 26618
229
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/geografia/producao-social-do-espaco

CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO DE LITERATURA

CRUZ, Uilmer Rodrigues Xavier da [1]

CRUZ, Uilmer Rodrigues Xavier da. Produção social do espaço: política e processos formativos em geografia. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 04, Ed. 02, Vol. 05, pp. 152-163. Fevereiro de 2019. ISSN: 2448-0959.

RESUMO

O objetivo desta revisão de literatura concentra-se em estabelecer diálogo com alguns autores que ao longo da história do pensamento científico geográfico, têm se preocupado em produzir reflexões conceituais, propondo apreender fenômenos da realidade através do olhar específico da Geografia. Para tanto, é necessário que se estabeleça um questionamento – não com foco em produzir respostas, porém novas perguntas – a respeito das tramas elaboradas pelos autores e autoras que aqui estarão expostos. O questionamento que norteia a produção deste texto é o seguinte: Qual a relação entre a produção de conceitos geográficos e os recortes temporais nos quais os mesmos são elaborados? Neste aspecto, busco através dos próximos parágrafos, desenvolver uma reflexão que vai de encontro à pergunta supracitada. Pensar a produção do conhecimento científico pode significar relacionar ao recorte sócio-espacial referente à qual determinada reflexão é (foi) produzida. Tampouco a Ciência Geográfica tem sua história epistemológica desprendida de tal fato. Ao longo da história da humanidade e de suas mudanças sociais, o conhecimento produzido também passou por alterações conceituais ligados à realidade da época. Tomando este aspecto enquanto ponto de partida para se problematizar a produção de conhecimento científico geográfico, seus conceitos, bem como seus questionamentos, é válido estabelecer discussão com Moreira (2014).

Palavra-chave: Produção, Social, Espaço.

INTRODUÇÃO/DESENVOLVIMENTO

O referido autor, em um dos capítulos de sua obra ‘O discurso do avesso: para a crítica da geografia que se ensina’, denominado ‘Como pensamos’, objetiva realizar uma síntese da produção geográfica ao longo de sua história, tendo definido analiticamente, os primeiros autores a abordarem a realidade sob a égide da Geografia, Estrabão no século I e Ptolomeu no século II, ambos com um conhecimento produzido sob a observação e descrição da paisagem, o primeiro definindo a paisagem sob um olhar horizontal e o segundo, sob um olhar vertical. A visão de Ptolomeu, definida enquanto uma cosmo visão, como a Terra sendo um componente em equilíbrio em relação ao universo, só se altera no século XVII, com Varenius, e a mudança de uma perspectiva geocêntrica, para uma perspectiva heliocêntrica.

Ao avançar em sua discussão, Moreira (2014) discute acerca dos caminhos na geografia quando, obviamente não de maneira linear, migra seus estudos apenas do descritivo e do empírico sobre a relação entre ‘paisagem’ e ‘homem-meio’, para pensar de maneira mais significativa acerca da organização do espaço. Como argumenta o autor, a geografia, a partir da perspectiva Kantiana de análise do empírico, teve uma racha entre Geografia Física e Geografia Humana, dada a visão de autores que buscavam discutir conceitos de maneira específica sobre fenômenos que, em tese, seriam tangentes a apenas uma das áreas. Para a geografia física, as dedicações teóricas continuavam se debruçando sobre os estudos de paisagem, embora de maneira mais complexa, adotada por Tricart, pensando a paisagem sob um viés topográfico e altimétrico, levando em conta a paisagem enquanto um equilíbrio sistêmico do vertical ao horizontal. Já na Geografia Humana, as preocupações concentram-se sob o conceito de espaço, sendo a primeira vez tal conceito tendo tomado luz exclusiva sob o debate desta disciplina. George, geógrafo urbano, pensa o conceito e sua aplicação, a partir da noção de que a sociedade se constrói e evolui a partir da organização espacial.

Meio pelo qual a geografia encontrou modo para tentar dialogar entre as duas vertentes, até então tidas enquanto uma ‘racha’, foi a geografia regional, tentando relacionar ambos conceitos a partir de uma integralidade, na relação entre espaço e paisagem, como paisagem sendo um componente espacial. No entanto, como afirma Moreira (2014), a fragmentação da disciplina leva ao empobrecimento de sua teorização e que, a paisagem torna-se um conceito limitado à geografia física sendo ao longo da história da Geografia, elevado ao status de pouca importância, enquanto o espaço, ganha um status de conceito-chave, porém limitado à geografia humana. Ponto fundamental aqui é afirmar que a fragmentação da Geografia é um caminho que desconsidera o fato de que enquanto ciência, busca discutir fenômenos que não podem em si ser fragmentados, limitando um debate que, para ser realizado com profundidade deve ser relacionado sob a égide do complexo.

Embora a dicotomia entre a Geografia Física e a Geografia Humana não possa ser considerada uma maneira correta pela qual a Ciência Geográfica deve se debruçar em suas reflexões, é interessante de maneira didática estabelecermos uma ruptura entre as duas, quando da preocupação de determinados autores de localizarem seus conceitos em facetas específicas no que pode ser denominado enquanto Geografia Física e Geografia Humana. Neste sentido, é válido dialogar com Henri Lefebvre, quando parte da perspectiva de se conceituar ‘espaço’ enquanto um produto social, ou seja, relacionado ao que o autor afirma enquanto ‘segunda natureza’, conceito Hegeliano.

Lefebvre (2000) incide em sua discussão presente no prefácio do livro ‘A produção do Espaço’ um resumo breve acerca das reflexões geográficas sobre o conceito de espaço. É importante destacar que seu recorte temporal incide sobre a esfera crítica de uma geografia francesa La Blachiana e sua compreensão de espaço e espacialização enquanto uma planificação demarcada. Quando avança em sua discussão para um caminho que leva à análise do conceito enquanto um produto social, afirma que tal análise não se estabelece sem resistência científica.

A preocupação do autor é de localizar o objetivo de sua reflexão em analisar a gênese do espaço, em um movimento de retornar ao passado e se conciliar com o presente, em uma análise do conceito enquanto um produto social das relações de produção que, a partir de um recorte temporal em que o livro foi publicado em sua primeira edição, é pairado sob o fenômeno do capitalismo e a modernidade do século XX.

Definindo assim o espaço a partir de Lefebvre (2000) e a relação do conceito sob a égide da modernidade e o capitalismo ainda em suas raízes de consolidação, é justificado o avanço de se pensar o conceito enquanto um produto social. Como afirmei anteriormente, o autor reflete sobre ‘espaço’ baseando-se em uma perspectiva hegeliana. Quando de Hegel refere-se a primeira e segunda natureza, é necessário compreender, ao menos no âmbito do razoável, que a primeira natureza é significada pela ‘natureza intocada’, sem interferência do ser humano e de suas relações sociais e, a segunda natureza, refere-se à primeira modificada, na apropriação do natural e na adaptação/transformação a partir da esfera social humana. Isso significa que, tendo o espaço enquanto um resultante do social, a partir de Lefebvre, se justifica enquanto um espaço equivalente à segunda natureza.

Se então localizarmos a discussão de Lefebvre (2000) em uma realidade específica e colocarmos a vivência do autor e apreensões do real inseridas em tal contexto – espaço-temporal -, pode-se pensar que todas as nuances presentes no Sistema Capitalista de Produção, seja na esfera econômica, cultural etc., inserem-se de maneira direta ou direta em sua obra e na produção/discussão de conceitos. É nisso que pode-se estabelecer diálogo com Thompson (1998).

A discussão de Thompson (1998) está centrada em uma abordagem acerca das mudanças culturais relacionadas ao advento do tempo-trabalho-disciplina. Sua reflexão inicia-se em uma análise sobre o advento do relógio enquanto um alterador da ordem social que, até então, tinha seu tempo relacionado a determinadas práticas que não se relacionavam ao modo de produção capitalista. Sendo assim, demonstra a relação de sociedades com períodos de plantio com os de colheita, do amanhecer e do entardecer e as práticas tangentes a tais períodos temporais. A noção de que o relógio está ligado ao modo de produção capitalista e, por sua vez, à modernidade, imprime a noção de que a configuração do tempo está diretamente ligada à objetificação do sujeito e à exploração de sua força de trabalho. Sendo assim, a cultura de trabalho e ócio/lazer, são atreladas à modernidade e às alterações sociais pelas quais as sociedades foram perpassadas.

Diante do discutido por Thompson (1998) é possível refletir sobre o conceito de espaço abordado por Lefebvre (2000) e confirmar a afirmação de que o espaço colocado pelo autor enquanto uma produção das relações sociais está diretamente ligado ao recorte espaço-temporal em que se insere, bem como, o olhar sobre o conceito tem relação direta com este recorte. O ‘espaço’ então definido assim por Lefebvre (2000) é o espaço do Sistema Capitalista de Produção, do advento do tempo e das relações de trabalho.

Também, tangente a esta compreensão de espaço está Santos (1994). Segundo o autor, o espaço se adapta à nova era. Atualizar-se é sinônimo de adotar os componentes que fazem de uma determinada fração do território o lócus de atividades de produção e de troca de alto nível e por isso consideradas mundiais. Esses lugares são espaços hegemônicos, onde se instalam as forças que regulam a ação em outros lugares.

Ora, se deste modo as discussões acerca de espaço podem ser didaticamente (para fins de compreensão) inseridas no âmbito da Geografia Humana e, além disso, ao recorte temporal em que são produzidas pelos autores até então citados, assim também se relacionam outros conceitos atrelados à Ciência Geográfica.

Ao passo que Moreira (2014) faz um recorte da história da Ciência Geográfica que vai ao século I e II D.C., afirmando ter ali surgido a disciplina em seus longos embates e desenvolvimento não linear, caminhando até a geografia crítica e seus anseios em suas análises sobre a realidade, Gregory (1992) se remete brevemente a somente início do século XIX, afirmando ter ali a demarcação da ciência geográfica enquanto disciplina acadêmica, inicialmente com a fundação das sociedades geográficas, como a da Inglaterra e posteriormente através de cátedras, tendo afirmado a primeira cátedra especificamente da Geografia tendo surgido na França. O autor afirma que a primeira abordagem da geografia em cátedras, na Europa e nos EUA, se relaciona à Geografia Física. Ao longo de seu texto, Gregory (1992) preocupa-se em delimitar as fases de avanço do pensamento inclinado à Geografia Física. Assim, considera a influência davisiana nas análises acerca da natureza através da geomorfologia, por exemplo e caminha até o olhar estrutural presente na disciplina nas décadas de 40 e 50 do século XX.

Outro autor que colabora para as reflexões da Ciência Geográfica podendo relacionar a elaboração de conceitos com o desenvolvimento da mesma, é Sauer (2004). Ponto interessante é afirmar que, embora até agora optei me referir à Geografia enquanto ‘física’ e ‘humana’ por questões didáticas, é e Sauer (2004) que se percebe uma tentativa da união das duas frentes que até então vinham sendo encaradas como claramente divididas e possíveis de serem pensadas de maneira uma.

Para tanto, é importante afirmar que a primeira edição da reflexão construída por Sauer (2004), foi publicada a partir do ano de 1925 e, deste modo, sua análise trata-se de um recorte temporal à epistemologia da geografia produzida na época. Sendo assim, a partir da atual edição, Sauer (2004) localiza as primeiras páginas de seu texto em afirmar dos embates presentes nos momentos de reflexão geográfica que, até então, concentrava-se entre a cosmologia e a corologia. Ora, para o autor, a Geografia tomando subdivisões acaba por enfraquecer e não corresponder com a elaboração de uma disciplina científica. Sendo assim, segundo Sauer (2004), a produção deve ater-se no relacionar os diversos fenômenos presentes na Terra.

Os avanços na reflexão de Sauer (2004) se referem na localização da discussão do conceito de paisagem e a importância deste conceito aplicado à Ciência Geográfica na análise da paisagem natural e cultural. O autor argumenta da importância da caracterização da paisagem e dos olhares da Geografia nos componentes da mesma enquanto um ambiente natural inicialmente formado através dos processos inerentes à natureza e posteriormente na modificação deste ambiente pelas ações do ser humano na sociedade.

Carl Sauer (2004) considera em sua discussão as formas da paisagem e a complexidade de se analisar a realidade da natureza através da relação entre os fatores que modelam a paisagem de maneira interna e externa, devendo-se levar em consideração não apenas a totalidade que pode ser visual, porém a maneira como a paisagem se torna paisagem. Conclui sua reflexão afirmando que, para além dos processos naturais, o objetivo de sua produção científica concentra-se em problematizar a relação das múltiplas especificidades presentes nas relações sociais que constituem a paisagem e também a modifica.

Sobretudo, independentemente da perspectiva que se possa tomar para estabelecer reflexões sobre conceitos geográficos e, por suposto, relacionados conceitos ao recorte espaço-temporal que tais reflexões se inserem, é evidente que produzir discussões que se inserem sob a sombra de uma disciplina científica está relacionado ao constante debate e ao movimento de construção e desconstruções de compreensões acerca do real. É por isso que, a reflexão acerca de conceitos geográficos está diretamente relacionada ao recorte que se insere e, com as alterações da ordem social, as conceituações se alteram. Neste sentido, Haesbaert (2014) avança em suas discussões sobre a complexidade da produção de reflexões Geográficas.

A discussão de Haesbaert (2014) concentra-se em refletir a respeito da Ciência Geográfica enquanto uma ciência social cuja construção está atrelada à criação de conceitos. Estabelece tal reflexão inspirando-se em Deleuze e Guattari, quando os autores discutem a filosofia enquanto um campo de construção e desenvolvimento de conceitos, porém trazendo tal discussão para a Geografia. Mergulha então em um caminho que leva à reflexão inicial acerca de categorias, não apenas enquanto um campo de conceitos com similaridades que se colocam de maneira conjunta, porém enquanto uma possibilidade de ‘constelação’ de conceitos. Como demonstra o autor: “Numa leitura metafórica bastante simples, mas didática, essa constelação seria composta por uma espécie de um conjunto de planetas girando em torno de uma estrela, cuja luz seria o espaço (…)” (HAESBAERT, 2014. P. 22)

Segundo o autor, a respeito da discussão de categorias acerca da Geografia, sob a perspectiva de categoria (constelação) e a qualidade do ‘espaço’ enquanto um conceito que emerge enquanto central neste campo específico do saber, argumenta que na história epistemológica da geografia, de maneira didática, basicamente consideramos o espaço enquanto absoluto (conceito apriorístico, recorte concreto e estático do real) e o que, para Harvey, destaca-se enquanto ‘relacional’ e que Haesbaert (2014) inicialmente define com relativo, que consiste em um espaço móvel, da existência de um objeto (realidade) em relação a outro, enfim, fora da consideração de ser uma categoria fechada e apriorística.

Deste modo, para Haesbaert (2014), pensar em conceitos geográficos é uma possibilidade de criar novos questionamentos a respeito do fenômeno/realidade. Um conceito não pode ser analisado de maneira uma, sem considerar demais, porém na interrelação de uns com os outros. Aqui então voltamos para a noção de que a Geografia não pode em prática ser encarada de maneira dicotômica e que, tal visão, pode ser considerada apenas para fins explicativos, porém sem que se possa excluir uma frente à outra.

Quando pensamos a Geografia enquanto uma ciência cujas reflexões produzem novos questionamentos e que tais questionamentos estão inseridos sob a luz de uma determinada época ou período em que foram elaborados e só e somente só, podem ser compreendidos fidedignamente se relacionados com a realidade em que tiveram sua gênese, é inevitável não relacionarmos o atual período e configuração social no qual compreendemos o atual. É assim que a produção do conhecimento Geográfico pós meados do século XIX até a atualidade diz respeito à inserção dos teóricos em um Sistema Capitalista e que, suas reflexões estarão sempre relacionadas a esta realidade social, ao menos quando nos referimos à produção de conhecimento no ocidente.

Harvey (2011) é um exemplo claro de tal afirmação, já que insere suas propostas de reflexão acerca do Sistema Capitalista. Ao discutir sobre a crise global que se instaurou em 2008 a partir da anterior quebra do mercado imobiliário norte-americano em 2006, Harvey (2011) questiona como ‘espacializar’ as questões referentes à crise do capitalismo global.

A partir de toda a reflexão elaborada acerca da organização (lógica) do sistema capitalista e a acumulação de capital permanente enquanto uma necessidade para o ‘funcionar adequado’ do atual sistema elaborado por Harvey (2011), surge a pergunta proposta pelo autor de como então geografizar, ou seja, ‘espacializar’ as dinâmicas atuais do capitalismo e, mais precisamente, de que modo uma crise (de 2008) relaciona os crashs locais a nível global? Por qual o motivo a crise no mercado imobiliário nos EUA ou as dívidas da Alemanha interferem na ordem de funcionamento capitalismo global a ponto de influenciar todos (ou quase todos) os países ao redor do Planeta Terra?

Diante dessas perguntas, o que fica ainda mais claro é que, diferentemente do capitalismo moderno industrial, onde toda a produção e modificação humana em decorrência do capital (e de seu acúmulo) era localizada, vivemos atualmente em uma era de expansão global, de interrelações entre Estados-Nação e, além disso, uma ‘transnacionalização’ do capital; por exemplo polos fabris em países em desenvolvimento (ou de capitalismo tardio) para suprir as necessidades da geração de lucro em países de capitalismo central.

Ora, se então localmente se instaura uma crise, como a de 2008 nos Estados Unidos, cuja população detém poder de compra relativamente maior em relação à países de capitalismo periférico, o poder de compra diminui (também relacionado com outros pontos como o desemprego, o esgotamento de recursos locais e naturais), a produção em países de capitalismo periférico diminui. Este é só um exemplo para ilustrar que a crise de 2008 assola não apenas países de capitalismo central (e de alto poderio econômico), mas países e a população de países de capitalismo periférico (já prejudicadas pelas más condições de bem-estar social). Como Harvey (2011) destaca é um real desafio se pensar em uma reorganização social para uma reestruturação do capital em decorrência do aumento populacional e o planejamento do capitalismo através de redes que se sustentam conforme a lógica do sistema (que, por hora, de 2008 até atualmente, se demonstra a cada vez mais perto falido).

O que se observa na reflexão do autor supracitado é a ligação direta entre o Sistema Capitalista de Produção e a existência da necessidade de se espacializar o fenômeno denominado pelo autor enquanto ‘crise’. A espacialização e a construção do conceito de ‘espaço’ neste caso acabam por confirmar mais uma vez a noção de que a elaboração de conceitos Geográficos depende da época em que se inserem e a compreensão acerca do conceito, bem como, a utilização do mesmo, estão diretamente ligados ao Capitalismo. Se em Lefebvre (2000) o espaço é produto da sociedade, em Harvey (2011), além de produto da sociedade, é também elemento pelo qual as configurações sociais ocorrem. Assim, a constante adaptação e reelaboração de conceitos, como apoiado em Santos (1994) é um modo pelo qual a produção de conhecimento é perpassado inevitavelmente.

Outro autor que traz à luz dos debates da Ciência Geográfica questões referentes ao cotidiano ligado ao Sistema Capitalista de Produção é Smith (1988) que, ao se referir à diferenciação espacial – ou seja, trabalhando com o conceito de espaço -, assume que o modo primeiro pelo qual ocorre tal diferenciação no presente recorte social é através das relações/divisão de trabalho. Em diálogo então com Karl Marx, o autor afirma que a divisão do trabalho pode ser discutida através de três níveis iniciais, ‘departamento’, ‘setor’ e divisão individual. Cada qual faz referência ao modo que o capital se divide em diferentes escalas (da mais ampla, para a mais específica). No entanto, afirma que a análise acerca da divisão do trabalho enquanto um componente de diferenciação espacial da maneira qual foi analisada a partir de Marx se altera em tempos atuais, sobretudo pós expansão industrial e comunicacional. Porém, como afirma Smith (1988), como Marx afirmou que o processo de diferenciação espacial/divisão do trabalho se dá inicialmente a partir do antagonismo entre rural/urbano, não deve ser desconsiderada por completo, mas considerada de forma histórica pela herança a qual participou do processo de diferenciação.

Atualmente, não faz sentido a definição de que a divisão rural/urbano se apresenta em uma dicotomia clara no processo de diferenciação, porém é responsável por parte de todo o processo de maneira clara. Ora, em suma é necessário afirmar que a divisão do trabalho e diferenciação migram no sistema capitalista tal como ela é atualmente, porém também são herança em um modo diferente do sistema feudal europeu. Obviamente, há diferenças muito claras na configuração espacial atual que nada se relaciona com o modelo moderno-industrial. Mas se deve considerar que por mais locais que determinadas diferenças possam ser, elas podem oferecer uma alteração na lógica espacial na medida em que o capitalismo pode ser analisado sob o aspecto de países de capitalismo central e periférico e, por assim dizer, cada um respeitando uma lógica de diferenciação e manutenção.

Após demonstrar através de exemplos os caminhos da Ciência Geográfica que levam à problematização de conceitos, a elaboração e reelaboração destes, atrelados à temporalidade na qual as reflexões geográficas são produzidas, bem como o respectivo contexto espacial, é interessante demonstrar que, em recortes atuais, como os presentes em Harvey (2011), Smith (1988), as produções de Geografia seguem a lógica afirmada por Santos (1994) de adaptação.

Assim demonstra Oslender (2002) acerca do conceito de espaço. O autor afirma, em diálogo com Massey (1993), que o conceito de espaço na geografia até o momento havia sido considerado de maneira simplista e dualista em relação ao tempo. O autor constrói uma reflexão de maneira breve, de que o espaço deve ser considerado de maneira concomitante em relação ao tempo, embora assumindo que existe especificidade de um conceito em relação ao outro, ambos devem ser considerados sob uma perspectiva conjunta e, ainda em Massey (1993), através de uma ‘tetra-dimensionalidade’ do espaço. Com isso, avança para a noção de que o espaço é também uma esfera política e, deste modo, a dimensão política do espaço consiste os movimentos sociais. Embora, para o autor essa afirmação pareça obvia, destaca a necessidade de construir este argumento, de modo a pensar que os movimentos sociais são estruturados a partir do espaço, porém também compõem a estrutura de maneira ativa e dinâmica.

Oslender (2002) afirma que pensar espaço e lugar na geografia em relação aos movimentos sociais é correlacionar as multiplicidades presentes nestes conceitos e as multiplicidades identitárias e de poder. A perspectiva acerca de lugar (e representação), localidade e localização assumida pelo autor, se constitui na posição de um pesquisador que busca corresponder verdadeiramente ao olhar dos sujeitos pesquisados e, deste modo, propõe repensar o modo pelo qual se produz a ciência e para quem tal ciência é produzida, inclusive inserindo uma proposta de transgressão à lógica de produção capitalista. Assim, aqui o ‘lugar’ é discutido a partir de uma perspectiva de construção de significados sobre determinado recorte espacial (localidade) que diz respeito a grupos que buscam resistências à movimentos de opressão.

Avançando nos debates, a reflexão apresentada por Oslender (2002) torna a significar a noção dos conceitos da geografia estarem sempre atrelados à construção de significados relacionados à espaço-temporalidade específica em que foram elaborados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em vias de concluir o presente texto, ainda é válido destacar Suertegaray (2001) que propõe em sua reflexão pensar de maneira objetiva a respeito dos conceitos que a mesma considera enquanto ‘balizadores’ para a ciência geográfica. Deste modo, a autora coloca o conceito de espaço enquanto central pelo qual os outros conceitos se encontram na qualidade de esferas pelas quais se analisa o Espaço, tais como território, lugar, paisagem e ambiente. Afirma, com isso, que as buscas reflexivas a respeito do Espaço por vezes levam à falsa compreensão de que este conceito é o objeto de estudo da geografia, porém, como afirma e como, outros autores como Haesbaert (2014) argumentam, devem ser considerados enquanto ferramentas, ou seja, como ela discute ‘um conceito balizador’.

Para tanto, pensar geograficamente significa dar luz aos debates acerca dos conceitos que apresentam os autores e autoras que aqui foram relacionados. Para além desta questão, a relação que tais conceitos têm com a temporalidade em que foram e ainda são pensados, é justificativa fundamental para a compreensão dos mesmos enquanto instrumentos para se pensar o real. Como demonstra Moreira (2014), é através do conceito de Espaço que a geografia a partir de seu estabelecimento enquanto disciplina científica inicia seus debates, acompanhada do conceito de Região e posteriormente de paisagem.

Independentemente da aparente dicotomia que a Geografia assume ao tratar de conceitos específicos, quando nos voltamos para determinada realidade em determinado recorte temporal, consideramos possível a elaboração de conceitos que dialoguem para além desta dicotomia, pois parte-se da compreensão de que a realidade não se separa em suas esferas naturais e sociais diante da atual realidade de configuração social – Sistema Capitalista de Produção. Deste modo, o objetivo deste texto, de se obter uma relação da produção dos conceitos geográficos com o recorte temporal em que são produzidos, visa estabelecer não uma resposta ideal, porém novos questionamentos que possam se fazer a respeito das reflexões presentes na Ciência Geográfica.

REFERÊNCIAS

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HAESBAERT, Rogério. Por uma constelação geográfica de conceitos. In: HAESBAERT, Rogério. Viver no limite: território e multi/transterritorialidade em tempos de in-segurança e contenção. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014. P. 19 – 51.

HARVEY, David. O enigma do capital: e as crises do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2011. P. 41 – 150.

LEFEBVRE, Henri. Prefácio. In: LEFEBVRE, Henri. A Produção do Espaço. Paris: Éditions Anthropos. 4ª Ed., 2000. P. 03 – 12.

MOREIRA, Ruy. Como pensamos. In: MOREIRA, Ruy. O discurso do avesso: para a crítica da geografia que se ensina. São Paulo: Contexto, 2014. P. 13 – 43.

OSLENDER, Ulrich. Espacio, lugar y movimientos sociales: hacia una ‘espacialidad de resistencia’. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales, Universidad de Barcelona, v. VI, n. 115, 2002.

SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo – globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo: Hucitec, 1994

SAUER, C.O. A Morfologia da Paisagem. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. (Orgs.). Paisagem, tempo e cultura. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2004. P. 12 – 74.

SMITH, Neil. Para uma teoria do desenvolvimento desigual I: A dialética da diferenciação e da igualização geográficas; Para uma teoria do desenvolvimento desigual: A escala espacial e o vaivém do capital. In: SMITH, Neil. Desenvolvimento Desigual. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.

SUERTEGARAY, D. M. A. Espaço Geográfico Uno e Múltiplo. Scripta Nova: Revista Eletrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, n. 93, 2001.

THOMPSON, E. P. Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo Industrial. In: THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. P. 267 – 304.

[1] Mestrando em Geografia, Licenciado em Geografia, Discente de mestrado.

Enviado: Outubro, 2018.

Aprovado: Fevereiro, 2019.

 

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Uilmer Rodrigues Xavier da Cruz

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